REFLEXÃO DO V DOMINGO DO TEMPO COMUM:
“EVANGELIZAR...
MAIS QUE PALAVRAS!”
A perícope evangélica deste V Domingo apresenta três elementos
fundamentais da ação evangelizadora de Jesus.
1. A passagem da sinagoga para a
casa: “Jesus saiu imediatamente da sinagoga e foi, com Tiago e João,
para a casa de Simão e André”. Esta informação não pode ser vista apenas
como uma conexão literária feita pelo evangelista para costurar os vários
textos. Mas indica algo imprescindível no anúncio da Boa Notícia; sem dúvida,
uma das grandes dificuldades encontradas hoje na nossa missão é fazer com que o
evangelho proclamado nos púlpitos alcance os ambientes onde as pessoas vivem e
convivem, sobretudo as famílias.
Na sinagoga, Jesus é reconhecido como um Mestre que tem autoridade (IV
Domingo), mas é nos vários ambientes onde se fez presente é que a sua
autoridade foi exercida como verdadeiro serviço à vida, e não somente como
proclamação de uma palavra verdadeira. Passando da sinagoga, o lugar da reunião
em torno da Palavra, para a casa, o lugar do encontro com as pessoas na sua
realidade mais concreta, Jesus testemunha a força do Evangelho de Deus: “Jesus
curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios”.
A sogra de Simão não é apenas uma das tantas pessoas miraculadas, mas
ela é apresentada como um ícone de quem verdadeiramente foi curado por Jesus,
isto é, a quem o evangelho alcançou profundamente; o sinal mais convincente é a
decisão de colocar-se a serviço. Nela se realizam os quatro momentos do
processo de evangelização proclamados por Jesus no início da sua vida pública
(III Domingo): “O tempo cumpriu-se, reino de Deus está próximo,
convertei-vos e crede no evangelho”. Ao sair “imediatamente” (grego: eutheus)
da sinagoga, Jesus indica que não há mais o que esperar, a sua missão vai para
além de determinados ambientes restritos, pois exige horizontes mais vastos,
águas mais profundas. Esse mesmo advérbio (grego: eutheus) é
utilizado quando se diz que a sogra de Simão, tenho sido curada, “imediatamente
começou a servi-los”. Portanto, qualifica tanto o tempo (kairós:
momento oportuno) quanto a ação de Jesus e da mulher curada. Ambos não se
perdem em delongas ou esperas estéreis.
Entrando em casa, “Jesus aproxima-se da mulher”, portanto, a
grande proclamação de que, de fato, o Reino de Deus está próximo. Jesus não diz
que o Reino se aproxima, mas Ele mesmo é a presença do Reino do seu Pai no
mundo. Marcos sublinha que Jesus “Ajudou-a a levantar-se”. O verbo grego
(egeiro: levantar) é o mesmo utilizado para indicar a ressurreição, como
um despertar, acordar, uma mudança radical de vida. Portanto, um processo de
conversão. Jesus tomando-a pela mão, transmite-lhe a força do seu amor, a
condição necessária para provocar no outro o desejo e a decisão de conversão.
Assim, como a última afirmação “crede no evangelho” coroava a síntese da
pregação inicial de Jesus, a mulher curada testemunha da maneira mais eloquente
e persuasiva que verdadeiramente aderiu (acreditar) ao evangelho do Mestre que
tem autoridade, “que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida”, por isso, “imediatamente ela começou a servi-los”. O
serviço nas comunidades primitivas não era apenas uma atividade realizada com
finalidades funcionais, uma ajuda diante de uma determinada necessidade. Mas o
serviço (diaconia) é, antes de tudo, obediência à Palavra, ao próprio
Jesus que nos diz o que devemos fazer. Portanto, só é possível tornar-se um
servidor do Reino se seguirmos os seus passos, aprendendo Dele o autêntico
serviço de caridade na verdade que liberta.
2. O segundo elemento imprescindível
que Jesus nos indica como raiz da ação evangelizadora é a disponibilidade para
estar na intimidade com o Pai: “De madrugada… Jesus se levantou e foi
rezar num lugar deserto”. Hoje fala-se muito da necessidade de oração. E
até se investe muito em dinâmicas criativas para “animar” momentos de oração.
Porém, para além de qualquer técnica ou dinâmica, oração é decisão, por isso,
não depende de moções sentimentais prazerosas nem de motivações externas
infantis. Muito significativo o fato de Marcos dizer que “tendo se levantado
ainda de madrugada”, mais uma forma verbal aplicada à ressurreição (anastasis).
Quando as “mulheres vão ao túmulo ao nascer do sol”, recebem a boa
notícia: “Ressuscitou, não está aqui” (Mc 16,2.6). Portanto, a madrugada
é o grande momento da ressurreição, da evangelização. Jesus prefere as
madrugadas para estar na intimidade com o Pai, que o ressuscitará. A oração
para Jesus é momento kairótico de ouvir o evangelho do Pai
dirigido a Ele. E, portanto, renova a sua obediência que o levará à cruz, mas
tem a certeza da ressurreição. Ele tem força de “levantar-se de madrugada”
porque se alimenta, nas madrugadas, da certeza de que na madrugada final o Pai
estará desperto para despertá-lo também.
3. A consciência da missão que
desinstala: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo
pregar também ali, pois para isso que eu vim”. Diante da narração dos
acontecimentos que indicam um sucesso incontestável, o próprio entusiasmo dos
apóstolos que testemunham as obras prodigiosas do Mestre e o acorrer de tantas
multidões, desponta a consciência lúcida de Jesus em relação à sua missão de
evangelizar. Não é o “sucesso” que define a sua ação evangelizadora, mas a
consciência que Ele tem dela, que vem só do Pai. Por isso, a oração não é uma
possibilidade para Jesus de estar com o Pai, mas é a necessidade para conhecer
sempre mais a sua vontade.
Enraizados na oração que nos faz crescer na consciência da nossa missão
como serviço à vida, aprendamos do Mestre a evangelizar, superando a tendência
de tornar o seu evangelho uma palavra nossa que garanta o nosso público, mas
com a coragem de seguir os seus passos até a cruz, convictos de que na madrugada
da nossa vida Ele não dorme e nos despertará, anunciemos a verdade dessa Boa
Notícia.
(*) Dom André
Vital Félix da Silva, SCJ. Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Mestre
em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana.
Fonte: https://cnbbne2.org.br/reflexao-v-domingo-tempo-comum-evangelizar-mais-que-palavras-mc-129-39/
Nenhum comentário:
Postar um comentário