Sérgio Conrado (*)
2.
Conversão e sinodalidade
Podemos
constatar que a sinodalidade tem como meta animar a vida e a missão
evangelizadora da Igreja em união com o Senhor Jesus e sob a guia dele, que
prometeu: “Onde dois ou três estão unidos em meu nome, eu estou no meio deles”
(Mt 18,20); “Eis que estou convosco até o fim dos tempos” (Mt 28,20).
A renovação sinodal da Igreja passa, sem dúvida, pela revitalização das estruturas sinodais, mas se exprime, antes de tudo, na resposta ao gratuito chamado de Deus para viver como seu povo que caminha na história em direção ao seu Reino. História marcada pelo secularismo e pelo pluralismo religioso e cultural. Isso tudo enfatiza a afirmação da individualidade e do afrouxamento dos laços de pertença a gêneros culturais e religiosos. É nesse contexto que a sinodalidade requer constante conversão pastoral e missionária, a qual consiste em uma renovação de mentalidade, de atitudes, de práticas e de estruturas em vista da cada vez maior fidelidade à própria vocação (cf. SÃO JOÃO PAULO II, 2001, p. 298).
O modo de ser eclesial plasmado na consciência sinodal acolhe
com alegria e promove a graça em virtude da qual todos os batizados estão
habilitados e chamados a ser discípulos missionários. O grande desafio atual
para a conversão pastoral da vida da Igreja é intensificar a mútua colaboração
de todos no testemunho evangelizador a partir dos dons e serviços de cada um,
sem clericalizar os leigos nem secularizar o clero. Para verdadeira atuação da
sinodalidade, a conversão pastoral exige que alguns paradigmas ainda muito
presentes na cultura eclesiástica sejam separados. Entre estes, a concentração
da responsabilidade da missão no ministério dos pastores (bispos, sacerdotes),
a insuficiente valorização da vida consagrada e dos dons carismáticos, a ainda
frágil apreciação da atual ação específica e qualificada dos fiéis leigos,
particularmente das mulheres.
Está
claro que a sinodalidade se caracteriza pela comunhão, e, por isso, todos os
membros da Igreja, sem exceção, são chamados a fazer com que esta se torne a
casa e a escola da comunhão. Sem a conversão do coração e da mente e sem uma
disponibilidade ascética para o acolhimento e para a escuta recíproca, de muito
pouco adiantarão os instrumentos externos da comunhão, que se transformarão,
sem dúvida, em máscaras sem coração e sem rosto.
O impacto
do fator urbano – que favorece o pluralismo religioso e a secularização – sobre
a vivência da fé e sobre a ação pastoral é imenso, e tal situação muitas vezes
dificulta a visibilidade e a vivência da sinodalidade eclesial. Se a ação
eclesial não estiver sempre fundada e centrada na graça de Deus, não haverá
instrumental pastoral capaz de atingir o homem urbano, nem mesmo o ativismo
pastoral resolverá. O Documento de Aparecida, vendo exatamente esse contexto
adverso, mostra que o avanço da cultura urbana e outros fenômenos causam enorme
impacto na fé e em sua prática pelos fiéis. A Igreja já não pode esperar; é
preciso avançar em todos os sentidos. Sobretudo hoje, mais do que nunca, o
testemunho de comunhão eclesial e santidade é uma urgência pastoral.
Devido às
dificuldades encontradas na pastoral ao enfrentar contextos que rebatem o
conteúdo da evangelização, faz-se necessário distinguir melhor o conteúdo da
evangelização dos métodos para concretizar a ação pastoral. A falta de
equilíbrio entre conteúdo e método gera um ativismo religioso, ocasionando o
desinteresse pelo conteúdo tanto da parte do emissor como da do receptor, pois
o ministério pastoral é instrumento e canal, o evangelho é a fonte. Disso
decorre que o mais importante não é realizar ações, mas evangelizar por meio
delas. Se o ministério pastoral não fizer presente Jesus Cristo e sua práxis,
não é evangelizador e não merece o qualificativo de pastoral (cf. VALADEZ
FUENTES, 2008, p. 22).
Os sínodos, sobretudo os diocesanos, têm buscado exatamente isto: constatar até que ponto a mensagem de Cristo, por meio da Igreja católica, alcança os católicos e quais os métodos mais usuais, bem como as lacunas e os pontos fortes da evangelização. A Igreja de São Paulo já se encontra no terceiro ano do seu sínodo arquidiocesano. Em 2018, foi feita uma pesquisa de campo em todas as 295 paróquias territoriais da arquidiocese; o resultado foi muito significativo e ajudou a arquidiocese a constatar quanto já caminhou e também o muito que tem para realizar. Um dos dados da pesquisa mostra que o povo, em geral, continua religioso em meio a um contexto multifacetado. As paróquias são bem reconhecidas, mas necessitam de séria conversão em suas estruturas e modo de ser para ultrapassar a característica de prestadoras de serviços.
A santa missa
continua sendo o principal elo entre os católicos e fonte de formação para
eles, não obstante um dado alarmante: apenas 5% dos católicos da cidade de São
Paulo frequentam regularmente a santa missa todos os domingos. Outros 25%
frequentam de vez em quando, nas grandes festas ou em alguma ocasião especial,
como falecimentos e casamentos. Portanto, cerca de 30% dos católicos de São
Paulo frequentam a missa. E quanto aos outros 70%? Entre tantos outros dados,
este levanta séria preocupação em relação aos católicos que frequentam pouco ou
absolutamente não frequentam a missa dominical, os quais são a grande maioria.
Por onde recebem eles o sustento e o cultivo da sua fé, o alimento da Palavra
de Deus, o testemunho dos irmãos? (cf. SCHERER, 2019).
Outro fator
preocupante, que impede a sinodalidade de se manifestar, é a falta de formação
permanente dos fiéis cristãos. Em geral, os católicos são instruídos pela missa
aos domingos, como a pesquisa mostra. Isso significa que a conversão pastoral e
a renovação missionária das paróquias se fazem urgentes, como aponta o
Documento de Aparecida:
Esta
firme decisão missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos
os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos
e qualquer instituição da Igreja. Nenhuma comunidade deve isentar-se de entrar
decididamente, com todas as forças, nos processos constantes de renovação
missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a
transmissão da fé (CELAM, 2007, n. 365).
O sínodo
em São Paulo tem mostrado essa realidade a ser modificada, mas também a
necessidade de conversão pessoal, e não apenas estrutural e estratégica:
Os
bispos, presbíteros, diáconos permanentes, consagrados e consagradas, leigos e
leigas, são chamados a assumir atitudes de permanente conversão pastoral, que
implica escutar com atenção e discernir o que o Espírito está dizendo às
Igrejas através dos sinais dos tempos em que Deus se manifesta (CELAM, 2007, n.
366).
a.
Espiritualidade
pastoral e sinodalidade
A
sinodalidade supõe o fator comunhão para que a ação eclesial seja eficaz,
sobretudo nas grandes cidades, ou seja, no meio urbano, produto de diferentes
periferias geográficas e existenciais. Não sem esforço se desenvolveu uma
teologia da pastoral nas grandes cidades.
Por isso,
não só no tempo presente, como também em épocas anteriores, a Igreja, no âmbito
diocesano nacional, criou uma ação pastoral abundante que, pelo número e
rapidez, já poderia ter atendido ao desafio urbano e não estar agora sem saber
exatamente o que fazer, em virtude do fluxo célere e ininterrupto das mudanças.
É certo que não se trata de assumir uma atitude de desespero, cruzar os braços
ou, o que seria pior, retroceder e achar que o mais seguro é agir como a Igreja
agia antigamente, demonstrando uma alienação sem fim.
Na busca
de caminhar juntos, marcados pela sinodalidade, e exatamente pelo fator urbano,
com todas as suas características, temos, em nossas pastorais, nos apoiado mais
em uma atividade asfixiante e em alguns modelos rígidos de programação e de
planos de pastoral que, embora, sem dúvida, contenham muitas verdades e sejam
tecnicamente bem elaborados, roubam “o espaço do Espírito do Senhor,
levando-nos a um absurdo: estamos tão ocupados com a vinha do Senhor que nos
esquecemos do Senhor da vinha” (VALADEZ FUENTES, 2008, p. 24).
Essa
afirmação tem sua razão de ser, pois as exigências são tantas, que nossas
reuniões pastorais quase não dão oportunidade para um momento forte de reflexão
sobre a Palavra de Deus, de escuta do que o Espírito Santo tem a nos dizer.
Esse aspecto fundamental de nossos encontros vai sendo remetido para outra
ocasião. A falta de espiritualidade em nossa pastoral e encontros é notória,
tanto que em 2018, no segundo ano do sínodo arquidiocesano, o clero da
Arquidiocese de São Paulo afirmou que suas reuniões mensais haviam se tornado
demasiadamente técnicas, sem preocupação séria com a base sustentável de suas
ações, que são a Sagrada Escritura, o testemunho dos irmãos e irmãs e,
sobretudo, Jesus Bom Pastor, fonte primordial da espiritualidade pastoral.
A ação
pastoral é, por certo, constituída por um conjunto de atividades concretas,
tarefas ou serviços que a comunidade eclesial e cada agente de pastoral – sejam
eles ministros ordenados (bispos, presbíteros e diáconos permanentes),
religiosos e religiosas ou fiéis leigos – realizam em favor das pessoas. A
sinodalidade, contudo, ao exigir o caminhar juntos na vivência do evangelho
para que a pastoral seja eficaz, demonstra que a experiência de Deus constitui
o fundamento último tanto da ação pastoral como da espiritualidade que a
sustenta. Sem essa experiência, os agentes de pastoral – seja qual for seu grau
de importância e responsabilidade na Igreja – não conseguem fazer brotar as
opções, os valores e as atitudes que dão dinamismo ao agir pastoral.
Concluindo,
podemos dizer que a experiência de Deus sedimenta toda e qualquer ação, e leva
os agentes a serem testemunhas fiéis de Cristo. Ao mesmo tempo, tornam-se
pessoas de profunda vida de oração, impregnadas pelos dons do Espírito, e
revelam-se sinais e instrumentos de sinodalidade e comunhão, pois beberam da
fonte principal da espiritualidade pastoral que é Jesus, o Bom Pastor.
Considerações
finais
O papa
Francisco, ao afirmar que o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera
da Igreja no terceiro milênio, propõe-nos um empenho programático
teológico-pastoral sem precedentes.
A
sinodalidade, de fato, é dimensão constitutiva da Igreja, mas necessita de
séria reflexão sobre seus fundamentos teológicos. Desde os tempos da Igreja
primitiva, foram realizados muitos concílios e sínodos, como expressões da
sinodalidade inerente ao ser e à missão da Igreja. O embasamento na Escritura,
na Tradição e na história atesta como a Igreja perseverou no caminho da unidade
e da comunhão – marcas da sinodalidade – em meio à diversidade de lugares, de
culturas, de situações e dos tempos, e também das diferentes concepções de
Igreja.
A
sinodalidade, desde o início, caracterizou-se como garantia e encarnação da fidelidade
criativa da Igreja ao seu Mestre, Jesus. O mais surpreendente é que essa
fidelidade sinodal se manifesta em uma forma que é unitária na sua substância,
mas distinta em suas configurações, em função dos diversos momentos eclesiais e
históricos e do diálogo com as diferentes culturas e situações sociais. Já não
é possível à Igreja, tanto no seu ser como no seu agir, desconhecer as riquezas
dos tempos atuais e também seus desafios, como a secularização e o pluralismo
religioso. Por isso, é imprescindível que cada uma de nossas dioceses se
disponha a permanecer sempre em estado de alerta, isto é, com os cintos
amarrados e com o cajado na mão, em atitude de estar a caminho (sínodo) e em
saída. Assim será possível superar uma pastoral de conservação, de ativismo, de
medo do novo, de retrocesso a métodos antiquados, e buscar caminhos pastorais
novos para responder aos constantes desafios que se apresentam.
Não nos
assustemos: males e dificuldades serão sempre lamentados em qualquer etapa da
história. A Igreja viveu etapas incomparavelmente mais difíceis que a atual.
Nos tempos que correm, o sínodo se apresenta não como novidade ou modismo, mas
como necessidade e parte integrante do ser e do agir eclesiais. Ninguém tem o
direito de dizer que o sínodo não lhe diz respeito. Pelo contrário, ou estamos
com Cristo e sua Igreja na verdade e no compromisso, ou renegamos nosso
batismo. O princípio da sinodalidade nos ajuda, por meio do discernimento no
Espírito, a reconhecer a situação pastoral em que nos encontramos e proporciona
uma reflexão e decisão sobre a situação que queremos alcançar.
Sinodalidade e conversão pastoral não podem ser assumidas
separadamente, pois na sinodalidade encontramos a unidade e a comunhão de todos
os batizados e a conversão pastoral é a mola propulsora para o dinamismo do
Povo de Deus, que, revendo constantemente sua ação, sob o impulso do Espírito
Santo, se faz presente em todas as circunstâncias. Sinodalidade e conversão
pastoral correspondem à dupla vertente do amor: a Deus e ao próximo.
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VALADEZ
FUENTES, Salvador. Espiritualidade pastoral: como superar uma pastoral “sem
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(*) Sergio Conrado
Cônego Sergio Conrado é professor doutor em Teologia Pastoral pela Universidade Lateranense de Roma e professor emérito pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção – PUC/São Paulo. Pároco da Paróquia São Gabriel (Jardim Paulista), Arquidiocese de São Paulo.
https://www.vidapastoral.com.br/edicao/sinodalidade-e-conversao-pastoral/
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