UM
JEITO DESCONCERTANTE
Jesus está de volta para casa, não em Nazaré onde mora a sua família, mas em Cafarnaum. Quando as pessoas ficaram sabendo, se aglomeraram em torno dele, que não tinha tempo para comer. Seus parentes, sabendo disso, começaram a dizer que ele estava louco, pois não compreendiam a radicalidade de sua proposta e seus enfrenta- mentos. De Jerusalém vieram os escribas com o firme propósito de semear calúnias afirmando que Jesus estava possesso e que expulsava demônios com ajuda do príncipe dos demônios. Vieram com a intenção de defender a tradição contra as novidades trazidas por Jesus, pois estavam com medo de perder a liderança. Seus familiares entram em cena novamente, e ficando do lado de fora, mandam chamá-lo. Querem conversar com ele, pois seu jeito itinerante de viver parecia uma loucura. Respondendo a essa tentativa de intervenção familiar Jesus sinaliza para um jeito novo e abrangente de ser família: “Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Esta nova família não se limita somente aos laços de sangue, mas se estende aos que acolhem a Palavra de Jesus e a praticam. Os parentes que vieram “segurá-lo”, querendo que voltasse para a Casa em Nazaré, ficaram de fora; já quem está dentro é a multidão necessitada que não o vê como louco e endemoniado, mas como anunciador da alegre notícia que restaura vidas. Jesus não nega os vínculos familiares naturais, ao contrário, aprofunda e amplia. Maria é, ao mesmo tempo, mãe e discípula. Ela e os demais parentes também têm de aprender a fazer a vontade do Pai. O que não pode acontecer, é ficar de longe torcendo ou criticando. É preciso entrar na casa, na grande família de Jesus. Jesus não tolera a acusação de que está endemoniado e reage com firmeza mostrando que seus acusadores estão caindo num pecado gravíssimo, pecado contra o Espírito Santo, pois negam que o amor de Deus está presente e atua Nele. Isto nos ensina que podemos cair no erro de, motivados por uma in- veja enorme diante da bondade e boas obras de uma pessoa, acusá-la falsamente com a intenção de manchar a sua boa fama. É certo que a postura de Jesus foi realmente desconcertante: desconcertou a sua família que o considerou louco, desconcertou àqueles que o acusavam de endemoniado. “Desconcertou porque assumiu uma postura diferente frente ao contexto social, religioso e político no qual viveu. Jesus não se encaixou em nenhum dos grupos existentes e atuou com muita liberdade frente as leis, tradições de seu povo, ao templo, aos poderes... Por isso foi incompreendido e rejeitado” (Padre Adroaldo). Não muito diferente do tempo de Jesus e de suas iniciativas, nós cristãos de hoje precisamos ter atitudes desconcertantes diante de governos que descuidam do povo para cuidar dos seus que estão com o poder nas mãos, que governam para os ricos que se enriquecem ainda mais em prejuízo de grande parte da população que se encontra abandonada, faminta, doente, desempregada... É preciso ter atitudes desconcertantes diante daqueles que fazem da religião um meio para ganhar dinheiro e poder, que se preocupam tão somente com doutrina e ritos dando as costas para o ensinamento de Jesus que enfatiza que o mais importante é o serviço generoso: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. É preciso ser mais ousado, ter atitudes desconcertantes como as de Jesus, visto que uma fé engajada não desgasta a pessoa, mas rejuvenesce constantemente, pois “Mesmo que o homem exterior vá se desfazendo, nosso interior vai se renovando dia a dia” (2Cor 4,16).
Dom José Benedito Cardoso Bispo Auxiliar de São Paulo
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