DAS FORMULAÇÕES INICIAIS DE SUA DOUTRINA AOS NOVOS DESAFIOS DA ATUALIDADE (CONTINUAÇÃO...)
Rodrigo Augusto Leão
Camilo
Mestrando em Sociologia pelo programa de
Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás e bolsista CNPq.
2.Teoria e religião:
os apontamentos de Weber e Marx
Um dos pontos que
incomodava bastante tanto militares como a hierarquia da Igreja Católica era a
aproximação da Teologia da Libertação com o marxismo. Isso ocorre devido às
históricas desavenças entre Igreja Católica e comunismo, que viam um ao outro
como um problema para a sociedade. Assim é que para se compreender os pontos
que aproximaram a Teologia da Libertação do marxismo é preciso do auxílio de um
clássico da Sociologia que forneceu um importante conceito para essa tarefa: o
alemão Max Weber.
A ideia de afinidade
eletiva permite que um estudo entre dois fatos particulares seja feito sem que
se faça uma relação causal rígida e inflexível, criando uma noção de
convergência e combinação sem que esses fatos percam suas características
próprias. O que sem tem, por fim, é uma ferramenta que auxilia a compreensão de
duas ou mais realidades complexas sem que suas diferenças e especificidades
sejam anuladas. É em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo
(2004) que o conceito de afinidade eletiva tem o seu uso como importante método
para a análise. Max Weber utiliza-o para demonstrar que a mudança de
mentalidade trazida com a Reforma Protestante iniciada por Lutero teve impacto
decisivo para a consolidação do capitalismo. Especificamente, o ramo
calvinista, que com uma ética ainda mais rigorosa em seus valores que formaram
um modelo de homem que se dedicava quase que religiosamente ao trabalho,
ligou-se em uma afinidade com o capitalismo que criou o que autor chama de
“espírito do capitalismo”. Ao explicitar o método que utilizaria para fazer o
seu estudo, Weber anuncia que [...] Procederemos tão só de modo a examinar de
perto se, em quais pontos, podemos reconhecer “afinidades eletivas” entre
certas formas da fé religiosa e certas formas da ética profissional.
Por esse meio de uma
vez só serão elucidados, na medida do possível, o modo e a direção geral, do
efeito que, em virtude de tais afinidades eletivas, o movimento religioso exerceu
sobre o desenvolvimento da cultura material (WEBER, 2004, p. 83, grifo do
autor). Com o conceito de “afinidade eletiva”, fica possível enxergar vários
pontos em comum entre as cosmovisões de mundo católica e marxista, ainda que os
religiosos da Teologia da Libertação rejeitassem muitos dos preceitos
elaborados por Karl Max. Nesse sentido, Michel Löwy (1998) adverte que as
palavras de Marx não seriam “originais”, pois outros autores como Feuerbach,
Herder, Bruno Bauer, entre outros, já teciam críticas em relação ao papel
alienante da religião e que no momento em que sua célebre frase foi cunhada,
Marx estava em uma fase “pré-marxista”, sem o mesmo rigor metodológico que ele
tratava outros aspectos da sociedade. Contudo, Marx, mesmo sem dedicar um espaço
específico em seus trabalhos para a religião, tratava desse assunto de maneira
indireta (Como na percepção de Karl Marx do papel do protestantismo nas
transformações ocorridas na Inglaterra que culminaram na ascensão da classe
burguesa) e reconhecia que em determinadas situações, a religião tinha um
papel transformador.
Para Löwy: Mais
interessante que a validade empírica de tais análises historiográficas é seu
significado metodológico: o reconhecimento da religião como uma das causas
importantes das transformações econômicas que conduzem ao estabelecimento do
sistema do capitalismo moderno (LÖWY, 1998, p. 160) E é para entender essa
complexa relação entre a teoria marxista e a religião, sob a égide da Teologia
da Libertação, que o presente trabalho procura utilizar o conceito de afinidade
eletiva de Max Weber para delinear os pontos em comum entre os religiosos da
Teologia da Libertação, movimento importante dentro da Igreja Católica na
segunda metade do século XX, e o marxismo, o qual foi uma importante abordagem
para se fazer a leitura da realidade social.
Assim é, pois, que a ideia
de afinidade eletiva pode ser entendida como a concepção de que dois fatos ou
ações sociais, bem como mentalidades, particulares e autônomas, estabelecem
entre si uma relação intensa, influenciando-se e interagindo – embora muitas
vezes essa relação não seja necessariamente direta. É com Michel Löwy (2000)
que o conceito de afinidade eletiva ganha importância para justificar essa
complexa relação entre uma parte dos religiosos da Igreja Católica, ligados ao
movimento da Teologia da Libertação, com as ideias marxistas. Essa filiação
merece destaque a partir do momento em que se sabe que historicamente a Igreja
Católica foi uma feroz adversária do comunismo e os ideais socialistas
postulados por Karl Marx. Utilizando com sabedoria o conceito de afinidade
eletiva, Löwy conseguiu identificar quais os aspectos entre a teoria marxista e
a doutrina da Teologia da Libertação que os aproximou, tanto é que nos períodos
mais opressores do regime militar no Brasil, esses religiosos foram enquadrados
como militantes comunistas e duramente perseguidos.
Löwy (2000) afirma que
Max Weber, ao escrever A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo não
defendia que a religião foi o determinante para o desenvolvimento do
capitalismo, apenas que haveria uma relação mútua de atração entre a ética
calvinista e postura capitalista. Assim é que Michel Löwy começa a identificar
outra situação dentro da literatura Weberiana que chama sua atenção: a incompatibilidade
dos valores católicos com o ethos capitalista. Assim é que pode ser observado
que a partir de seus estudos, Weber: Insinua a existência de uma aversão, ou
resistência, básica e irreconciliável, ao espírito do capitalismo por parte da
Igreja Católica (e provavelmente também por algumas denominações protestantes)
(LÖWY, 2000, p. 40) Com as mudanças no mundo a partir da década de 1980, a
Teologia da Libertação passou para um novo momento. A crise nos países de
regime comunista, o fim das ditaduras militares na América Latina e o início de
do papado de João Paulo II iriam marcar uma nova fase para a Teologia da
Libertação.
3. As mudanças no
cenário religioso e a Teologia da Libertação
A partir do final da
década de 1970, importantes acontecimentos teriam grande influência para a
Teologia no Brasil. O regime militar caminhava para o seu fim e, com o início
do processo de redemocratização do país, a luta contra a opressão do Estado não
fazia mais sentido dentro desse novo contexto político que o Brasil
experimentava. Nesse mesmo período, o Vaticano passou a agir de forma a
"suavizar" a postura dos religiosos mais engajados socialmente. Na
verdade, uma das grandes justificativas desse engajamento era justamente a
perseguição que os religiosos sofriam por parte dos militares, bem como os
casos de tortura e violência que marcaram o período que o Estado brasileiro
esteve na mão das forças armadas.
Com o fim do regime
militar, de acordo com a postura conservadora do Vaticano, todo esse
engajamento não mais se justificaria. Dessa forma, buscou-se frear o ímpeto da
Igreja brasileira em ajudar na mudança social no país por meio de várias ações
coordenadas pelo Vaticano que Michel Löwy (2000) chama de "tentativa de
normalizar a Igreja brasileira". Uma das principais medidas foi recuperar
o controle da Igreja brasileira por meio de indicações de bispos conservadores
não comprometidos com a questão social nas principais Dioceses e postos da Igreja
brasileira. O que se viu foi a "nomeação de bispos conservadores que
muitas vezes destroem ou enfraquecem as estruturas pastorais estabelecidas por
seus predecessores (LÖWY, 2000, p. 154). Portanto, um novo contexto político se
abriu com o fim do regime militar, além de novas modalidades de religião, como
o forte crescimento da religião pentecostal no Brasil e mesmo movimentos dentro
da Igreja Católica menos comprometidos com a questão social, como a Renovação
Carismática, e, por fim, a ação neoconservadora do Vaticano para que a Igreja
brasileira diminua seu envolvimento direto com a questão social.
Esses são fatores que
diminuíram a força e a popularidade da Teologia da Libertação no Brasil nas
últimas décadas e fazem questionar qual é o papel desse movimento religioso no
país em relação a essa nova realidade. Em um cenário no qual o religioso
continua a exercer influência sobre as questões político-sociais do país,
compreender o momento da Teologia da Libertação é uma tarefa importante para
entender como a religião atua dentro da sociedade, por meio de um dos seus
movimentos mais engajados.
4. Referências Bibliográficas
BOFF, Leonardo. Teologia do
cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes, 1998.
LÖWY, Michael. A guerra dos
deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.
Marx e Engels como sociólogos
da religião. In: Lua Nova – Revista de Cultura e Política. São Paulo, n° 43,
1998, p. 157-70.
MARX, Karl. A mercadoria. In:
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Brasileira, 2008. p. 55-105.
Ideologia Alemã. São Paulo:
Martin Claret, 2006. Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. In:
Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
PIERUCCI, Antonio. O
desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo:
Editora 34, 2003.
WEBER, Max. A ética
protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Metodologia das ciências sociais.
São Paulo: Cortez / Editora da UNICAMP, 1992. A Psicologia Social das Religiões
Mundiais. In: WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
Economia e Sociedade:
fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: UNB. Volume I, 1991.
Fonte: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/253/o/Rodrigo_Augusto_Leao_Camilo.pdf
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