As
bem-aventuranças: Lc 6,17.20-26
Caros irmãos e irmãs!
Este
domingo o texto evangélico traz para a nossa reflexão o conhecido Sermão da
Montanha, um novo programa de vida para se livrar dos falsos valores do mundo e
abrir-se aos verdadeiros bens presentes e futuros. Quando Deus conforta, sacia
a fome de justiça, enxuga as lágrimas dos que choram, isso significa que, além
de recompensar cada um de forma sensível, abre também para os que passam por
estas provações, o Reino do Céu.
As
bem-aventuranças iluminam as ações e atitudes que caracterizam a vida cristã e
exprimem o que significa ser discípulo de Cristo (cf. CIgC, n. 1717). Ao mesmo
tempo, elas são como que uma biografia interior oculta de Jesus, um retrato da
sua figura. Devemos olhar como Jesus viveu estas bem-aventuranças. Os
evangelhos são, do início ao fim, uma demonstração da mansidão de Cristo, em
seu duplo aspecto de humildade e de paciência. Ele mesmo se propõe como modelo
de mansidão para nós.
O
texto bíblico nos mostra que Jesus, dirigindo o olhar aos seus discípulos, diz:
“Bem-aventurados os pobres… bem-aventurados vós, que agora tendes fome…
bem-aventurados vós, que chorais… bem-aventurados vós, quando os homens…
desprezarem o vosso nome”. Após as quatro menções aos
“bem-aventurados vós”: os pobres, os famintos, os que choram e os que sofrem
insultos por causa de Jesus, temos também quatro “ais”: ai de vós os ricos, ai
de vós os que têm fartura, ai dos que riem e ai dos que são elogiados. Como
afirma Jesus, tudo irá inverter no final dos tempos: os últimos serão os
primeiros e os primeiros serão os últimos” (cf. Lc 13, 30).
Jesus
diz inicialmente: “Bem-aventurados vós os pobres, porque vosso é o Reino de
Deus” (v. 20). A palavra grega usada por São Lucas para “pobres”
(ptôchos) traduz certos termos hebraicos (‘anawim, dallim, ebionim) que, no
Antigo Testamento, definem uma classe de pessoas privadas de bens. São os
desprotegidos, os pequenos, as vítimas da injustiça, que com frequência são
privados dos seus direitos e da sua dignidade. Por isso, eles têm fome, choram,
são perseguidos. Ora, serão eles, precisamente, os primeiros destinatários da
salvação de Deus, que, na sua bondade, quer derramar sobre eles a sua bondade,
a sua misericórdia, a sua salvação. Depois, a salvação de Deus dirige-se
prioritariamente a estes porque eles, na sua simplicidade, humildade,
disponibilidade e despojamento, estão mais abertos para acolher a proposta que
Deus lhes faz em Jesus.
Jesus
reassume neste sermão das bem-aventuranças as promessas divinas de que os
pobres não terão nem fome e nem sede (cf. Is 49,10.13); Ez 34,29) e anuncia que
eles serão saciados. Aos pobres, é prometido o Reino de Deus e assegurada,
também, a participação na mesa da casa do Pai. A participação no Reino de Deus
fará com que os pobres, que agora choram, possam ter motivos para rir e estar
alegres.
O
grande mal de todos os tempos é o de almejar a fortuna para um interesse
pessoal e não para melhor servir a Deus. Sob esse prisma, não vem ao caso ser
rico ou pobre, porque o primeiro desprezará o segundo, este invejará o outro e
ambos incorrerão na sentença contida no versículo 24: “Mas ai de vós, os ricos,
porque tendes já a vossa consolação” (v. 24). Os pobres em bens, podem ser
ricos na fé, como dizia o apóstolo São Tiago: “Não escolheu Deus os pobres
deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus
aos que o amam?” (Tg 2,5). A verdadeira riqueza que torna os pobres
bem-aventurados é o Reino de Deus.
No
episódio da pesca milagrosa (cf. Lc 5,1-11), temos o chamado dos primeiros
discípulos de Jesus, o texto conclui dizendo: Eles, atracando as barcas à
terra, deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5,11). Nesta mesma página do evangelho
encontramos o chamado de Levi, e a conclusão é semelhante: “Ele, abandonando
tudo, levantou-se e o seguiu” (Lc 5,28). Esta é uma das características
do verdadeiro discípulo de Jesus: Abandonar tudo para segui-lo. Os apóstolos e
também muitos santos souberam reconhecer que a vida do homem não depende dos
bens que ele possui.
O
homem que constrói sua vida e projeta o seu futuro somente em função de si
mesmo, é como aquele homem que construiu a sua casa sobre a areia (cf. Mt
7,21-29). Neste sentido, o rico pode tornar-se pobre, pois, a sua pobreza se
mede pelo que ele perde: o Reino de Deus, como nos narra o mesmo evangelista São
Lucas: “Assim acontece com quem guarda para si riquezas, mas não é rico para
com Deus” (Lc 12,21).
Neste
sentido devemos sempre nos questionar de qual lado estamos: Entre os que
constroem a vida sobre si mesmos ou entre aqueles que constroem sobre o Reino
de Deus? Devemos estar sempre conscientes de que não podemos servir a
Deus e ao dinheiro (cf. Mt 6,24). O motivo da alegria anunciada para os pobres
consiste na promessa que é feita: para eles chegou o reino de Deus, para
aqueles que fizeram a opção de não colocar a própria segurança nos bens
materiais já teve início um novo mundo, pois tudo passa a ser em comum (cf. At
4,34). Esta é a proposta que Jesus faz aos seus primeiros apóstolos que deixam
tudo para o seguir.
Jesus
também diz: “Bem-aventurados os que agora tendes fome, porque sereis saciados”
(v. 21). O mais alto grau desta bem-aventurança consiste em suportar com
resignação cristã, ou seja, sem revolta, sem inveja e sem ódio, os sacrifícios
decorrentes da pobreza material, isto torna o pobre um bem-aventurado. Por
outro lado, também são bem-aventurados os que têm fome de Deus. A estes
últimos, Deus alimentará com a sua graça, com mais abundância, na medida do
desejo de perfeição.
Os
pecadores encontram sua falsa felicidade na transgressão da lei de Deus. A
estes adverte Jesus severamente, porque no dia do Juízo hão de chorar sua
condenação eterna: “Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis”
(v. 26). Ademais, ainda nesta terra, apesar de sua aparente alegria, vivem de
tristeza, pois a consciência continuamente os acusa de suas faltas. Ao prazer
decorrente do pecado sempre se segue o remorso pela falta cometida. Mas
aqueles que choram de arrependimento pelos próprios pecados, já encontram, na
sua contrição, consolo e felicidade. A experiência nos ensina que o
arrependimento traz alegria, e é fruto da graça de Deus.
Lancemos
uma vez mais o nosso olhar para a Virgem Maria, aquela que todas as gerações a
proclamam de “bem-aventurada”, porque acreditou na boa nova que o Senhor lhe
anunciou (cf. Lc 1,45.48). Que ela, mãe de Deus e nossa, interceda por cada um
de nós e nos faça trilhar, todos os dias, com o coração dilatado, o caminho das
bem-aventuranças. Assim seja.
Anselmo Chagas de Paiva, OSB - Mosteiro de São Bento/RJ
https://www.presbiteros.org.br/homilia-d-anselmo-chagas-vi-domingo-tc-ano-c/
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