Por Enrique Eguiarte
Santo Agostinho (354-430) viveu em tempos complicados tanto no âmbito político como religioso. Não faltavam dificuldades na vida eclesial e civil: divisões por conta de cismas, seitas e heresias, falta de formação religiosa, instabilidade política, desigualdades, violência…
Como bispo de Hipona, uma cidade marítima, lugar de passagem e de confluência de diversos tipos de pessoas, Agostinho testemunhou de forma direta estas divisões e enfrentamentos. Contudo, em uma situação tão complexa, soube ser profeta do Reino de Deus.
PROFETA
DO REINO: BUSCADOR DA UNIDADE DA IGREJA
Quando santo
Agostinho foi ordenado
presbítero para a Diocese
de Hipona no ano 391, a situação da Igreja Católica do norte da África
era catastrófica e de
notável decadência. O santo nos relata nas suas Confissões (3,5) que dentro das igrejas, sobretudo nas
grandes celebrações, a tumultuada aglomeração se dedicava a todo tipo de imoralidades.
Porém, essa
catástrofe acontecia principalmente na Igreja que estava dividida desde quase um
século por conta do cisma
donatista, um tipo de cisma com características nacionalistas e
predominante na África. Os donatistas eram tão influentes que chegaram a proibir
a venda de pães aos que não era donatistas para que desta forma pudessem pressioná-los
e obrigá-los a se passar para o cisma.
Agostinho, profeta do Reino, se converteu no grande
reformador da vida e costumes da Igreja, bem como em artífice da união. Os instrumentos
não foram a violência ou a força, mas, antes de tudo, o diálogo, o testemunho luminoso de sua vida
e a sábia utilização de todos os meios que estavam ao seu alcance, incluindo a diplomacia
e o diálogo com a autoridade civil.
Já se chegou
ao ponto de acusar santo Agostinho de repressor dos donatistas e de ser o precursor
da Inquisição. Porém ele sempre usou o diálogo
e o encontro para buscar
a unidade da Igreja.
Em um determinado momento foram as leis do imperador as que proibiram e castigaram
o donatismo por usar de modo exacerbado a violência, mas mesmo assim Agostinho pediu
que se evitasse a pena de morte e castigos desproporcionais contra os acusados.
Finalmente,
santo Agostinho conseguiu que se convocasse um encontro ou uma “conferência” entre católicos e donatistas
em junho de 411. Depois de três dias de debate e discussão, a paz e a união voltaram
à Igreja do norte da África.
PROFETA DO REINO: RENOVADOR DA IGREJA
Santo Agostinho
fez um grandioso trabalho de renovação
eclesial. Com esta finalidade foram de grande utilidade as reuniões anuais ou concílios
do episcopado africano e o inestimável apoio de outros dois grandes profetas do Reino: o bispo Aurélio de Cartago e, santo Alípio, bispo de Tagaste e amigo da alma de Agostinho.
Depois da
reforma litúrgica
veio a reforma moral e
intelectual do clero,
com a criação de um novo tipo de clérigos nunca vistos antes no norte da África,
os clérigos monges.
Mesmo que hoje seja comum que membros de Ordens religiosas sejam sacerdotes, naquele
tempo de santo Agostinho eram elementos quase antagônicos. Somente Eusébio de Vercelli
(†371) em sua própria Diocese havia instaurado este tipo de ministros monges e sacerdotes. Santo Agostinho estendeu sua reforma
eclesial para além da sua
Diocese e englobou um bom número de dioceses do norte da África, já que muitos destes
monges clérigos chegaram a ser seus bispos.
PROFETA DO REINO: PROMOTOR DA JUSTIÇA SOCIAL
Nas dioceses
do século IV e V o responsável do trabalho caritativo era o próprio bispo. Diante
da pobreza e grande desigualdade que existia na próspera e rica província africana,
santo Agostinho teve a
iniciativa de formar as consciências dos cristãos sobre o destino social dos bens
juntamente com a constante exortação à solidariedade.
Porém além
da instrução e predicação, santo Agostinho acrescentou
as obras e os exemplos. A cada aniversário de sua consagração episcopal celebrava
este momento comendo com os pobres;
ficava responsável pelos órfãos
e chegou a encarregar a um grupo de monjas que recolhessem as crianças abandonadas (Carta 98,6) e
a Diocese de Hipona
os acolhia, batizava, alimentava e educava.
Duas instituições
hoje comuns em muitas dioceses foram uma inovação profética agostiniana, pois não
há notícias de outras que surgissem em seu tempo. A Matrícula Pauperum (ver Carta 20)
era uma lista das famílias necessitadas que eram atendidas, uma verdadeira premonição
da atual Cáritas.
Por outro
lado, estava o xenodochium ou casa
de acolhida de enfermos, peregrinos e pobres (Sermão 356, 10). Mesmo que são Basílio em Cesareia tenha tido uma ideia parecida
no final do século IV, no Ocidente latino não há nada parecido, se trata de algo
novo e profético.
São
Possídio narra na Vita Augustini que santo Agostinho
havia mandado fundir e vender alguns jarros sagrados para que com esse dinheiro
pudesse resgatar escravos (Vita
Augustini 24, 15), um gesto inusitado diante de um dos desastres mais
graves daquele tempo: os vadies ou traficantes que arruinavam as aldeias para capturar
prisioneiros e vendê-los depois (Carta
10*).
PROFETA DO REINO: DEFENSOR DA FÉ
Há mais ações
proféticas de Agostinho, homem verdadeiramente cheio do Espírito de Deus, pois “o
amor era seu peso” (Confissões
13, 10). Outra que podemos citar é sua luta contra o pelagianismo. O Papa Inocêncio no ano de 417 declarou
como sendo herética a doutrina pelagiana, porém coincidiu com sua morte, e quem
lhe sucedeu, o papa Zósimo, que
vinha do Oriente grego e estava pouco familiarizado com as polêmicas em torno o
tema da graça, buscou orientação com Celestino
e decidiu absolver os pelagianos.
Santo Agostinho
surge então com sua voz profética para evitar que a heresia se difundisse pela Igreja.
Como cabeça do episcopado do norte da África, apelou ao imperador, quem, convencido
do perigo que o pelagianismo representava para a unidade do império, promulgou um
edito de condenação aos pelagianos. O papa
Zósimo decidiu mudar sua opinião e condená-los também.
Em poucos momentos da História um Papa se retratou de suas decisões por causa de uma pessoa, neste caso santo Agostinho, que livrou a Igreja de um grave desvio doutrinal, enfrentando com decisão e valentia profética todos os desafios e convidando a seguir seu exemplo na Igreja dos nossos dias.
https://santaritamanaus.com.br/2020/08/santo-agostinho-um-profeta-do-reino-de-deus/
Nenhum comentário:
Postar um comentário