Apesar da
pandemia e da política, sempre há luz no final do túnel
Francisco
Borba Ribeiro Neto
Para o
cristão, a vida pode ser drama, mas não deveria se tornar tragédia; o túnel
escuro pode ser longo, mas não é um buraco sem saída
É muito triste ver os brasileiros
desesperançados diante da pandemia e da situação política do País. Pensávamos
que 2021 seria um ano “mais normal”, mas vemos um recrudescimento da pandemia e
temos a impressão de estarmos diante de uma quarentena interminável, com
mortes, crise econômica e desemprego sem fim. Diante dessa conjuntura,
realmente caótica e dramática, os políticos parecem continuar se orientando por
interesses particulares, entregues a devaneios ideológicos ou a negociatas
interesseiras. Uma sensação deprimente, mistura de impotência, raiva e
desilusão, acomete a muitos de nós – e, convenhamos, com boa parcela de razão.
Contudo, para o cristão, a vida pode ser
drama, mas não deveria se tornar tragédia; o túnel escuro pode ser longo, mas
não é um buraco sem saída. A tragédia sempre acaba mal, mas o drama, apesar de
todo o seu sofrimento, pode ter um desfecho feliz. As dificuldades, por mais
dolorosas que sejam (e não há dor maior e mais inexorável do que a da morte)
não se tornam tragédia na medida que são iluminadas pela luz no final do túnel:
a esperança. Diante da situação atual, renova-se uma das grandes questões do
cristianismo: de onde vem aquela esperança que “não decepciona”?
Cristo é a esperança que não decepciona,
mas essa frase pode parecer uma espécie de autoengano, um esforço piedoso para
fugir da realidade, mais uma ideologia para iludir nossos corações doloridos
(aliás, é assim que tanto o marxismo quanto o positivismo viram o
cristianismo). O Papa Francisco, nas comemorações do Natal de 2020, em meio à
pandemia, observou com propriedade:
“Uma leitura da realidade sem esperança não se pode chamar realista. A
esperança dá às nossas análises aquilo que muitas vezes o nosso olhar míope é
incapaz de captar […] O nosso tempo também tem os seus problemas, mas possui
igualmente o testemunho vivo de que o Senhor não abandonou o seu povo […] Quem
não olha a crise à luz do Evangelho limita-se a fazer a autópsia dum cadáver:
olha a crise, mas sem a esperança do Evangelho, sem a luz do Evangelho”.
Perder essa relação fundamental entre
realismo e esperança é um sinal claro de que nossa mentalidade não é mais
cristã, que – por mais que rezemos ou afirmemos princípios cristãos – estamos
pensando como o mundo e não como os “amigos de Cristo”. Nesse artigo, não quero
discorrer sobre a espiritualidade da esperança, outros em Aleteia podem fazê-lo
muito melhor do que eu. Minha questão é como a mentalidade hegemônica na
sociedade corrói a nossa esperança e nosso discernimento justamente no momento
em que mais necessitamos deles.
A
esperança que não é ilusão
Bento XVI tem uma percepção aguda da
falta de esperança em nossa sociedade. Escreveu “Santo Agostinho
[…] notou uma reciprocidade entre scientia e tristitia:
o simples saber, disse ele, deixa-nos tristes. E realmente quem se limita a ver
e apreender tudo aquilo que acontece no mundo, acaba por ficar triste”. Mais
adiante, no mesmo texto, irá citar o “otimismo que vive na fé cristã”, pois na
fé aprendemos a bondade do Amor de Deus e que a verdade última se revela como
bem para todos nós. Ciente, contudo, desse déficit de esperança em nosso tempo,
o Papa emérito escreveu sua encíclica Spe salvi,
“Salvos pela esperança” (SS, 2007).
A esperança, de certa forma, se
identifica com a própria fé, observa Bento XVI (SS 2). Contudo, a fé que
desabrocha como esperança não é um simples “acreditar em coisas que não se
veem”. Se fosse assim, pareceria realmente um discurso ilusório. A fé, em sua essência,
é o reconhecimento da presença de Deus em nossa vida. Uma presença que se
tornará dominante na vida eterna, mas que já está presente e operando agora
(cf. SS 7). Nesse sentido, podemos entender que a fé se apoia numa experiência
pessoal de encontro com Cristo.
A fé nos foi transmitida pelo anúncio de
outros que conheceram a Cristo antes de nós, mas como os samaritanos, também
podemos dizer: “Já não é por causa do que você falou que cremos. Nós mesmos O
ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 4, 42).
Se perdemos de vista as maravilhas do amor de Deus que testemunhamos em nossas
vidas, aquilo que vimos acontecer, conosco e com os demais, não conseguimos ter
esperança. Quando perdemos a esperança, é sinal de que não mais “fazemos
memória” daquilo que o Senhor já fez por nós. Para o cristão, memória e
esperança são indissociáveis.
Mas, a lembrança das coisas boas do
passado não é suficiente para nos manter firmes no presente, quando esse se
apresenta cheio de problemas, dificuldades e sofrimentos. Aqui, talvez, o
testemunho dos casados há muito tempo pode ser de ajuda para nós. A vida de um
casal não é feita apenas de momentos bons. Todos acumulam, em sua vida
conjugal, alegrias e tristezas, beleza e sofrimento. Contudo, quando olham
retrospectivamente, os cônjuges percebem que tanto os momentos bons quanto os
difíceis ajudaram a construir e solidificar o amor de um pelo outro – mais
ainda, tanto as alegrias quanto as tristezas são necessárias para que a
comunhão entre os esposos se fortaleça e se torne certeza para toda a vida.
Para quem vive à luz do amor, todo
acontecimento é ocasião para reafirmar a beleza do amor, mesmo quando se revela
na dor e no sofrimento. Assim é com os esposos, assim é com os cristãos em sua
relação com Deus. Todo acontecimento nos dá oportunidade para aprofundarmos
nossa experiência de sermos amados por Deus – e, portanto, também a nossa fé,
que se manifesta como esperança. As dificuldades desse tempo de pandemia e
escândalos políticos não são diferentes das outras… Podem igualmente servir
para fortalecer nossa fé e nossa esperança.
O
grande obstáculo
Como a mentalidade dominante se interpõe
a esse caminho de amadurecimento cristão? Nos fazendo olhar apenas para nós
mesmos. Vivemos numa sociedade individualista, onde a satisfação da própria
vontade é confundida com a realização integral da pessoa. Coisas,
acontecimentos e pessoas são mensurados em termos do quanto de prazer nos
proporcionam. Ser feliz, acreditamos nesses nossos tempos, é fazer o que se
quer. Quanto menos olharmos para os outros e para as circunstâncias, melhor.
Com isso, deixamos não só de olhar para nossos irmãos, mas também para Deus. Ele passa a ser alguém a quem pedir exaustivamente que satisfaça nossas vontades. E quando elas não se realizam? Talvez não deixemos de “acreditar” Nele, mas nos desesperamos. Uma fé assim não é memória do encontro com Cristo, mas reafirmação de nossas ideias e vontades.
Esse é o grande obstáculo que não nos permite viver com otimismo e amor as dificuldades
e até as dores, que realmente acontecem e não deixarão de nos fazer sofrer –
mas que não precisam dar a última palavra sobre a nossa vida.
https://pt.aleteia.org/2021/03/28/apesar-da-pandemia-e-da-politica-sempre-ha-luz-no-final-do-tunel/
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