Quatro pontos importantes para a construção do “novo normal”
“Precisamos deixar de ser espectadores da tragédia e nos transformarmos em protagonista de uma obra que urge mudança de direção”, diz reitor da Universidade Católica da Costa Rica
“Nunca desperdice uma boa crise”, dizia Winston
Churchill. Resignar-nos apenas a voltar a um “novo normal”, sem questionarmos o
que é isso e como podemos construir essa normalidade implica desperdiçar as
oportunidades de aprendizagem que a pior crise que esta geração já viveu nos
proporciona.
O Dr. Fernando F. Sánchez Campos, reitor
da Universidade Católica da Costa Rica, publicou um artigo tendo como pano de
fundo essa preocupação. “Precisamos deixar de ser espectadores da tragédia e
nos transformarmos em protagonista de uma obra que urge mudança de direção.
Cabe a nós assumirmos o papel de construtores do novo normal”, diz ele.
Segundo o reitor, estes são os quatro
pontos-chave para construirmos algo melhor depois da crise.
1.
DESENVOLVIMENTO
SOLIDÁRIO
Em primeiro lugar, devemos nos
questionar se queremos voltar a um modelo de desenvolvimento marcado pelo
egoísmo ou construir um modelo que tenha a solidariedade como farol.
A pandemia mostrou que as sociedades
mais igualitárias e prósperas, com setores produtivos sólidos e instituições
públicas fortes e solidárias são essenciais. Da mesma forma, ficou claro que o
maior fator de risco da pandemia não é a obesidade, a hipertensão ou o
diabetes, mas a pobreza.
Certamente, o confinamento e o
teletrabalho não são opções para quem não tem casa, emprego ou internet. Por
outro lado, os efeitos globais e acelerados da atual pandemia deveriam servir
de exemplos para mudanças nos hábitos de consumo, levando em conta o
aquecimento global e a deterioração do meio ambiente.
Como o Papa Francisco já alertou, “Deus
perdoa sempre, nós também perdoamos algumas fezes, mas a natureza – a criação –
não perdoa nunca”. Essa crise deixou
claro que “construir a solidariedade” é preservar a vida.
2.
DEMOCRACIAS
CAPAZES DE GERAR CONFIANÇA
Em segundo lugar, devemos decidir se
queremos voltar aos sistemas políticos desgastados, inoperantes e pouco
transparentes ou se queremos construir democracias mais robustas, eficientes e
geradoras de maior confiança.
Em países com sistemas políticos
ineficientes, o enfrentamento dos efeitos da pandemia não pode se transformar
em justificativa para limitar a democracia. Como diz Alexis de Tocqueville, “os
problemas da democracia são resolvidos com mais democracia”.
Um poder executivo eficaz e claro em
relação a propostas, execução e manejo da informação, poderes legislativos e
judiciários autônomos e responsáveis e meios de comunicação críticos,
independentes e conscientes de seu trabalho são as bases nesta proposta.
A pandemia não deveria apenas ensinar o
valor de um sistema político funcional, como também a importância de os
cidadãos se comportarem sempre como eleitores conscientes e maduros.
Nunca foi tão certo o ditado que diz que
“o cidadão que erra menos ao escolher seus governantes é aquele que vota
antecipando uma grande crise”.
3.
FAMÍLIAS
INTEGRADAS
Em terceiro lugar, devemos nos perguntar
se queremos voltar às famílias cada vez mais desintegradas ou construir
famílias integradas e funcionais.
Paradoxalmente, em tempos de pandemia a
caridade e a consideração com o próximo se manifestam em meio ao distanciamento
físico. Os vínculos sociais e os laços afetivos fora da nossa família nuclear
devem ser conservados e, se possível, desenvolvidos remotamente.
Independentemente das dificuldades, é
fundamental compreender que nosso principal desafio não é idealizar planos para
“ficarmos próximos enquanto estamos distantes”, mas nos reencontrarmos com
aqueles que sempre nos foram próximos e pareciam estar distantes.
Além das situações singulares que cada
família enfrenta, a pandemia é uma oportunidade para recuperar e fortalecer
nossa família nuclear.
Resolver problemas latentes no núcleo
familiar, afinar a comunicação com cada membro, revisar prioridades, projetos e
metas comuns, compreender que a identidade de cada membro enriquece a
identidade do núcleo e valorizar o privilégio de viver e crescer acompanhados
são tarefas inadiáveis.
4. SOCIEDADES COM VISÃO TRANSCENDENTAL
Finalmente, devemos discernir se queremos
voltar às sociedades marcadas pelo imediato, o material e o efêmero ou se
queremos construir sociedades a partir de pessoas com maior profundidade
espiritual e melhor compreensão do transcendental.
Parafraseando o filósofo sul-coreano
Byung-Chul Han, com a pandemia “a narrativa da ressurreição dá lugar à
ideologia da saúde e da sobrevivência”. Sem entender que se movem em diferentes
níveis do saber, a virologia quer se impor sobre a teologia.
Porém, a fortaleza espiritual permite,
segundo Santo Inácio de Loyola, “transformar a felicidade dos tempos de
tranquilidade e sucesso em paciência durante os momentos de dificuldade e
provação”.
Se a pandemia conseguiu nos ensinar
isso, mesmo que na marra, teremos passado por um tempo de preparação muito
proveitoso, parecido com uma árvore que, depois de podada, dá mais e melhores
frutos.
O Dr. Sánchez Campos conclui:
“Não podemos desperdiçar a crise que enfrentamos, conformando-nos somente com uma volta à nova normalidade. A situação nos impõe que, a partir do momento que aprendemos e tomamos melhores decisões no que se refere ao modelo de desenvolvimento, sistema político, relações familiares e crescimento espiritual, passaremos a ser construtores do novo normal que passaremos a viver. Superar a pandemia não é somente sair vivos da provação, mas também sairmos mais fortes, mais sensíveis, mais sábios e mais bem preparados.”
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