Pesquisadores do Rio encontram substância que neutraliza o novo coronavírus
(foto: "O experimento com o plasma dos cavalos permite que o tratamento seja produzido em grande escala. Os animais não sofrem com a retirada de plasma diz Adilson Stolet, presidente do Instituto Vital Brazil e um dos pesquisadores envolvidos).
Com base em uma técnica patenteada há 101 anos pelo imunologista brasileiro Vital Brazil — a do soro antiofídico —, pesquisadores do Rio de Janeiro conseguiram obter uma substância que neutraliza o Sars-CoV-2 e poderá ser usada como tratamento de pacientes com covid-19. Em vez de veneno de animais peçonhentos, o produto é o resultado de uma proteína desenvolvida em laboratório, que estimula a fabricação de anticorpos específicos contra o vírus.
O resultado do estudo, ainda não publicado, surpreendeu os cientistas. Eles conseguiram obter até 50 vezes mais agentes de defesa contra o coronavírus, comparado ao plasma de pessoas que tiveram doença.
O soro foi obtido a partir do plasma de cavalos, animais utilizados frequentemente para a produção de substâncias antiofídicas.
Para que o organismo dos equinos
reconhecesse o Sars-CoV-2 sem a necessidade de eles serem infectados, os
pesquisadores produziram uma proteína semelhante à spike. Essa estrutura, em
formato de espinho, fica na parte externa do vírus e é uma peça-chave na
infecção porque, ao se ligar a um receptor na membrana da célula hospedeira,
facilita a entrada do micro-organismo no núcleo, onde ele começa a se
reproduzir. Por isso, a spike é um dos principais alvos de vacinas e
tratamentos para a covid-19.
No Laboratório de Engenharia de Cultivos
Celulares do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), uma equipe
coordenada por Leda Castilho conseguiu produzir uma proteína — a S —, que se
assemelha à spike. “Ela mostrou-se muito efetiva para estimular a produção de
anticorpos em cavalos, com uma quantidade muito maior do que a encontrada em
humanos que já contraíram a covid-19”, conta a cientista. De acordo com a
pesquisadora, como ainda não há tratamento específico para a doença, os
anticorpos produzidos pelos animais representam uma esperança de terapia para
os pacientes.
Os testes, que envolveram pesquisadores
de diversas instituições do Rio e tiveram financiamento da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), começaram em 27 de março, na
Fazenda Vital Brazil, em Cachoeiras de Macacu, no interior fluminense. Cinco
cavalos foram inoculados com a proteína S e, a cada semana, os cientistas
faziam exames de sangue para detectar os níveis de anticorpos produzidos. O
presidente do Instituto Vital Brazil, órgão do governo do Estado do Rio, e um dos
pesquisadores, Adilson Stolet, conta que o processo é seguro e não coloca os
equinos em risco. “Já fazemos o soro contra a raiva, por exemplo, que também é
um vírus”, exemplifica. “O experimento com o plasma dos cavalos permite que o
tratamento seja produzido em grande escala. Os animais não sofrem com a
retirada de plasma”, afirma.
Jerson Lima, presidente da Faperj e um dos autores do estudo, apresentou, ontem
à noite, o resultado aos colegas da Academia Nacional de Medicina. No evento,
transmitido on-line, ele disse que, depois do sétimo dia de inoculação, a
resposta imune dos cavalos foi pouca. “Após a segunda inoculação, aumentou e, à
medida que as semanas se passaram, foi algo impressionante. No 42º dia, havia
perto de 1 milhão (de anticorpos produzidos). Fiquei com inveja porque tive
covid-19 e nunca produzi anticorpos”, brincou.
Testes clínicos
O experimento durou 70 dias. “O próximo
passo era verificar se esses anticorpos se mantinham depois que o plasma fosse
processado”, relatou. Ao ser retirado dos animais, o sangue tem de ser
purificado, e os anticorpos, isolados, um processo que pode perder parte das proteínas
produzidas. “Vimos que, mesmo com o plasma processado, conseguimos quantidades
acima de 100 mil.”
Segundo Lima, a “questão de um milhão de
dólares” foi saber se essas substâncias conseguiriam neutralizar o vírus. “Foi
surpreendente verificar a alta capacidade de inativação do Sars-CoV-2”,
comemorou.
Assim como Vital Brazil fez há 101 anos,
a equipe de pesquisadores já patenteou a tecnologia e está em fase de
organização dos testes clínicos, que dependem da aprovação da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde. O cientista contou
que a capacidade de produção dos anticorpos e do soro é alta. Atualmente, há 10
cavalos para essa pesquisa no Instituto Vital Brazil. Enquanto o órgão pode
processar grandes quantidades de plasma, o Coppe da UFRJ também fabrica a
proteína S em larga escala.
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