Da Pastoral bíblica à animação bíblica da pastoral. 50 anos do mês da Bíblia no Brasil (II)
Por Maria Aparecida Barboza, icm
3. Passos e conquistas da Igreja no Brasil rumo à
animação bíblica da vida e da pastoral
3.1. Difusão do texto bíblico
Com o terreno preparado desde 1947, mediante os primeiros passos
dados pelo Movimento Bíblico, começou a delinear-se vasta difusão da Bíblia
entre os fiéis.
Segundo Richtmann (1966, p. 86), uma das primeiras tarefas dos
membros da Liga de Estudos Bíblicos (LEB) foi a dedicação às traduções da
Bíblia. Outra iniciativa da LEB foi a Revista
de Cultura Bíblica (RCB).
Para os pioneiros dos anos 1950, havia a necessidade de um texto
bíblico acessível ao povo. O grande interesse do povo pela Bíblia provocou uma
oferta igualmente grande de textos traduzidos diretamente do hebraico e do
grego. Daí a importância de percebermos que, a partir da divulgação crescente
da Bíblia da Ave Maria (1959), foram surgindo muitas outras traduções, como
a Bíblia Sagrada – Edição
Pastoral, da Editora Paulus. Vale destacar o trabalho árduo do
biblista frei João José Pedreira de Castro, ofm. Hoje encontramos Bíblias para
estudos acadêmicos exegéticos, outras de cunho mais pastoral, para o uso
litúrgico-catequético etc.
3.2. Semanas Bíblicas Nacionais
As Semanas Bíblicas Nacionais foram organizadas pelos exegetas
brasileiros como resposta ao desafio lançado por Pio XII com sua magistral
encíclica Divino Afflante Spiritu, promulgada
no dia da festa de São Jerônimo, em 1943. Em 1947, no Mosteiro de São Bento, em
São Paulo, realizava-se a 1ª Semana Bíblica Nacional (SALVADOR, 1975, p.
50-51). Ao encerrar-se o evento, foi redigida uma circular, intitulada
“Resoluções da 1ª Semana Bíblica Nacional”, que continha as seguintes
conclusões: instituição do Domingo da Bíblia; incentivo à publicação da
literatura bíblica nacional; fundação da LEB; tradução literal da Bíblia
para a língua portuguesa.
Entre as resoluções da 1ª Semana Bíblica Nacional estava a
realização, em datas aproximadamente fixas (a cada dois ou três anos), de
Semanas Bíblicas. Deste modo, sucederam-se, a partir de 1947, 20 Semanas
Bíblicas Nacionais, promovidas pela LEB com apoio dos bispos e de outras
entidades. Além das Semanas Bíblicas Nacionais, foram realizadas, na Igreja no
Brasil, as Semanas Bíblicas Populares. A 1ª Semana Bíblica de caráter popular
ocorreu na diocese de Natal (RN) em 1947, promovida pelo cardeal dom Eugênio
Sales e organizada pelos membros da LEB, sobretudo pelo Pe. José Ferreira Neto,
sdb, por intermédio do Departamento Diocesano de Defesa da Fé e da Moral
(SALVADOR, 1975, p. 50-51).
3.3. Círculos bíblicos: um jeito dinâmico
de evangelizar
Com o Concílio Vaticano II, a Bíblia foi ocupando cada vez maior
espaço na família, nos grupos de reflexão e nas pequenas comunidades. Movida
pelo desejo de crescimento na fé bíblica, a Igreja no Brasil desenvolveu toda
uma prática de leitura e reflexão em torno da Bíblia que muito contribui para o
sustento da fé e da caminhada das pessoas. Círculos bíblicos, grupos de
reflexão, grupos de rua são alguns sinais dessa presença viva da Bíblia no meio
do povo, formas criativas de tornar mais próxima a Palavra da Escritura.
Juntamente com os círculos bíblicos, as comunidades eclesiais de
base (CEBs) têm desempenhado um papel muito importante de animação bíblica.
Onde o povo se reúne em torno da Palavra, nascem lideranças fortes; a
comunidade resolve seus problemas em conjunto e com maior facilidade;
possibilita-se a experiência participativa da Igreja; surge a diversidade de
serviços e ministérios, com os leigos assumindo seu protagonismo na missão
evangelizadora.
3.4. Domingo da Bíblia ou Mês da Bíblia
Com a organização da LEB, desenvolveu-se um trabalho em torno de
mobilização bíblica, dando origem ao Mês da Bíblia. Em 1971, 50 anos atrás, a
Arquidiocese de Belo Horizonte celebrava seu cinquentenário. As Irmãs Paulinas,
na pessoa da Ir. Eugênia Pandolfo, e lideranças que já trabalhavam com a
animação bíblica apresentaram por escrito a dom João de Rezende Costa e ao
conselho presbiteral a proposta de realizar um vasto e profundo movimento
bíblico durante o mês de setembro, que atingisse todos os segmentos da
arquidiocese. A proposta foi aceita e, em junho do mesmo ano, o conselho
presbiteral nomeou uma equipe para coordenar e impulsionar essa mobilização
bíblica. A equipe definiu, assim, os objetivos do Mês da Bíblia, a saber: infundir no povo a convicção de que a
Bíblia, Palavra de Deus, é por excelência o livro que deve ser inserido na vida
de cada um; fazer que as famílias sintam a necessidade de ter em casa a Bíblia
e transformá-la em livro de cabeceira; por ocasião do “Mês da Bíblia”,
constituir na arquidiocese de Belo Horizonte um centro bíblico.
A equipe contou com a valiosa colaboração do biblista frei
Carlos Mesters, que ajudou a elaborar os folhetos para a divulgação e estudo da
Bíblia, com o desejo de despertar o gosto pela Palavra de Deus e iniciar uma
leitura bíblica permanente. Em 1975 a proposta se estendeu para todo o Regional
Leste II e, em 1976, com o slogan “Bíblia,
Deus caminhando com a gente”, o Centro Bíblico de Belo Horizonte, em parceria
com as Editoras Paulus e Paulinas, lançou o folheto de círculos bíblicos Bíblia-Gente, destinado
a todo o Brasil. Assim, o Mês da Bíblia se tornou um marco nacional. Até hoje,
a Editora Paulus continua a publicar e distribuir o folheto Bíblia-Gente com os roteiros
bíblicos do Mês da Bíblia.
3.5. Bíblia e Campanhas da Fraternidade
Um fato marcante de experiência bíblica na Igreja no Brasil é a
Campanha da Fraternidade, nascida em 1964 e realizada anualmente, no período da
Quaresma, como forma de apelo à conversão, em vista da preparação para a
Páscoa. Trata-se de iniciativa da Igreja no campo social para chamar a atenção
de toda a sociedade para situações e problemas que atingem a maioria da
população ou minorias excluídas e ajudar na busca conjunta de soluções. A
reflexão sobre esses temas é feita à luz da Bíblia, com um tema bíblico
inspirador que auxilia os cristãos no processo de conversão e compromisso
social, celebrando a vida sempre à luz das Sagradas Escrituras.
3.6. Mudança de “dimensão catequética” para
“dimensão bíblico-catequética”
Outro momento importante da pastoral bíblica na Igreja no Brasil
foi a mudança de nomenclatura da Linha 3 de ação pastoral, que, na 29ª
Assembleia Geral de 1991, passou de dimensão
catequética para dimensão
bíblico-catequética, com o desejo de acentuar melhor a
centralidade da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.
A dimensão bíblico-catequética expressa o chamado feito a toda a
Igreja para se fazer permanente ouvinte da Palavra, assimilando-a sempre mais
profundamente ao confrontá-la com a vida dentro do mundo e da história.
A partir das Diretrizes de
1991 a 1994, a Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética
tem se empenhado em desenvolver, a cada quadriênio, atividades que contemplem a
unidade da Bíblia com a catequese.
A Comissão Episcopal Pastoral para a Animação
Bíblico-Catequética sentiu a necessidade de um grupo de reflexão bíblica que
pudesse ajudar no serviço de animação bíblica junto às dioceses. Nasceu assim o
Grebin (Grupo de Reflexão Bíblica Nacional), formado por representantes das
instituições que se dedicam ao serviço da animação bíblica. É um espaço de
articulação das instituições bíblicas, de intercâmbio de experiências e
parceria em torno de ações comuns no campo da formação bíblica. Hoje, chama-se
Grebicat (Grupo de Reflexão Bíblico-Catequética).
3.7. Articulação entre a Comissão Episcopal
Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética e as instituições da pastoral
bíblica
Há um diálogo produtivo e uma caminhada conjunta entre a
Comissão para a Animação Bíblico-Catequética e as instituições bíblicas,
sobretudo no estudo e escolha de temas para o Mês da Bíblia. Há grande empenho
em ações comuns no que se refere à formação e à produção de subsídios de
animação bíblica da pastoral. As instituições que se dedicam ao serviço da
Palavra e formam o Grebin tem seu foco no avanço da questão bíblica na Igreja
no Brasil. São elas: Serviço de Animação Bíblica (SAB), Movimento da Boa-Nova
(Mobon), Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), Movimento Bíblico Nova Jerusalém,
Centro Bíblico Verbo (CBV), Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB),
Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib), Centro Bíblico PAULUS.
3.8. Bíblia no diálogo ecumênico, um fruto do
Vaticano II
Nestes 40 anos, o povo católico cresceu bastante na intimidade
com a Bíblia. Mas uma conquista do Concílio é o diálogo ecumênico. Nossos
documentos oficiais pedem insistentemente que se deixe de lado o clima de
enfrentamento, de rivalidade, e se busquem caminhos de unidade. A Bíblia é
muito importante nessa busca, pois pode contribuir para o encontro de todos os
cristãos. Vale a pena ressaltar os empreendimentos ecumênicos lançados aqui em
nosso país: as revistas especializadas para agentes de pastoral, entre as
quais Estudos Bíblicos e Ribla (Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana), bem como a coleção dos comentários aos livros
bíblicos, todos numa perspectiva ecumênica, lançados pelas editoras Vozes
(católica) e Sinodal (luterana). A Igreja no Brasil vem incentivando a produção
de textos que aproximem os cristãos das diversas denominações e aprofundem as
relações fraternas. Destaques, nesse sentido, são as Campanhas da Fraternidade
em nível ecumênico e a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. A intenção é
abrir, cada vez mais, caminhos para uma conversa construtiva em prol da unidade
na fé, na esperança e na caridade, tornando visível o testemunho do quanto
estamos unidos no amor de Jesus. Uma boa leitura bíblica, atualizada, tem papel
importante no diálogo sereno e construtivo, o que será enorme benefício para
todas as Igrejas envolvidas.
3.9. Lectio Divina ou leitura orante da Bíblia
Cada vez é mais notável a leitura orante da Bíblia e da vida nos
pequenos grupos, “igrejas domésticas” (LG 30; CIC 1655). Ela contribui também
para maior liberdade de expressão, diálogo e comunhão com as culturas e
religiões. A Palavra de Deus não é mero material de estudo: é chamado a um
diálogo reverente. Nosso povo, com muita sabedoria, valoriza a oração. Com a
Bíblia, bem usada, cresce na espiritualidade, em todos os sentidos. A oração
centrada na Bíblia é a grande valorização do nosso texto sagrado. Há muito se
vem difundindo, com regras simplificadas, a prática do antigo método da leitura
orante, que já era utilizado por muitas congregações religiosas e tem um lugar
especial na Tradição da Igreja. A divulgação desse método tem trazido
profundidade e alegria para a oração do povo, em todas as classes sociais.
Intensificar essa prática trará grandes benefícios em nível pessoal e
comunitário. O método da leitura orante é ajuda valiosa para o aprendizado da
vida de oração por meio da Bíblia. Tanto a 5ª Conferência do Conselho Episcopal
Latino-Americano (Celam) como a Verbum
Domini acentuam a importância da leitura orante da Bíblia.
Considerações finais
Desde a Dei
Verbum até a Verbum
Domini, é possível perceber, na Igreja no Brasil, o esforço
criativo para acentuar a Palavra de Deus em sua vida e missão evangelizadora.
Com o espírito inovador das Conferências de Medellín (1968),
Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007), o povo, cada vez mais,
busca ler a Bíblia e encontrar nela uma palavra orientadora e consoladora para
a vida.
A animação bíblica da vida e da pastoral envolve toda a
atividade da Igreja, no esforço de anunciar com eficácia o Reino de Deus: “é
preciso, pois, que, do mesmo modo que a religião cristã, também a pregação
eclesiástica seja alimentada e dirigida pela Sagrada Escritura” (DV 21).
Contudo, faz-se necessário priorizar uma animação bíblica da
vida e da pastoral capaz de formar discípulos de Jesus Cristo, servidores da
Palavra. Trata-se de grande tarefa que o novo tempo nos impõe.
A Bíblia, sendo assumida pelas comunidades eclesiais
missionárias como a fonte e a alma de toda pastoral, será
uma das mediações privilegiadas na promoção da pastoral de conjunto, tão
essencial para que a comunidade eclesial seja expressão de uma Igreja
querigmática, mistagógica e missionária.
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Maria Aparecida Barboza, icm
Conselheira geral da Animação Missionária na
Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, mestra em Bíblia,
especialista em Pedagogia Catequética, membro do Grupo de Reflexão
Bíblico-Catequética (Grebicat) da CNBB. E-mail: barboza.icm@gmail.com
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