Sermão 200 – A Manifestação do Senhor
1. Os magos vieram do Oriente para
adorar o nascido da Virgem. Esta é a festa que celebramos hoje; a ela, damos a
merecida solenidade e dedicamos o sermão. Este dia brilhou pela primeira vez
para os magos; para nós, retorna anualmente nesta festividade. Eles foram os
primeiros frutos dos gentios, nós somos o povo constituído de gentios. A nós
foi anunciado pela linguagem dos apóstolos; para eles, uma estrela, como a
linguagem do céu; e os próprios apóstolos, como se fossem céus, nos proclamaram
a glória de Deus [1] . Por que não reconhecermos que os céus se tornaram tronos
de Deus? Assim está escrito: A alma do justo é o trono da sabedoria [2].
Através destes céus reinou o criador e morador dos céus; ante tal trono o mundo
estremeceu, e eis que aqui já crê. Grande mistério! Ele estava deitado na
manjedoura e guiava os magos do Leste. Escondido em um estábulo, era
reconhecido no céu, para que, reconhecido no céu, se manifestasse no estábulo e
este dia recebesse o nome de Epifania, que pode ser traduzido como
“manifestação”. Ao mesmo tempo, sua exuberância e humildade eram enaltecidas,
para que aqueles que o buscavam o encontrassem em um estreito estábulo – para o
qual os céus abertos guiavam com os sinais das estrelas – ; de modo que, mesmo
sendo uma criança envolta em panos, os magos o adorassem e o maus o temessem
[3] .
2. Com efeito, o rei Herodes o temeu
quando os magos o anunciaram, ainda enquanto estavam procurando pelo Pequeno
que já sabiam que ele nascera através do testemunho do céu. Como será o seu
tribunal quando agir como juiz, se o berço do menino já aterrorizava os reis
orgulhosos? Quão sábio são os reis agora que não buscam matá-lo, como Herodes,
senão que, como os magos, se deleitam em adorar precisamente a quem sofreu por
seus inimigos, da mão de seus mesmos inimigos, a mesma morte que o seu inimigo
queria causá-lo e com sua morte ele matou a morte em seu corpo! Agora os reis
sentem um piedoso temor a quem já está sentado à direita do Pai; a quem já
temeu, quando Ele se encarnou no seio de sua Mãe, aquele rei ímpio. Ouçam o que
está escrito: “Agora, ó reis, compreendei isso; instruí-vos, ó juízes da terra.
Servi ao Senhor com respeito e exultai em sua presença; prestai-lhe homenagem
com tremor […]”[4]. Aquele rei que vem aos reis ímpios e guia os piedosos, não
nasceu como nascem os reis neste mundo, pois também nasceu o rei cujo o reino
não é deste mundo. A nobreza do nascido manifestou-se na virgindade da Mãe e a
nobreza da Mãe, na divindade do nascido. Finalmente, apesar de ter sido muito
os reis dos judeus já nascidos e mortos, nenhum deles jamais procurou por magos
para adorá-lo, visto que tampouco conheceram alguém pela voz do céu.
3. No entanto, os fatos não devem ser
negligenciados, essa iluminação dos magos tornou-se o grande testemunho da
cegueira dos judeus. Aqueles procuraram na terra daqueles o que estes não
reconheceram em sua própria. Entre eles encontraram, sem palavras, o que os
judeus negaram quando Ele ensinava. Esses peregrinos que vinham de longe
adoravam a Cristo, uma criança que ainda não falava, ali onde seus concidadãos
o crucificaram quando, já adulto, realizava milagres. Os magos o reconheceram
como Deus na sua infância; os judeus sequer o perdoaram como homem quando Ele
realizava suas grandiosas obras. Como se fosse algo maior ver uma nova estrela
brilhante no dia de seu nascimento do que ver o sol chorar no dia de sua morte!
Todavia, aquela mesma estrela que conduziu os magos ao lugar onde o menino Deus
estava com sua Virgem Mãe e que certamente poderia ter os guiado até a mesma
cidade, se escondeu e não voltou a aparecer até que haviam perguntado aos
judeus em que cidade Cristo tinha que nascer, para que a nomeassem conforme o
testemunho da Sagrada Escritura e disseram: Em Belém de Judá. Assim está
escrito: “E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as
cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo.”[5].
O que mais a Providência divina quis dizer com isso, senão que as únicas
Escrituras divinas ficariam sob a posse dos judeus com as quais os gentios
seriam instruídos e eles cegados; que eles não a levariam como apoio para sua
salvação, senão como testemunho da nossa? Pois, hoje mesmo, quando apresentamos
as profecias sobre Cristo, já esclarecidas à luz dos acontecimentos, se por
acaso nos comunicassem os pagãos, a quem queremos ganhar, que essas coisas não
foram previstas de antemão, senão depois de acontecer o anunciado, de forma que
o que se pensa ser uma profecia foi uma invenção dos cristãos, usamos os
códices dos judeus para eliminar a dúvida dos pagãos. Pagãos que já estavam
figurados naqueles magos a quem os judeus instruíram com as divinas Escrituras
acerca da cidade em que Cristo nasceu, a quem eles nem buscavam, nem
reconheciam.
4. Agora, pois, amadíssimos, filhos e
herdeiros da graça, considerada vossa vocação e, uma vez manifestado Cristo aos
judeus e aos gentios, apegue-se a ele como uma pedra angular [6] com um amor
que não conhece limites. Com efeito, no limiar de sua infância Ele se
manifestou tanto aos que estavam próximo e aos que estavam longe [7]. Aos
judeus, nos pastores que se aproximaram e para os gentios, nos magos que vieram
de longe. Aqueles chegaram no mesmo dia em que Ele nasceu; estes, acredita-se,
hoje. Eles foram informados, pois, sem o primeiro ser sábio, nem o segundo
apenas, pois na resistência dos pastores prevalece a ignorância, e nos ritos
sacrílegos dos magos, a impiedade. Eles estavam unidos pela própria pedra
angular, que veio para escolher os estultos do mundo para confundir os sábios
[8], e não para chamar os justos, mas os pecadores, [9], para que ninguém, por
maior que seja, vanglorie-se e ninguém, ainda que seja o menor, perca a
esperança. Assim se explica que os escribas e fariseus, embora se considerem
sábios e justos, ao mesmo tempo que, lendo os oráculos divinos, mostraram a
cidade em que deveria nascer [10], enquanto construtores o rejeitaram. Mas como
Ele se tornou a cabeça angular [11], o que Ele mostrou em seu nascimento se
cumpriu em sua paixão. Apeguemo-nos a Ele em companhia do outro muro no qual
estão os restos de Israel que, pela eleição livre, eles foram salvos [12]. Eles
que haviam de se unir de perto, estão simbolizados nos pastores, para que
também nós, cuja vocação significava a chegada de longe dos magos, permaneçamos
nEle não mais como peregrinos e inquilinos, mas como concidadãos dos santos e
familiares Deus, edificados com eles no alicerce dos apóstolos e profetas,
sendo Cristo a pedra angular; Ele que fez dos povos um só [13], de modo que
nEle amemos a unidade e possuamos uma caridade incansável para recuperar os
ramos que, provenientes da árvore, também foram enxertados [14]; mas, desgastadas
pela soberba, tornaram-se hereges. Deus é poderoso para enxertá-los novamente.
[1] Cf. Salmos XVIII,1
[2] Cf. Sabedoria VII,7
[3] Cf. São Mateus II,1-18
[4] Salmos II,10-11
[5] São Mateus II,5-6
[6] Cf. Efésios II,20
[7] Cf. Efésios II,17
[8] Cf. I Coríntios I,27
[9] Cf. São Mateus IX,13
[10] Cf. São Mateus II,4-6
[11] Cf. Salmos CXVII,22
[12] Cf. Romanos XI,5
[13] Cf. Efésios II,11-12
[14] Cf. Romanos XI,17-24
Traduzido por Ruan Gabriel a partir da
versão espanhola de Pío de Luis, OSA, disponível em:
http://www.augustinus.it/spagnolo/discorsi/discorso_255_testo.htm
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