NA VISÃO DOS PADRES DA IGREJA PRIMITIVA
Dom Vital Corbellini - Bispo de Marabá (PA)
O mês de
maio é um tempo favorável para muitas comemorações, entre as quais, o trabalho
humano e seu patrono São José Operário. O Papa Francisco instituiu o ano de São
José de 08 de dezembro de 2020 a 08 de dezembro de 2021. O trabalho é
fundamental na vida humana como forma de amor à vida e ao desenvolvimento de
qualidades para a transformação do mundo. Sua origem é a palavra latina “lavorare”, cujo significado é a
atividade voltada à produção de um bem para obter um produto de utilidade
pessoal ou geral. Neste tempo de Pandemia, milhares de famílias no Brasil e no
mundo são atingidas pelo de desemprego e falta de oportunidades para o
trabalho. Assim, o país volta ao mapa da fome, com milhares de pessoas privadas
de alimentos para o consumo diário. A seguir, veremos o significado do trabalho
na visão dos padres da Igreja primitiva.
O
trabalho na visão dos padres dos primeiros três séculos
Os primeiros
escritores cristãos definiram o trabalho como a continuação da obra de Deus no
mundo. Como obra de Deus, o trabalho deve ser realizado com sabedoria, força e
beleza. Ele permite ao ser humano assegurar a própria subsistência e de sua
família, contribuindo também com a prosperidade do Estado[1].
Clemente,
Bispo de Roma e Papa do final do primeiro século e início do segundo afirmou a
importância do trabalho como forma de ganhar o pão com a cabeça erguida. Ele
exortava aos fiéis de Coríntios que deviam sempre fazer o bem, porque é do
Senhor que provem todas as coisas. Ele retribuirá segundo as suas obras
(cfr. Is 6,3).
Portanto, Clemente pedia a todos para não caírem na inoperância em nenhuma de
suas boas obras[2].
Aristides
de Atenas, padre do século II, afirmou que os cristãos estão dispostos a dar a
vida por Cristo, pois guardam com firmeza os seus mandamentos, vivendo o que o
Senhor Deus ordenou para eles, dando-lhe graças em todo o momento pela comida,
bebida e os outros bens[3].
Ireneu de
Lião, Bispo do século III, ressaltou a importância do trabalho na vida da pessoa,
pois um dia ganhará a vida eterna. Quem tiver abandonado as coisas pela causa
de Jesus Cristo, receberá o cêntuplo neste mundo e herdará a vida eterna no
futuro (cfr. Mt 19,29).
Tudo isso acontecerá nos tempos do reino, no sétimo dia que foi santificado,
quando Deus descansou de toda a obra que tinha feito. Naquele dia, os justos
não executarão nenhuma obra terrena, mas estarão diante da mesa preparada por
Deus que os alimentará para sempre[4].
Tertuliano,
padre de Cartago, século III, rebateu as acusações de que os cristãos eram
improdutivos e completamente inúteis para a comunidade. Como isso é possível se
os cristãos estão no meio dos pagãos como pessoas que se nutrem, se vestem e
tem as mesmas exigências de vida? Os cristãos têm consciência de serem
agradáveis a Deus, Senhor e Criador de todas as coisas, pois não há fruto das
suas obras que eles recusam, mas eles olham com carinho e amor para fazer bom
uso sem desmedida, de modo que os cristãos vivem junto aos pagãos fazendo do
melhor para eles, para comunidade e para Deus[5].
Clemente
de Alexandria, padre do século III, afirmou a importância do trabalho do povo e
dos que buscam a sabedoria para viver bem nos diversos setores da sociedade e
com Deus. Ele se inspirava em Moisés, como um sabedor das coisas e de seu
trabalho, para que a lei conduzisse o povo no deserto rumo à Cristo. O padre de
Alexandria destacou ainda a missão de Cristo Jesus por ser o bom pastor que dá
a vida por suas ovelhas (cfr. Jo 10,11).
Cristo conduz pelo seu trabalho e sua missão à felicidade espiritual porque
ordenada pelo Espírito Santo[6].
O
trabalho na visão dos padres dos séculos IV e V
São
Basílio, o grande Bispo de Cesaréia da Capadócia, do século IV, afirmou a
necessidade de o cristão trabalhar não só para suprir as próprias necessidades,
mas para cumprir ao mandamento do Senhor que disse: tive fome e me deram de
comer (cfr. Mt 25,35). O Senhor mesmo disse para não nos inquietarmos pela
vida, por aquilo que se vai comer, nem com o próprio corpo, do que vestir, pois
estas coisas vão à busca os pagãos (cfr. Mt 6,25; 32). Cada um, segundo São Basílio, deve
realizar o trabalho com o fim de erguer os necessitados. Neste sentido, fugirá
a acusação de amor próprio e receberá o louvor de amor fraterno pelo Senhor que
disse: aquilo que tendes feito a um destes meus irmãos pequeninos, foi a mim
que o fizeste (cfr. Mt 25,40)[7].
São
Basílio tinha presente que o trabalho é um dever para ser cumprido pela pessoa
humana. Nosso Senhor Jesus Cristo disse que quem trabalha, tem o direito ao seu
sustento (cfr. Mt 10,10).
O Apóstolo Paulo afirma que trabalhar é procurar com as próprias mãos ajudar
aos mais necessitados (cfr. Ef 4,28),
de modo que é preciso trabalhar com diligência. É necessário dizer que mal seja
o ócio, se o Apóstolo afirma abertamente que quem não trabalha não come? Como
para cada um é necessário o alimento cotidiano, assim é necessário o trabalho
cotidiano[8].
São
Jerônimo, presbítero dos séculos IV e V, falou do trabalho como aviso contra o
ócio. É fundamental estar atento a qualquer trabalho manual para que o diabo
encontre a pessoa sempre ocupada. Se os apóstolos, que tinham o direito de
viver do Evangelho, trabalhavam com as próprias mãos para não serem peso a
ninguém, por que a pessoa não deveria procurar com o trabalho quanto é
necessário ao seu sustento? A pessoa pode cultivar no seu jardim árvores
frutíferas, que regadas com água, produzirão os seus frutos no devido tempo.
Procurar ir à pesca, transcrever os livros, de modo que a mão que procurará o
alimento, a leitura, saciará a alma. São Jerônimo teve presente os mosteiros do
Egito, que não aceitavam ninguém que recusasse o exercício do trabalho manual,
necessário para a salvação da alma[9].
Santo
Agostinho, Bispo de Hipona, dos séculos IV e V, aventou a ética do trabalho
porque se trata de um mandamento da lei de Deus, pois cada ser humano deve
prover a sua manutenção com o próprio trabalho. Neste sentido, o monge deverá
ter um tempo para o trabalho e não pode fugir deste dever com o pretexto de ter
de atender à contemplação[10].
O
trabalho é essencial na vida humana. Os Padres da Igreja o viram em profunda
unidade com a obra da criação de Deus, e em Jesus Cristo como obra de paz e de
amor em vista da salvação humana. Neste período de Pandemia, somos chamados a
viver em unidade com aqueles que trabalham e, sobretudo, com aqueles e aquelas
que estão em situação de desemprego. O Senhor Jesus Cristo abençoe a todos por
intercessão de São José Operário!
[1] Cfr. Trabalho. In: Dicionário Patrístico e de Antiguidades
Cristãs. Editora Vozes, Paulus, RJ, 2002, pg. 1376.
[2] Cfr.
Clemente aos Coríntios, 34, 1-4. In: Padres
Apostólicos, Paulus, São Paulo 1995, pg. 47.
[3] Cfr.
Aristides de Atenas, Apologia,
XV, 8. In: Padres Apologistas.
Paulus, São Paulo, 1995, pg. 52.
[4] Cfr.
Ireneu de Lião, V, 33,2, Paulus, São Paulo, 1995, pg. 606.
[5] Cfr.
Tertulliano, Apologetico, XLII,
1-2, a cura di A. Resta Barrile,. Oscar Mondadori, Bologna, 2005, pg. 149.
[6] Cfr.
Clemente Alessandrino, Gli
Stromati notte de vera filosofia, I, 25-26. Introduzione,
traduzione e note di Giovanni Pini, Edizioni Pauline, Torino, 1985, pgs.
210-215.
[7] Cfr.
Basilio il Grande, Regole
lunghe, 42,1-2. In: La
teologia dei padri, v. 3.
Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pg. 141.
[8] Cfr.
Basilio il Grande, Regole
lunghe, 37, 1. In: Idem,
pg. 143.
[9] Cfr. Girolamo, Le Lettere, IV,12,11. In: Idem, pg., 140.
[10] Cfr. De opere monachorum, 1-2; 16; 9.
In: Dicionário Patrístico e de
Antiguidades Cristãs, pg. 1376.
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