Que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade
Há alguns anos escrevi uma pequena reflexão
sobre os “ódios gratuitos” que permeiam nossa sociedade – cada vez que volto a
ler, vejo o quão atual permanece a reflexão. Volto ao mesmo tema, desde um
outro ponto de vista, pois a temática me parece bastante preocupante.
Vendo a questão desde um pequeno
distanciamento histórico, podemos constatar que a situação política e social do
Brasil foi se configurando, nas últimas décadas, em uma polarização,
estabelecendo grupos rivais e inimigos inclusive em questões mínimas. Nosso
País, sempre considerado de uma paz e concórdia impressionantes, foi, pouco a
pouco, convertendo-se em um local de ódios e de hostilidades gratuitas – ou
pelo menos com poucos motivos. Exemplo simples, mas contundente – sempre houve
hostilidade entre times de futebol, mas aquilo que era uma diversão passou a
ser confronto pessoal, aceitando inclusive atos de violência física como uma
ação válida.
Dentro da vida eclesial não tem sido
diferente. É certo que houve difusão de questões e posicionamentos duvidosos de
um modo até mesmo estável dentro da vida da Igreja. Com o tempo, muitas pessoas
comuns foram se sentindo incomodadas com essas posturas, mas se sentiam
isoladas, impotentes, dentro de algo que parecia que superava suas forças. Com
o advento das redes sociais, essas pessoas se encontraram e descobriram que não
estavam sozinhas – começaram a se organizar, a dar e receber formação, a criar
uma nova mentalidade e a denunciar. Vejo como fruto importante desta época a
denúncia do “marxismo cultural” que permeia nossos ambientes de estudo – desde
a educação fundamental até o ensino universitário – e muitos ambientes
eclesiásticos.
A problemática que vejo – dentro desse novo
movimento – é que acabam caindo, muitas vezes, na mesma falácia que denunciam.
Os erros são identificados com pessoas, as pessoas com grupos, os grupos são
rotulados e são criadas – quiçá sem nenhuma intenção – novas “lutas de
classes”. Deste modo leigos, padres, bispos e até mesmo a CNBB recebem rótulos
genéricos dos quais já não poderiam se desvencilhar e o “certo” – segundo esses
que denunciam – seria eliminar de algum modo a influência dessas pessoas e
dessas “estruturas de pecado”. Além disso, aqueles que não entram nessa “luta”
direta são considerados omissos e fracos.
Talvez eu esteja muito enganado – a história
dirá – mas não se trata da mesma dialética materialista e da mesma luta de
classes que denunciam como erro? Ver os problemas como oposição pessoal,
homogeneizar atitudes pontuais dentro de grupos heterogêneos, rotular esses
grupos com certas acusações para depois poder combate-los em uma espécie de
“luta de classes” e, por fim, considerar quem não entra nessa luta direta como
“alienados” de um certo “processo de purificação” que deveria ocorrer. Tudo
isso compreendo dentro da mesma estrutura do “marxismo cultural” em que
vivemos. Os opostos extremos se tocam – sempre são mais parecidos do que a
impressão que dão à primeira vista.
Acho que a luz para a questão, como é lógico,
se dá a partir de Cristo, que não divide, mas agrega. Claro que não se trata de
consentir em coisas erradas, mas se trata de saber diferenciar o horror do
pecado com o amor ao pecador. Recordo uma oração vocacional que aprendi logo
após a minha conversão – baseada em Ezequiel – que dizia: “Ó Deus, que não
quer a morte do pecador, mas sim que se converta e viva…”. Essa foi a
atitude de Cristo – converter, através do amor, quem estava errado. Assim se
demonstra no Evangelho, quando pecadores públicos – publicanos e prostitutas –
o seguiam e, pouco a pouco, através do amor, convertiam-se. Inclusive dentro de
“grupos” de pecadores acusados por Cristo, como os fariseus, fica claro que
eram pecados de pessoas concretas, senão Nicodemos e José de Arimateia não
poderiam ser considerados “justos”.
Deste modo, a oposição a posturas
profundamente equivocadas como a ideologia de gênero, o próprio marxismo
cultural a que nos referimos e as posições equivocadas dentro da Igreja não
poderiam – creio eu – recair em uma oposição a grupos, a contendas judiciais, e
a acusações conjuntas. A ação deveria ser mais cirúrgica, mais precisa, mais
efetiva. Trata-se de ir, um por um, explicando, demonstrando os erros e
demonstrando que não somos contrários a ninguém, mas que queremos o bem das
pessoas e da sociedade. Estruturas de pecado não se dão por erro da estrutura,
mas por pecados de pessoas concretas – somente através da conversão dessas
pessoas é que mudaremos os erros das estruturas. Agir em bloco, agir em “luta
de classes”, fecha o diálogo e dificulta a própria conversão dos indivíduos –
sendo considerados “outros” estarão sempre apoiados em seus “grupos” e nunca se
abrirão ao diálogo necessário para que possam mudar de opinião.
Que possamos sair desses ódios gratuitos. Que
o diálogo, o amor, a preocupação pela nossa própria salvação e pela salvação do
próximo sejam a guia do nosso agir. Assim não faremos guerras e lutas contra os
outros, mas nos faremos tudo para todos para salvar a todos. Que
Nossa Senhora, que detestou o pecado daqueles que crucificavam ao seu Filho,
mas que ao mesmo tempo amava profundamente a esses pecadores nos ensine a amar
aos nossos irmãos e desejar e agir para a salvação de todos.
Pe.
Hélio Luciano.
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