A angústia perante a morte e a possível solução agostiniana
Por Juliano Aparecido Pinto
Por que o homem morre? Qual a razão de existir e ter de deixar de existir? Qual a razão da ética ou da metafísica se todos, sem exceção, caminham para um mesmo fim, a morte? Essas e outras questões nascem quando o homem se propõe a refletir sobre a finitude da própria existência.
O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre a angústia causada pela morte ou pela possibilidade da mesma. Portanto, será feita, primeiramente, uma breve introdução sobre o tema da morte e sobre alguns problemas gerados por ela. Não se pretenderá responder, mas problematizar a questão da morte, tendo o pensamento de Agostinho como referência para tal reflexão, de modo especial nos livros IV e IX das Confissões.
1. Problemas gerados pela morte
Pensa-se que nenhum homem pediu para existir, pois para tal
já seria necessário que ele existisse. Mas inevitavelmente todo homem está fadado
ao fracasso, à morte. Afirma o próprio Agostinho: “Não existe ninguém que não esteja
mais próximo da morte depois de um ano que antes dele, amanhã mais do que hoje,
hoje mais do que ontem, pouco depois mais do que agora e agora pouco mais do que
antes” (AGOSTINHO, Cidade de Deus. XIII,
10. p.105).
Observa-se que ao tomar consciência da própria morte o homem
poderá se angustiar, desesperar ou se abrir para o transcendente, dependendo da
maneira de como ele interpretará este fenômeno. O desespero ou a angústia poderá
o lançar em uma busca pertinente pelo sentido da própria existência. Qual a razão
da minha existência? Esta poderá ser uma das questões essenciais que o ser finito
poderá se fazer e ao mesmo tempo, por meio da reflexão, tentar encontrar a resposta.
Mesmo encontrando o sentido da própria existência, o homem não
deixará de tender para o fim de sua vida. Neste sentido, nasceria uma outra questão:
para que buscar sentido se isso não aniquilará a condição mortal do homem?
Refletir sobre a morte ou sobre o que vem depois dela, se é
que há alguma coisa, é, e sempre será, fruto de especulações, visto que em uma perspectiva
filosófica não houve ninguém que tenha morrido e voltado para dizer sobre o ocorrido.
Fazer a experiência da morte é algo angustiante também pelo
fato de se estar sozinho. O homem é um ser solitário. Embora ele possa viver em
comunidade, há nele uma individualidade que lhe é própria e ao mesmo tempo incomunicável,
no sentido de ele não poder morrer ou viver no lugar de outro. Portanto, a experiência
de morrer é individual e intransferível.
A morte é algo que acompanha todo ser humano independente se
ele tenha consciência disto ou não, pois todo homem tende para a finitude humana
(AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus. XIII,
10. p.104). Neste sentido, pode-se dizer
que há muitos pensadores que tomaram consciência da própria finitude e se propuseram
a refletir sobre a mesma. Dentre estes pensadores destaca-se Agostinho de Hipona
(354-430), pensador do período Medieval no qual a filosofia patrística e a filosofia
cristã atingiu seu apogeu (BOEHNER; GILSON, História
da Filosofia Cristã, p.139).
Para refletir sobre o tema proposto a partir da perspectiva agostiniana poder-se-á refleti-lo em dois momentos distintos, ou seja, antes da sua conversão e logo após a sua conversão ao cristianismo. No livro Confissões, o qual será tomado para desenvolvimento deste trabalho, Agostinho faz uma releitura da própria história a partir do cristianismo. Como o objetivo aqui é descrever sobre a morte, então o livro quarto e o livro nono serão de suma importância.
2. A compreensão da morte antes da conversão de Agostinho
Pode-se dizer que no livro Confissões Agostinho se “mostra” como um pensador existencialista,
pois reflete não sobre uma teoria, mas a partir da sua vida concreta. No livro quarto,
antes da conversão, agostinho faz a experiência da angústia diante da morte, pois
perde o seu melhor amigo (BRACHTENDORF, Confissões
de Agostinho, p.89). Agostinho vive a angústia do medo de morrer como
ele próprio afirma: “(…) dominava-me um pesadíssimo tédio de viver e um medo de
morrer” (AGOSTINHO, Confissões.
IV, 6, 11. p.60).
Observa-se que a situação de Agostinho é a mesma de todo ser
humano, quando este se encontra diante da morte de si ou do outro. A morte do amigo
causa medo em Agostinho, pois lhe revela o seu próprio limite e a sua finitude,
e lhe recorda também o seu destino. “A morte que mo arrebatava julgava que ela ia
consumir de repente todos os homens, já que isso mesmo o pode fazer a ele” (ib.)
Ao falar da morte, finitude humana, conseqüentemente chega-se
no horizonte do sentido, pelo fato desses dois temas estarem interligados, pois
se se pode morrer no físico, neste caso ter ou não ter sentido não fará diferença,
visto que, a vida não se prolongará por causa dele. Mas pode-se morrer no aspecto
de não ter sentido para própria existência, neste caso, a vida se tornaria um tédio,
um peso a ser carregado.
No início do livro quarto Agostinho descreve sua amizade. Segundo
ele aquela amizade era doce. Ele e o amigo de mesma idade eram como que uma alma
em dois corpos. Mas ao se passar um ano daquela amizade o amigo adoeceu, recuperou
a saúde por um espaço de tempo, mas veio a falecer (BRACHTENDORF, Confissões de Agostinho, p.94).
Agostinho amava o seu amigo e havia colocado nele o sentido
da sua existência, mas quando o amigo veio á falecer experimentou a mais profunda
solidão. Ele experimentou a dor da ausência; ao se perder o sentido da própria vida,
essa se torna pesada e a morte do sentido se faz presente, como ele próprio diz:
“Entenebreu-se-me o coração. Tudo que eu via era morte” (AGOSTINHO, Confissões. IV, 4, 9. p.58).
Agostinho ficou profundamente triste e uma de suas atitudes
foi querer fugir, mas neste caso surgiria uma questão: para onde ele fugiria se
ele mesmo estaria com ele? A angústia que ele sente não é algo externo que seja
fácil de ser negligenciado, mas é sobretudo algo interno. Isso se torna problemático,
pois o homem mesmo diante do peso da existência não consegue fugir.
Talvez a solução para acabar com tal sofrimento seria o suicídio,
mas este também seria algo paradoxal. Um dos filósofos existencialistas, Albert
Camus, percebe a complexidade do suicídio como ele mesmo afirma em uma de suas frases:
“Suicido-me, ou não suicido-me. Se me suicido, todos meus problemas acabarão junto
com meu mundo; se não me suicido escolha a vida com tudo que isso significa” (SOUZA,
Sobre a Construção do Sentido, p.61).
Ao que se vê, o homem que está sendo refletido em Agostinho
é um ser que, paradoxalmente, sente a angústia de viver, porque estando vivo, tem
a possibilidade de morrer. Ao mesmo tempo ele tem medo de morrer, pois isso consiste
no aniquilamento do seu ser e do seu mundo.
O fato é que o homem é um ser limitado, finito. E é isso que
Agostinho percebe. Tanto é verdade que o amigo que ele tanto amava, não estava mais
com ele. Pensa-se que a tristeza que ele sentira se dava porque ele perdeu o sentido
da própria vida, como visto acima. Mas o que fazer para não entrar em crise existencial?
Existiria algo imperecível que não passasse, envelhecesse ou morresse com o tempo?
Ou o homem está fadado a viver em constantes crises de sentido? Pois sempre que
colocasse toda sua confiança em algo, este algo passaria e ele ficaria sem sentido
novamente para existir. Segundo Agostinho, “desgraçada é toda alma presa pelo amor
às coisas mortais. Despedaça-se quando as perde e então sente a miséria que a torna
miserável, ainda antes de as perder” (AGOSTINHO, Confissões. IV, 6, 11. p.59).
Desta feita, é possível perceber que o homem anseia por algo que não passa, e no qual ele possa colocar o sentido da sua existência.
3. A compreensão da morte após a conversão de Agostinho
Como foi visto acima, há duas possibilidades de reflexão sobre
o tema da morte. Agora será possível dar o segundo “passo”. Como Agostinho compreende
a morte após a sua conversão ao cristianismo? O tema da morte a partir da conversão
do filósofo será refletido em uma perspectiva cristã. No primeiro momento, Agostinho
volta para si, mas no segundo momento ele se abre para o transcendente.
Ainda no livro IV das Confissões, Agostinho, logo após a sua
conversão, percebe que não amou o amigo de forma correta. Por isso, sofreu tanto,
quando o perdeu, ele amou o amigo como se esse fosse imperecível. Agostinho não
o amou em Deus, mas o amou como se ele fosse Deus. O amor dirigido ao amigo não
era um amor gratuito, sem esperar nada em troca. Era, antes de tudo, um amor egoísta.
Quando este amigo morreu, era como se Agostinho dissesse: “Como podem tirar de mim
algo amado? Eu sou Deus, e nada se pode subtrair de Deus” (BRACHTENDORF, Confissões de Agostinho, p.96). Como
se percebe o sofrimento dele se deu por causa da forma errônea de amar. E isto o
levou a concluir: “Feliz o que Vos ama, feliz o que ama o amigo e Vós, e o inimigo
por amor de Vós” (AGOSTINHO, Confissões.
IV, 9, 14. p.61).
Esta forma correta de amar, será mais explicita quando ocorre
a morte de sua mãe Mônica. A sua conversão significa uma mudança fundamental na
orientação do seu amor (BRACHTENDORF, Confissões
de Agostinho, p.199). Agostinho direcionou o seu amor ao transcendente,
pois este é imperecível. Mas isto não quer dizer que ele não amasse aos seres
mortais. Ele amou os mortais, mas em Deus. Isto possibilitaria não sofrer tanto
com a perda deles.
Não se pode esquecer que Agostinho, embora já estivesse convertido
ao cristianismo, não se entristecesse com a morte, pois este sentimento esteve presente
na morte da sua mãe. O mesmo sentimento o levou a chorar, mas não diante de si e
sim diante de Deus. Mas o que isso significa? Isso significa que ele não chorou
pela perda da mãe, mas pela mãe. Ou seja, ele não se viu como dono da mãe, em um
gesto egoísta. Ele não chorou pela mãe da mesma forma que chorou pelo amigo, como
ele próprio afirma: “(…) derramo diante de Vós, meu Deus, pela vossa serva, uma
outra espécie de lágrimas. Manam dum espírito comovido pelos perigos que cercam
toda alma que morre em Adão” (AGOSTINHO, Confissões.
IX, 13, 34. p.165).
Agostinho encontrou uma forma de lidar com a morte e com a angústia
da possibilidade da mesma, pois, acreditando no Deus cristão, ou se convertendo
a ele, o bispo de Hipona passou a acreditar na vida eterna, e na ressurreição dos
mortos. Mas esta é a única possibilidade de lidar com a morte ou haverá outra? O
fato é que todo homem está fadado ao fracasso desde o instante em que nasce, pois
desde o momento em que nasce já está morrendo.
Outro fato a observar, é que Agostinho lida com a morte em um ambiente cristão. Mas, e quem não é cristão? Como lidar com a possibilidade do fim de si próprio?
Conclusão
Uma percepção que se tem diante do fim deste trabalho, e que
poderá levar a reflexão, é a seguinte: quanto tempo ainda se tem de vida? Esta questão
não nasce de experiências científicas, mas da angústia do próprio homem na existência
concreta.
Como se viu, Agostinho, como pensador que era, buscou a solução para a angústia humana diante da possibilidade da morte. Pensa-se que viver é criar sentido, significados para cada coisa ou circunstância. No entanto, isto leva a vida a tornar-se angustiante, pois cada pessoa e objeto estão caminhando para o fim. Por isso, talvez a solução para não se angustiar e perder o sentido da vida seja essa: Amar as pessoas em Deus!
Referências
AGOSTINHO, Santo. Confissões.
2ªed. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Abril Cultural,
1980. (Os Pensadores)
_____. Cidade
de Deus: contra os pagãos. 2ª ed. Trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis:
Vozes, 1990.
BOEHNER, P.; GILSON, E.. Santo Agostinho, o mestre do ocidente.
In: História da Filosofia Cristã. 2ªed.
Trad. Petrópolis: Vozes, 1982. p.139-208.
BRACHTENDORF, Johannes. Confissões
de Agostinho. São Paulo: Loyola, 2008.
SOUZA, Ricardo Timm de. Sobre
a Construção do Sentido: o pensar e o agir entre a vida e a filosofia.
São Paulo: Perspectiva, 2004.
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