A
PANDEMIA, A CRISE E A ESPERANÇA QUE NÃO DECEPCIONA
Francisco Borba Ribeiro Neto
Nesses
tempos difíceis em que vivemos, torna-se particularmente importante entender, numa
perspectiva cristã, o que são essa fé e essa esperança que não decepciona.
A esperança é um dos
grandes temas do novo livro do Papa Francisco, A vida após a pandemia
(Roma: Librerie Editrice Vaticana, 2020). Seu ensinamento é preciso: nesses tempos
de pandemia e crise econômica, nossa esperança vem da fé em Cristo. Nela encontra-se
a “esperança que não decepciona” (cf. Ro 5, 5).
O Deus Todo Poderoso,
capaz de criar os grandes buracos negros do espaço e controlar o movimento das galáxias
e dos planetas, cuida especificamente de cada um de nós, das coisas que nos inquietam,
do nosso presente e do nosso futuro – por isso temos esperança.
Mas, se é assim, como
dizer que essa confiança em Deus não decepciona, se vemos tantas pessoas que sofrem,
multidões mortas em guerras e catástrofes naturais? Por conta de todas essas tragédias,
para aqueles que não crêem, a fé é uma ilusão, que só gera uma falsa esperança,
que só se mantém pelo auto-engano e pela mentira. De fato, pode até acontecer que
nós católicos, em algumas situações, interpretemos a esperança que vem da fé como
uma espécie de força mágica do pensamento positivo – e acabemos frustrados. Mas
essa não é a verdadeira esperança cristã.
Por isso, nesses tempos
difíceis em que vivemos, torna-se particularmente importante entender, numa perspectiva
cristã, o que são essa fé e essa esperança que não decepciona.
Entender o que são a fé e a esperança
Bento XVI, em sua
encíclica Spe salvi (SS 7), justamente sobre a esperança, nos ajuda
a compreender como uma compreensão errônea da fé nos leva a não entender também
a esperança cristã. Ele explica que, por muito tempo, uma passagem clássica da Carta
aos Hebreus (Hb 11, 1) foi traduzida e entendida de forma equivocada. Costuma ser
lida como “A fé é permanecer firmes naquilo que se espera, estar convencidos daquilo
que não se vê”.
Uma tradução melhor,
contudo, seria “A fé é a posse antecipada das coisas que se esperam; um meio de
se demonstrar as coisas que não se veem” (Bíblia de Jerusalém). A fé não se resume
a “acreditar nas coisas que não se veem”, mas trata-se de reconhecer uma realidade
que já está presente entre nós, ainda que de forma precária, embrionária, uma Presença
que nos acompanha e que já age em nossa vida.
Aquilo que já aconteceu,
a experiência do encontro com Cristo que já vivemos, nos leva a confiar no futuro.
Por isso, a fé e a esperança nascem da memória e do testemunho das maravilhas que
Deus fez por seu povo e por cada um de nós. Memória não é uma simples lembrança,
mas a consciência de um fato que se faz presente, mesmo que tenha relação com o
passado. Exemplo: um pai pode se lembrar sempre de seus filhos pequenos, como são
bonitinhos e alegres; mas “faz memória” deles quando, diante de uma dificuldade
no trabalho, resolve se esforçar e continuar batalhando pelo bem deles.
Essa memória, que
se torna consciência da companhia de um Outro, que dá força e que já se mostrou
atuante em outros momentos de nossa vida, é a raiz da fé e da esperança cristãs.
Essa esperança, por
sua vez, não é a ilusão de que nossos sonhos irão se realizar. Isso poderá acontecer
ou não. A esperança cristã é a da realização do ideal último da nossa vida. Não
quer dizer que vamos poder comprar “aquela casa”, ganhar dinheiro ou não termos
doenças, mas sim que o ideal último de nossa vida – a felicidade a que almejamos
– se realizará, quer tenhamos casa, dinheiro e saúde, quer não tenhamos nada disso
– pois Deus nos acompanha mesmo nas tribulações. Não se trata da promessa de coisas
e situações particulares, mas a promessa do “cêntuplo aqui e da eternidade” (cf.
Mc 10, 30).
Uma promessa imensa
Cada um de nós, cada
uma das milhares de pessoas que – ao redor do mundo – estão morrendo ou sofrendo
pela morte de um ente querido com Covid-19, pelo desemprego ou a crise financeira,
está no coração de Deus e poderá realizar plenamente sua humanidade, desde que se
entregue sinceramente à Sua graça.
Esta é, sem dúvida,
a promessa mais pretensiosa que já foi feita ao ser humano, pois diz respeito a
toda a humanidade, em todos os tempos. É feita a cada um de nós, em todos os momentos
de nossa vida, inclusive nesse de pandemia.
Não quer dizer deixarmos
de lutar e nos esforçar, mas fazê-lo na perspectiva da companhia de Cristo. Que
nós e aqueles que amamos tenhamos a liberdade de nos entregar a esse grande amor
de Deus e assim vivermos com esperança as dificuldades atuais.
Nota
Quem quiser aprofundar
essa reflexão, pode ler o livro de Luigi GIUSSANI, É possível viver assim? Uma
abordagem diferente da existência cristã (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998).
https://pt.aleteia.org/2020/06/07/a-pandemia-a-crise-e-a-esperanca-que-nao-decepciona/
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