sábado, 4 de dezembro de 2021

A POLARIZAÇÃO NA IGREJA


Que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade

Há alguns anos escrevi uma pequena reflexão sobre os “ódios gratuitos” que permeiam nossa sociedade – cada vez que volto a ler, vejo o quão atual permanece a reflexão. Volto ao mesmo tema, desde um outro ponto de vista, pois a temática me parece bastante preocupante.

Vendo a questão desde um pequeno distanciamento histórico, podemos constatar que a situação política e social do Brasil foi se configurando, nas últimas décadas, em uma polarização, estabelecendo grupos rivais e inimigos inclusive em questões mínimas. Nosso País, sempre considerado de uma paz e concórdia impressionantes, foi, pouco a pouco, convertendo-se em um local de ódios e de hostilidades gratuitas – ou pelo menos com poucos motivos. Exemplo simples, mas contundente – sempre houve hostilidade entre times de futebol, mas aquilo que era uma diversão passou a ser confronto pessoal, aceitando inclusive atos de violência física como uma ação válida.

Dentro da vida eclesial não tem sido diferente. É certo que houve difusão de questões e posicionamentos duvidosos de um modo até mesmo estável dentro da vida da Igreja. Com o tempo, muitas pessoas comuns foram se sentindo incomodadas com essas posturas, mas se sentiam isoladas, impotentes, dentro de algo que parecia que superava suas forças. Com o advento das redes sociais, essas pessoas se encontraram e descobriram que não estavam sozinhas – começaram a se organizar, a dar e receber formação, a criar uma nova mentalidade e a denunciar. Vejo como fruto importante desta época a denúncia do “marxismo cultural” que permeia nossos ambientes de estudo – desde a educação fundamental até o ensino universitário – e muitos ambientes eclesiásticos.

A problemática que vejo – dentro desse novo movimento – é que acabam caindo, muitas vezes, na mesma falácia que denunciam. Os erros são identificados com pessoas, as pessoas com grupos, os grupos são rotulados e são criadas – quiçá sem nenhuma intenção – novas “lutas de classes”. Deste modo leigos, padres, bispos e até mesmo a CNBB recebem rótulos genéricos dos quais já não poderiam se desvencilhar e o “certo” – segundo esses que denunciam – seria eliminar de algum modo a influência dessas pessoas e dessas “estruturas de pecado”. Além disso, aqueles que não entram nessa “luta” direta são considerados omissos e fracos.

Talvez eu esteja muito enganado – a história dirá – mas não se trata da mesma dialética materialista e da mesma luta de classes que denunciam como erro? Ver os problemas como oposição pessoal, homogeneizar atitudes pontuais dentro de grupos heterogêneos, rotular esses grupos com certas acusações para depois poder combate-los em uma espécie de “luta de classes” e, por fim, considerar quem não entra nessa luta direta como “alienados” de um certo “processo de purificação” que deveria ocorrer. Tudo isso compreendo dentro da mesma estrutura do “marxismo cultural” em que vivemos. Os opostos extremos se tocam – sempre são mais parecidos do que a impressão que dão à primeira vista.

Acho que a luz para a questão, como é lógico, se dá a partir de Cristo, que não divide, mas agrega. Claro que não se trata de consentir em coisas erradas, mas se trata de saber diferenciar o horror do pecado com o amor ao pecador. Recordo uma oração vocacional que aprendi logo após a minha conversão – baseada em Ezequiel – que dizia: “Ó Deus, que não quer a morte do pecador, mas sim que se converta e viva…”. Essa foi a atitude de Cristo – converter, através do amor, quem estava errado. Assim se demonstra no Evangelho, quando pecadores públicos – publicanos e prostitutas – o seguiam e, pouco a pouco, através do amor, convertiam-se. Inclusive dentro de “grupos” de pecadores acusados por Cristo, como os fariseus, fica claro que eram pecados de pessoas concretas, senão Nicodemos e José de Arimateia não poderiam ser considerados “justos”.

Deste modo, a oposição a posturas profundamente equivocadas como a ideologia de gênero, o próprio marxismo cultural a que nos referimos e as posições equivocadas dentro da Igreja não poderiam – creio eu – recair em uma oposição a grupos, a contendas judiciais, e a acusações conjuntas. A ação deveria ser mais cirúrgica, mais precisa, mais efetiva. Trata-se de ir, um por um, explicando, demonstrando os erros e demonstrando que não somos contrários a ninguém, mas que queremos o bem das pessoas e da sociedade. Estruturas de pecado não se dão por erro da estrutura, mas por pecados de pessoas concretas – somente através da conversão dessas pessoas é que mudaremos os erros das estruturas. Agir em bloco, agir em “luta de classes”, fecha o diálogo e dificulta a própria conversão dos indivíduos – sendo considerados “outros” estarão sempre apoiados em seus “grupos” e nunca se abrirão ao diálogo necessário para que possam mudar de opinião.

Que possamos sair desses ódios gratuitos. Que o diálogo, o amor, a preocupação pela nossa própria salvação e pela salvação do próximo sejam a guia do nosso agir. Assim não faremos guerras e lutas contra os outros, mas nos faremos tudo para todos para salvar a todos. Que Nossa Senhora, que detestou o pecado daqueles que crucificavam ao seu Filho, mas que ao mesmo tempo amava profundamente a esses pecadores nos ensine a amar aos nossos irmãos e desejar e agir para a salvação de todos.

Pe. Hélio Luciano.

https://www.presbiteros.org.br/a-polarizacao-na-igreja/ 

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