ORIGEM, FUNDAÇÃO, MISSÃO DA IGREJA E O MISTÉRIO DA IGREJA– SEGUNDA PARTE (2ª Parte)
III. O MISTÉRIO DA IGREJA
A Igreja - ao mesmo tempo visível e espiritual
Essas dimensões constituem “uma só realidade complexa em que se funde o elemento divino e humano”: Caracteriza-se a Igreja por ser humana e ao mesmo tempo divina, visível, mas ornada de dons invisíveis, operosa na ação e devotada à contemplação presente no mundo e, no entanto, peregrina. E isso de modo que nela o humano se ordene divino e a ele se subordine, o visível ao invisível, a ação à contemplação e o presente à cidade futura, que buscamos. Ó humildade! Ó sublimidade! Tabernáculo de Cedar e santuário de Deus; morada terrestre e palácio celeste; casa de barro e sala régia; corpo de morte e templo de luz; finalmente, desprezo para os soberbos e esposa de Cristo! És negra, mas formosa, ó filha de Jerusalém: ainda que desfigurada pelo labor e pelado longo exílio, a beleza celeste te adorna.
A Igreja - mistério da união dos homens com Deus
A Igreja - sacramento universal da salvação
RESUMINDO
Revisando temas
1. JESUS FUNDOU A IGREJA?
Essa
é uma questão muito atual. Da resposta a essa questão dependem muitas afirmações
que hoje fazemos sobre a Igreja: sacramento da salvação, santidade, apostolicidade,
unidade. Na doutrina pré-conciliar sobre a Igreja e na dogmática neo-escolástica
a questão da fundação foi resolvida mediante a referência a algumas passagens bíblicas:
Jesus instituiu e fundou a única Igreja (DS 3540).
A Igreja como instituição ou fundação de Jesus, nesse contexto, significa: o Senhor terreno e ressuscitado cumpriu consciente e expressamente determinados atos jurídicos formais, mediante os quais fundou a Igreja como instituição visível e juridicamente estruturada por sua vontade em todos os pontos essenciais. Na exegese moderna essa concepção se tornou problemática por vários motivos.
1. Os evangelhos foram escritos na situação eclesial pós-pascal e transmitem as palavras de Jesus já como palavras atualizadas para essa situação eclesial.
2. Também o termo “ekklesia”, quando aparece nos sinóticos (Mt 16,18s; 18,17) derivam da situação pós-pascal. 3. A pregação pré-pascal de Jesus era o Reino de Deus e nesse sentido ele se dirige a todo Israel. Sua intenção era o de reunir, renovar e preparar todo o povo para a vinda iminente do Reino. Nesse sentido ele não quis fundar uma nova comunidade religiosa, nem constituir um resto santo ou uma comunidade particular dentro de Israel. O fato de que nesse movimento de congregação se verificou uma divisão-separação não depende da vontade de Jesus, mas da reação dos interlocutores. Nesse sentido, é muito difícil falar de uma fundação da Igreja em senso estrito e tradicional do termo. “Igreja” e “fundação” são, de fato, termos que podem ter conteúdos e amplitudes diferentes.
I. Se falarmos de “Igreja” em senso estrito (a comunidade de fiéis que sob a direção do Papa e dos bispos professam a mesma fé eclesial e recebem os mesmos sacramentos), devemos responder que ela não foi fundada por Jesus.
1. O aparecimento da Igreja depende de um processo de separação de Israel. 2. Ela tem o seu centro e lugar específico na celebração eucarística.
3.
Por isso, no senso estrito do termo, somente depois da Páscoa e Pentecostes tem
lugar a Igreja na sua institucionalização concreta.
II. Se, pelo contrário, usarmos o termo “Igreja” em senso amplo e aberto (a comunidade dos que creem, esperam e amam, inaugurada pelo Pai no Espírito Santo mediante Cristo) é indubitável dar uma resposta positiva.
1. O desenvolvimento pós-pascal somente é possível com a história de Jesus pré-pascal.
2. O movimento de reunião escatológica inaugurado por Jesus em Israel e os sinais do advento do Reino de Deus por ele realizados e constitutivos de uma comunidade formam a base teológica objetiva e histórica da institucionalização pós-pascal da Igreja.
III. Também o termo “fundação” pode ser entendido segundo modelos diversos que descrevem a relação entre Jesus e a Igreja. São três as abordagens globais dessa relação: fundadora, originária e fundante.
1. Relação fundadora. A instituição da Igreja está profundamente ligada à questão relativa à pessoa e à consciência pessoal de Jesus. Nesse sentido, a teologia fala de uma “eclesiologia implícita e processual”, uma vez que dessa maneira se exprime que há uma continuidade fiel (não de traição nem de mera substituição) entre o Reino de Deus iniciado por Jesus e a Igreja. Somente assim se pode falar de uma “fundação” da Igreja por Jesus (cf. LG 5).
2. Relação originária. Jesus é origem da Igreja. A Igreja na sua formação histórica é composta por um elemento divino e outro humano em analogia ao mistério do Verbo encarnado; ela é santa e, ao mesmo tempo, sempre necessitada de purificação (LG 8). Nesse sentido, deve-se sublinhar que a Igreja é “mistério” e “sujeito histórico” com a consequente “plenitude e relatividade” de sua existência histórica. Por isso ela pode ser analisada pelas ciências históricas e sociológicas como “povo de Deus que caminha para o Reino”, mas consciente de que é, ao mesmo tempo, “o Reino de Deus já presente no mistério”.
3. Relação fundante. Jesus é o fundamento da Igreja. Os mistérios salvíficos de Cristo são fundamento da Igreja. Os mistérios de Cristo foram preparados já desde as origens (Ecclesia ab Abel, LG 2) e estão articulados na sua encarnação, no seu mistério pascal e no envio do Espírito Santo.
2.
O MISTÉRIO DA IGREJA
O que é a “Igreja”? Para o cristão, essa questão se torna ainda mais decisiva quando experimenta a distância existente entre a Igreja enquanto objeto de fé e a Igreja histórica. Ele recita o Símbolo da fé, no qual confessa a Igreja una, santa, católica e apostólica. Ao mesmo tempo, constata com grande intensidade que a Igreja concreta e histórica não corresponde à Igreja crida. A questão da “essência” da Igreja não tem resposta fácil, pois tal essência existe de fato somente e sempre nas suas manifestações históricas. Nesse sentido, Concílio Vaticano II descreveu a Igreja como um mistério que não pode ser adequadamente expresso por um único conceito. Por isso é preciso ilustrar o mistério da Igreja mediante numerosas imagens e conceitos que se corrigem e se completam reciprocamente (LG 1-8). A sociedade provida de órgãos hierárquicos e o corpo místico de Cristo, a assembleia visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida de bens celestes, não devem ser consideradas duas coisas, mas formam uma só realidade complexa em que se funde o elemento divino e humano. É por isso, mediante uma não medíocre analogia, comparada ao mistério do Verbo encarnado. Pois como a natureza assumida indissoluvelmente unida a Ele serve ao Verbo Divino como órgão vivo de salvação, semelhantemente o organismo social da Igreja serve ao Espírito de Cristo que o vivifica para o aumento do corpo (LG 8,1). De fato, a Igreja é uma realidade extremamente complexa: ela é mistério da fé e uma realidade empírica, divina e humana, assembleia visível e comunidade espiritual. Como realidade histórica, ela pode ser empírica e historicamente estudada. Mas para o crente isso não é suficiente para captar a sua essência, a sua dimensão profunda, que tem suas raízes na ação de Deus na história. A ação salvífica livre e gratuita de Deus não é um constitutivo periférico da Igreja. Tal ação divina, porém, só pode ser captada e experimentada pela fé. Por outro lado, é a própria fé que obriga a fixar o olhar na história. Assim os dois aspectos dessa complexa realidade devem ser distintos; não podem ser confundidos nem mesmo separados. Outra característica dialética fundamental da Igreja é que, de um lado, ela existe somente como fruto da ação divina (dimensão objetiva e passiva: Igreja reunida por Deus) e, de outro, ela é também sujeito de ações humanas realizadas em vista da salvação (dimensão subjetiva e ativa: Igreja que congrega). As dimensões objetiva e subjetiva são distintas entre si e, ao mesmo tempo, unidas. A Igreja é também realidade complexa porque, de uma parte, é o resultado de múltiplas ações individuais. Por isso ela é tanto a ação concreta de se reunir e de interagir dos fiéis quanto o resultado dessa ação social individual. Nesse sentido, a Igreja é uma instituição social constituída pela reunião dos cristãos. Por outro lado, a Igreja é também organismo institucional que antecede a ação cristã individual. Desse organismo fazem parte a liturgia, o direito canônico, o edifício da igreja, o ordenamento eclesiástico, o ministério eclesiástico. Sem essa instituição eclesial não existiria também o indivíduo cristão. A instituição é, portanto, espaço vital normativo e pré-existente. Por fim a Igreja é desde sempre o lugar histórico e concreto da salvação. Ela já é a unidade em meio à dispersão do pecado, é a reconciliação em meio à separação. Por outro lado, ela deve também cumprir uma missão, uma função, um serviço no e para o mundo. A Igreja é uma realidade complexa: é mistério da fé e uma realidade empírica, é objeto e sujeito, assembleia reunida e instituição, pátria e missão. Os dois aspectos correspondentes entre si não devem ser confundidos nem separados. Tanto a distinção quanto a unidade das correspondências são essenciais.
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