Por
Mons. João Clá Dias, EP.
Fonte: Revista
Arautos do Evangelho, Janeiro/2003, n. 13, p. 7 à 11.
Duas
figuras máximas se encontram: o Precursor e o Messias. Quem foi o Batista e por
que quis Jesus ser batizado?
João andava vestido de pêlo de camelo e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Ele pôs-se a proclamar: Depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-Lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; Ele, porém, vos batizar á no Espírito Santo. Ora, naqueles dias veio Jesus de Nazaré, da Galiléia, e foi batizado por João no Jordão. No momento em que Jesus saía da água, viu os céus abertos e descer o Espírito em forma de pomba sobre Ele. E ouviu-se dos céus uma voz: Tu és o meu Filho muito amado; em Ti ponho minha afeição. (Mc 1, 6-11).
No trecho
do Evangelho de domingo, tirado de São Marcos, temos o relato do batismo mais
simbólico de toda a história. É interessante conhecer preliminarmente o fundo
de quadro em que se passou esse tão significativo fato.
Uma
voz clama no deserto
Cortando
a antiga terra de Israel de norte a sul, o rio Jordão devia sua importância aos
acontecimentos históricos que transcorreram ao longo de seu curso, mais do que
ao fato de ser elemento indispensável para a manutenção da vida naquele árido
território.
Fora ele
palco de muitos milagres e assistira a cenas grandiosas, nas quais brilhara a
justiça de Deus. Contudo, por volta do ano 28 de nossa era, o que ocorreu ali
superava de longe todo o passado. João, filho do sacerdote Zacarias, deixou seu
isolamento no deserto e passou a percorrer a região do rio, “pregando o batismo
de arrependimento para a remissão dos pecados”. (Lc 3, 3).
A
corroborar sua autoridade moral, tinha o Batista sua vida de penitente do
deserto, extraordinariamente santa e mortificada: “Andava vestido de pêlo de
camelo e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de
gafanhotos e mel silvestre”. Acrescia-lhe a reputação seu nascimento milagroso,
de muitos conhecido.
Mais
ainda: sabido era entre o povo eleito que fora profetizada a vinda de um
precursor do Messias: “Como está escrito no livro das palavras do profeta
Isaías: ‘Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as
suas veredas”. (Lc 3, 4).
Suas
exortações partiam, assim, de alguém com todas as credenciais de autenticidade
para conduzir à conversão.
Grande
comoção em Israel
Havia
cerca de 400 anos que nenhum profeta fazia ouvir sua voz em Israel.
Nada mais
explicável, pois, do que o alvoroço causado por São João Batista. De todos os
lados afluíam multidões para ouvi-lo. Vendo-as diante de si, ele as admoestava,
e suas palavras calavam fundo nas almas, levando muitas ao arrependimento:
“Dizia ele: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos céus”. (Mt 3, 2).
Símbolo
da purificação da consciência, necessária para receber esse “reino dos céus”
que estava “próximo”, o batismo conferido por São João confirmava as boas
disposições de seus ouvintes. “Confessavam seus pecados e eram batizados por
ele nas águas do Jordão”, conta São Mateus (3, 6).
Israelitas
de todas as classes acorriam ao profeta da penitência, dispostos a purificar o
coração. Entretanto, havia também os opositores. Saduceus, fariseus e doutores
da lei, que o viram inicialmente com bons olhos, não demoraram a votar-lhe
profunda antipatia. Incomodados com sua extraordinária influência, irritados
com as pregações, nas quais condenava os vícios em que eles incorriam, passaram
a agir contra João. Questionaram seu direito de batizar e lhe prepararam
armadilhas. Demonstrando grande sagacidade, São João não se deixou enlear.
Inexorável
para com os hipócritas e os soberbos, o profeta mostrava-se doce com os
sinceros e os humildes. “Preparai-vos!” repetia incansavelmente, “abri a via do
Senhor!”
Apareceram-lhe
discípulos, que o assistiam em seu ministério, e que passaram a constituir um
modelo de piedade mais fervorosa. Enfim, sua pregação produzia um grande
movimento popular rumo à virtude, como nunca se vira na história de Israel.
Encontro
com o Messias
A missão
do Precursor era preparar os caminhos do Messias. Vivia, portanto, na
expectativa do encontro com Ele.
Não
esperou muito tempo. Certo dia, notou a presença de Jesus no meio dos
peregrinos. Tomado de sobrenatural emoção, inclinou-se para o recém-chegado,
esquivando-se de Lhe dar o batismo: “Eu devo ser batizado por ti e tu vens a
mim!”
Respondeu-lhe,
porém, Jesus: “Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa”.
Obediente, São João O imergiu no Jordão.
Logo que
saiu da água, Jesus se pôs a orar. Então o céu se abriu e o Espírito Santo
desceu sobre Ele na forma de uma pomba. “E ouviu-se dos céus uma voz: Tu és o
meu Filho muito amado; em ti ponho minha afeição”.
Missão
encerrada
Algum
tempo depois de batizar o Messias, São João caminha para o martírio, deixando a
cena histórica, como ele mesmo havia predito: “Importa que ele cresça e que eu
diminua” (Jo 3,30). Entrara em cena o Salvador, estava
cumprida a missão do Precursor. Restava-lhe apenas o derradeiro ato de sua
grandiosa vida: o martírio.
Conforme
afirma São Tomás de Aquino, “todo o ensinamento e a obra de João eram
preparatórias da obra de Cristo, como a do aprendiz e do operário inferior é preparar
a matéria para receber a forma que há de introduzir o principal artífice”
Os
grandes artistas tiveram aprendizes que pintaram as partes menos importantes de
seus quadros, ocupando- se eles apenas dos aspectos essenciais. Também os
grandes entalhadores tiveram auxiliares que afiavam as ferramentas, limpavam o
ateliê, faziam as compras das madeiras apropriadas, etc.
Assim foi
o trabalho de São João, preparando a vinda de Nosso Senhor.
Diante da
altíssima vocação do Batista, os Doutores da Igreja exprimiram sempre grande
admiração. São Tomás de Aquino, por exemplo, colocava João entre os profetas do
Novo Testamento. Se o considerássemos do Antigo, dizia o Aquinate. Seria maior
que Moisés.
Já São
Francisco de Sales vê João como profeta do Antigo Testamento, a última luz da
Lei mosaica e – diz sem titubear – a maior.
De
qualquer modo, a grandeza de João era tal que o próprio Jesus declarou ser ele
mais que um profeta, acrescentando este elogio supremo: Entre os nascidos das
mulheres, não veio outro ao mundo maior que João Batista. (Mt 11, 11).
Por
que Jesus quis ser batizado?
O batismo
conferido por São João não era da mesma natureza que o Batismo sacramental,
instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo. Provinha
verdadeiramente de Deus, mas não tinha o poder de conferir a graça
santificante. O próprio Batista pôs em realce a diferença: “Eu vos batizo na
água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de
lhe desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no
fogo.” (Lc 3, 16).
O efeito
do batismo de João consistia num incentivo ao arrependimento dos pecados,
explica São Tomás de Aquino.
Ora, em
Jesus não havia sequer sombra de pecado, nem poderia haver, uma vez que Ele era
o Homem-Deus. Não tinha, portanto, matéria para arrependimento e penitência. O
que explica, então, que Ele tenha querido ser batizado?
Sujeitar-se
à condição humana
Várias
são as razões dadas pelos Padres e Doutores da Igreja.
Eis uma
delas: quando o Verbo se fez Homem, Ele quis se sujeitar às leis que regem a
vida humana. Por exemplo, obedeceu às leis que estavam em vigor entre os judeus,
sendo apresentado no Templo após seu nascimento, sofrendo a circuncisão, e
cumprindo os ritos da Páscoa judaica. Assim, quis também receber o batismo
penitencial de João. Perdido no meio da multidão, Jesus, inocente . submeteu-se
a um rito destinado ao pecador: “Convém cumpramos a justiça completa”,
justificou-se Ele perante o profeta.
Comentando
essas palavras, Santo Agostinho diz que Nosso Senhor “quis fazer o que ordenou
que todos fizessem”. E Santo Ambrósio acrescenta: “A justiça exige que comecemos
por fazer o que queremos que os outros façam, e exortemos os outros a nos
imitarem pelo nosso exemplo”.
Purificar
as águas
Entre as
dez razões enumeradas na Suma Teológica para o batismo de Jesus, São Tomás de
Aquino coloca em destaque o objetivo da purificação das águas.
Citando
Santo Ambrósio, diz o Doutor Angélico que “o Senhor foi batizado, não por
querer purificar-se, mas para purificar as águas”. Desse modo, continua ele, as
águas “purificadas pelo contato com o corpo de Jesus Cristo, que não conheceu o
pecado, tivessem a virtude de batizar”. E conclui citando o mesmo argumento, de
São João Crisóstomo, de que Jesus “deixou as águas santificadas para os que,
depois, deveriam ser batizados”.
Temos
aqui um interessante problema teológico-metafísico: por que razão Deus escolheu
a água como matéria para o Batismo?
A água é
um elemento rico em simbolismo. Por exemplo, é uma imagem da exuberância de
Deus. Basta considerar que três quartas partes da superfície da Terra são
constituídas por água.
Também é
símbolo de vida. É elemento essencial para a manutenção de todos os seres
vivos. Quanto mais abunda a água numa região, maior é a quantidade de plantas e
animais que ali se desenvolvem. Além disso, ela é o elemento preponderante da
matéria viva, de modo tal que o próprio corpo humano é composto, na sua maior
parte, de água.
Podemos
considerá-la também um símbolo da bondade, do carinho e da magnanimidade de
Deus para com a humanidade. Agrada ao ser humano vê-la cair, em forma de chuva,
cristalina, refrescante, tornando fértil o solo, favorecendo as plantações,
limpando o ar.
Vista por
outro prisma, tem ela uma potência descomunal de destruição. Apesar de toda a
técnica moderna, e de um presunçoso progresso que se julgou capaz de um dia
conseguir dominar os elementos da natureza, os homens se espantam e se
aterrorizam com a força destruidora das águas. E ainda nisso ela é para nós um
símbolo, o do poder onipotente de Deus.
Por sua
capacidade de lavar, ela lembra a limpeza espiritual. Por diversas vezes a
Sagrada Escritura assim a ela se refere, como no seguinte trecho: “Derramarei
sobre vós águas puras, que vos purificarão de todas as vossas imundícies e de
todas as vossas abominações” (Ez
36, 25). Nessa passagem, o
profeta Ezequiel prediz o batismo de São João e, mais especialmente, o Batismo
sacramental, instituído por Jesus. Do mesmo modo, ele é referido por Zacarias,
quando este diz: “Naquele dia jorrará uma fonte para a casa de Deus e para os
habitantes de Jerusalém, que apagará os seus pecados e suas impurezas” (13, 1).
Nada mais
conveniente, portanto, do que a água ser a matéria do Batismo. E nada mais
adequado que Deus encarnado ter querido purificá-la pelo contato de seu
sacratíssimo corpo.
Incentivo
ao Batismo
Outro
motivo, dos mais importantes, para o Senhor decidir sujeitar-se ao ritual do
Jordão era estimular nos homens o desejo do Batismo sacramental.
A
recepção do Batismo é necessária para a salvação, como demonstram as palavras
de Jesus a Nicodemos: “Quem não renascer da água e do Espírito não poderá
entrar no Reino de Deus”(Jo
3, 5). Pelo tom categórico
da afirmação, avalia-se a importância desse Sacramento.
O batismo
de João levava ao arrependimento dos pecados, mas não tinha o poder de
perdoá-los. O Batismo sacramental, instituído por Jesus Cristo, tem efeitos
infinitamente maiores.
Adão
transmitiu a todos os seus descendentes a culpa original. O Sacramento do
Batismo limpa a alma da mancha desse pecado, confere a graça santificante,
eleva o homem à condição de filho de Deus e abre-lhe as portas do Céu. Ele é a
chave de todos os outros Sacramentos, indispensáveis para o homem cumprir com
fidelidade a Lei de Deus.
Tal é a
grandeza e a eficácia do Sacramento do Batismo.
Exortação
que permanece até o fim do mundo
“Eis o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29),
declarou São João Batista a dois de seus discípulos, indicando Nosso Senhor
Jesus Cristo que passava.
São João
Evangelista e seu irmão, São Tiago, que até então haviam seguido fielmente o
Batista, compreenderam que Jesus era Aquele ao qual deviam entregar suas vidas.
E deixando seu antigo mestre, procuraram logo o Senhor, pedindo-Lhe permissão
para O acompanharem e viver com Ele.
Pelos séculos dos séculos, essas palavras do grande profeta da penitência, ressoarão no mundo, convidando todos os homens a também colocarem seus olhos no Divino Salvador, a se encantarem com a figura d’Ele e como católicos fiéis a seguirem seus mandamentos, até o momento em que forem chamados para estar definitivamente com Ele, na vida Eterna.
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