“Jesus: Cura
e Salvação!”
Comecemos nossa meditação
da Palavra de Deus com a primeira leitura. Muitas vezes, na sua história, o
povo de Deus experimentou a escravidão, o exílio e a opressão. Muitas vezes
Israel experimentou-se como um nada e viu-se numa escuridão tremenda. Parecia
que o povo iria acabar-se! Assim, por exemplo, em 722 aC, quando os assírios
varreram do mapa o reino do Norte, o Reino de Israel e, em 597 e 587 aC, quando
os israelitas do Reino de Judá foram levados para o exílio em Babilônia. É
quase um escândalo, mas é verdade: a história do povo de Deus é uma história de
dor e de angústia! Pois bem, é no meio de tal angústia e escuridão que o
Profeta fala hoje e diz palavras de esperança, de ânimo e de alegria: “Exultai
de alegria, aclamai a primeira entre as nações!
Eis que os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra”. No meio da desgraça, Deus consola o seu povo: irá salvá-lo, reuni-lo, fazê-lo reviver. Mas, quem é esse povo? No que se tornou? Quem somos nós, povo de Deus? “Entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes. Eles chegarão entre lágrimas e eu os receberei entre preces, eu os conduzirei por torrentes d’água por um caminho reto onde não tropeçarão… tornei-me um pai para Israel e Efraim é o meu primogênito”. O Israel que vai experimentar a salvação de Deus é um povo pobre, capenga, humilde… um povo que não conta nada aos olhos do mundo! Como não recordar as palavras de São Paulo aos coríntios? “Vede quem sois, irmãos, vós que recebestes o chamado de Deus; não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de família prestigiosa. Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e, o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é” (1Cor 1,26-28).
Quando pensamos na nossa
civilização atual, nos nossos valores, exaltando a eficiência, a riqueza, o
conforto, o bem-estar, o vigor e forma física, a saúde… Como os critérios de
Deus são diferentes! Israel é imagem da Igreja e é imagem de cada um de nós,
membro do povo de Deus da nova Aliança. À medida que descobrirmos nossas
pobrezas pessoais e eclesiais, podemos também ter certeza que o Senhor não nos
abandona: ele nos chama, ele nos reúne, ele nos salva: “Entre eles há cegos e
aleijados, mulheres grávidas e parturientes”, gente fraca, gente sem força,
gente incapaz de se defender… Mas, Deus é nossa defesa: defesa da Igreja,
defesa de cada um de nós! Se caminharmos, muitas vezes, chorando, semeando com
lágrimas o caminho de nosso seguimento de Cristo, haveremos de voltar cantando,
na força e na graça do Senhor: “Mudai a nossa sorte, ó Senhor, como torrentes
no deserto. Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria.
Chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando de alegria
voltarão, carregando os seus feixes”. Somente pode experimentar isso aqueles
que sabem e experimentam que são pobres diante de Deus, aqueles que sentem sua
própria fraqueza! Esta é a experiência que o cristão deve fazer sempre na sua
vida, seja pessoalmente, seja como Igreja! Somos pobres, mas Deus é nossa
riqueza; somos fracos, mas Deus é nossa força!
Agora podemos deter-nos no
Evangelho de hoje, que mostra de modo maravilhoso essa experiência cristã de
ser salvo por Deus em Jesus Cristo. Jesus está saindo de Jericó, já está perto
de Jerusalém, onde morrerá. Uma multidão o acompanha: barulho, empurra-empurra,
aglomeração, aperreio… À beira do caminho, havia um cego mendigo… Ele era
ninguém, nem nome tinha… Marcos só diz que era o “bar-Timeu”, o filho de Timeu…
Cego, incapaz de caminhar sozinho, esmolando, sentado à margem do caminho de
Jericó e da vida. Este cego é a humanidade; este cego é cada um de nós! Mas,
ele ouve o rumor, a confusão no caminho e quando ouviu dizer que Jesus estava
passando, não perde tempo; é a chance de sua vida! Ele grita alto: “Jesus,
filho de Davi, tem piedade de mim!” Repreendem o cego, mas ele grita com voz
mais forte! Ele sabe que é a chance da sua vida. Santo Agostinho dizia: “Eu
temo o Cristo que passa”… É preciso não perder a chance, é preciso gritar… não
deixar o Cristo passar em vão no caminho da nossa existência!
O grito do cego é já um
grito de fé. Chamando Jesus “filho de Davi”, o Bartimeu está dizendo que crê
que Jesus é o messias: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Repreendem o cego…
como o mundo quer nos repreender, quer nos impedir e ridicularizar quando nos
reconhecemos cegos, pobres e coxos e gritamos por Jesus: “Filho de Davi, tem
piedade de mim!” Mas o cego insiste; grita mais alto ainda! Então, apesar da
distância, apesar da multidão, apesar do empurra-empurra, Jesus escuta o clamor
do cego! Como não recordar, comovidos, as palavras do salmo 129? “Das
profundezas eu clamo a vós, Senhor; escutai a minha súplica!” Ninguém grita
pelo Senhor do fundo da sua miséria e fica sem ser ouvido! “Então, Jesus parou
e disse: ‘Chamai-o’. O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus”. Cego
esperto, esse: não perde tempo, dá um pulo, deixa tudo, desembaraça-se do manto
e corre para Jesus! Ele segue o conselho do Autor da Carta aos Hebreus: “Também
nós, rejeitando todo fardo e o pecado que nos envolve, corramos com
perseverança para a corrida que nos é proposta, com os olhos fixos naquele que
é o Autor e Realizador da fé, Jesus” (12,1s). Quem dera, fizéssemos assim
também: largássemos tudo, deixássemos nossas tralhas e bagulhos, nossos apegos
e quinquilharias e corrêssemos para Jesus!
E Jesus? Que delicadeza!
Não vai logo curando, como esses curadores de televisão, os falsos profetas da
telinha, os RR Soares e Edir Macedos da vida! O Senhor deseja encontrar as
pessoas, ouvi-las, com todo respeito: “O que queres que eu te faça?” O pedido
do cego é comovente; é o nosso pedido: “’Mestre, que eu veja!’ Jesus disse:
‘Vai, a tua fé te curou’”. Este deve ser o nosso pedido, mas, para isso é
necessário ter a humildade de se reconhecer cego, pobre, necessitado! “Senhor,
eu sou o cego do caminho! Cura-me, eu te quero ver!”
O cego foi curado… “e
seguia Jesus pelo caminho”. Curado, iluminado por Jesus, agora seguia Jesus
como discípulo, caminhando com ele para Jerusalém, para com ele morrer e com
ele ressuscitar. Esta é a nossa vocação, este deve ser o nosso itinerário, a
nossa experiência de fé!
“Senhor, tua Igreja,
peregrina no mundo, é um povo de pobres, de frágeis seres humanos. Mas
confiamos em ti! Não queremos colocar nossas forças ou esperança no nosso
prestígio, ou nas riquezas ou nos amigos poderosos o nos elogios do mundo. Não!
Tu somente és nossa força! Salva-nos, Senhor! Reúne-nos, Senhor! Ilumina-nos,
Senhor! Dá-nos a graça de reconhecer que somente na tua luz poderemos ver a
luz! O mundo chama luz, sabedoria e esperteza a coisas que são inaceitáveis aos
teus olhos! Senhor, abre nossos olhos para caminharmos na tua luz até a cruz,
até a ressurreição, até à vida. Senhor, arranca-nos da nossa cegueira. Amém”.
D. Henrique Soares da Costa
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