UMA CRONOLOGIA DAS APARIÇÕES DE JESUS RESSUSCITADO
[Este texto é de autoria do Mons. Charles Pope. Em sua tradução para a língua portuguesa, foi levemente adaptado, aqui e ali.] Nota da Equipe Nihil Praeponere do site padrepauloricardo.org.
Quando lemos os relatos da Ressurreição
no Novo Testamento, temos o desafio de colocar as cenas juntas, de forma que a
sequência dos eventos se desenvolva em ordem lógica. Isso se deve a que nenhum
Evangelho apresenta todas ou mesmo a maioria das informações. Alguns dados
também parecem conflitantes. Mas esses conflitos são, em
geral, apenas aparentes, e não conflitos de fato. Outra dificuldade em pôr os fatos lado
a lado de maneira coerente é que a sucessão deles não fica clara em alguns
relatos. Lucas e João
são os mais precisos quanto ao tempo dos eventos descritos, enquanto Mateus e
Lucas fornecem poucos parâmetros. Tanto os Atos dos Apóstolos quanto Paulo também oferecem
relatos em que a sucessão dos acontecimentos nem sempre fica clara.
Apesar disso, quero propor uma possível
e, ouso afirmar, até mesmo provável sequência dos acontecimentos da
Ressurreição. O trabalho é meu e não afirmo que o cenário seja certo ou se
apoie em alguma autoridade antiga reconhecida.
Minha proposta é simplesmente o
resultado de mais de 31 anos de oração e meditação sobre os eventos sucedidos
nos quarenta dias entre a Ressurreição do Senhor e sua Ascensão. Minhas reflexões baseiam-se o mais
solidamente possível na Bíblia, com uma pitada de especulação.
Compreendo que minha proposta irá
irritar alguns estudiosos bíblicos modernos que parecem insistir em que seria
errado tentar qualquer síntese dos textos, já que os próprios autores não
pretenderam fazer uma.
Mesmo assim, prossigo com minha ousadia,
na esperança de que o fiel se beneficie com isso e ache a síntese interessante.
Considere-a pelo que ela é: a obra de um pastor desconhecido que rezou e
procurou seguir com cuidado a sequência dos quarenta dias.
I. A manhã do primeiro dia
- Bem
cedo pela manhã, um grupo de mulheres, incluindo Maria Madalena,
aproxima-se do túmulo para concluir os costumes funerários em honra a
Jesus (cf. Mt 28,
1; Mc 16,
1; Jo 20,
1).
- Elas
veem o sepulcro aberto e ficam alarmadas.
- Maria
Madalena corre para contar a Pedro e João a notícia sobre prováveis
ladrões de túmulo (cf. Jo 20,
2).
- As
mulheres que permanecem no túmulo encontram um anjo, que lhes declara que
Jesus ressuscitou e que elas devem contar isso aos irmãos (cf. Mc 16, 5; Lc 24, 4; Mt 28, 5).
- A
princípio, as mulheres ficam assustadas e saem da tumba com medo de falar
(cf. Mc 16,
8).
- Recuperada
a coragem, elas decidem ir até os Apóstolos (cf. Lc 24, 9; Mt 28, 8).
- Enquanto
isso, Pedro e João vão ao túmulo para averiguar a alegação de Maria
Madalena. Esta, que segue atrás deles, chega de volta ao túmulo, enquanto
Pedro e João ainda estão lá. Pedro e João descobrem o túmulo vazio; eles
não encontram nenhum anjo. João acredita na ressurreição. Não sabemos a
que conclusão chegou Pedro.
- As
outras mulheres relatam aos demais Apóstolos o que o anjo na tumba lhes
tinha dito. Pedro e João ainda não voltaram do túmulo, e os outros
Apóstolos, a princípio, desprezam a história das mulheres (cf. Lc 24, 9-11).
- Maria
Madalena, demorando-se no túmulo, chora e tem medo. Ao olhar para dentro
da tumba, vê dois anjos que lhe perguntam o motivo do choro. Jesus então
se aproxima dela por trás. Sem olhar diretamente para Jesus, ela supõe que
seja o jardineiro. Quando Ele a chama pelo nome, Maria reconhece-lhe a
voz, vira-se e o vê. Cheia de alegria, ela tenta abraçá-lo. É a 1.ª aparição (cf. Jo 20, 16).
- Jesus
envia Maria de volta aos Apóstolos com a notícia, a fim de prepará-los
para seu aparecimento mais tarde naquele dia (cf. Jo 20, 17).
- As
outras mulheres deixaram os Apóstolos e estão a caminho, possivelmente de
volta para casa. Jesus lhes aparece (cf. Mt 28, 9) (depois de ter despedido
Maria Madalena). Ele também as envia de volta aos Apóstolos com a notícia
de que Ele ressuscitara e os verá em breve. É a 2.ª aparição.
II. A tarde e a noite do primeiro
dia
- Mais
tarde naquele dia, dois discípulos a caminho de Emaús refletem sobre os
rumores da Ressurreição de Jesus. Cristo então vem por trás deles, mas
eles não conseguem reconhecê-lo. Primeiro, Jesus explica-lhes as
Escrituras; em seguida, senta-se à mesa com eles e celebra a Eucaristia
[2], que é quando seus olhos se abrem e eles o reconhecem no partir do
pão. É a 3.ª
aparição (cf. Lc 24,
13-30).
- Os
dois discípulos voltam naquela mesma noite a Jerusalém e se dirigem aos
Onze. No início, aos Apóstolos não acreditam, assim como não tinham
acreditado nas mulheres (cf. Mc 16,
13). No entanto, os discípulos continuam a relatar o que vivenciaram. Em
algum momento, Pedro se afasta dos outros (talvez para uma caminhada?). O
Senhor aparece a Pedro. É a 4.ª
aparição (cf. Lc 24,
34; 1Cor 15,
5). Pedro informa os outros dez, que então acreditam. Assim, os discípulos
de Emaús (ainda com os Apóstolos) são agora informados (talvez como uma
desculpa) de que, de fato, é verdade que Jesus ressuscitou (cf. Lc 24, 34).
- Quase
ao mesmo tempo, Jesus aparece naquela pequena reunião dos Apóstolos e dos
dois discípulos de Emaús. É a 5.ª
aparição. Tomé está ausente, embora o texto lucano diga
que a aparição foi para “os onze” (o que, provavelmente, é apenas uma
forma abreviada de designar os Apóstolos como grupo). Eles se assustam,
mas Jesus os tranquiliza e explica-lhes as Escrituras (cf. Lc 24, 36ss).
- Há
certo debate quanto ao fato de Ele ter ou não aparecido a eles uma segunda
vez naquela noite. Os relatos de João e de Lucas têm descrições
significativamente diferentes sobre a aparição naquela primeira noite de
domingo. É apenas uma recontagem distinta sobre a mesma aparição ou
trata-se de uma aparição totalmente independente? Não é possível dizer com
certeza. Mesmo assim, uma vez que as descrições são tão diferentes,
podemos chamá-la de 6.ª
aparição (Jo 20,
19ss), embora seja provavelmente a mesma 5.ª aparição.
III. Intervalo
- Não
há nenhum relato bíblico sobre aparições de Jesus a alguém durante a
semana seguinte. O próximo relato da ressurreição diz: “Oito dias depois”,
ou seja, no domingo seguinte.
- Sabemos
que os Apóstolos disseram a Tomé que tinham visto o Senhor, mas ele se
recusou a acreditar (cf. Jo 20,
24).
- Os
Apóstolos estavam nervosos porque Jesus não aparecera novamente a cada
dia? Não o sabemos; não há relatos sobre o que aconteceu nesse intervalo.
IV. Uma semana depois, no segundo
domingo
- Jesus
aparece mais uma vez (é a 7.ª
aparição) aos Apóstolos reunidos. Desta vez Tomé está com
eles. Nosso Senhor chama Tomé à fé, e naquele momento ele professa que
Jesus é seu Senhor e seu Deus (cf. Jo 20,
24-29).
V. Segundo intervalo
- Os
Apóstolos tinham recebido instruções para voltar à Galileia (cf. Mt 28, 10; Mc 16, 7), onde
veriam Jesus. Eles passaram parte desse intervalo viajando 60 milhas para
o norte, viagem que teria levado um tempo considerável. Podemos
imaginá-los em viagem para o norte durante esses dias intermediários.
VI. Algum tempo depois
- O
prazo da próxima aparição é um tanto vago. João diz apenas: “depois
disso”. Provavelmente, é uma questão de dias ou de uma semana, na melhor
das hipóteses. A cena se passa no mar da Galileia; nem todos estão
presentes. Alguns Apóstolos foram pescar, e Jesus os chama da beira do
lago. Eles voltam à praia e o veem (é a 8.ª aparição).
Pedro tem um diálogo comovente com Jesus e é encarregado de cuidar do
rebanho de Cristo (cf. Jo 21).
- A
aparição aos 500. — De todas as aparições, pode-se pensar que esta
teria sido a registrada com mais detalhes, já que foi testemunhada por um
grande número de pessoas. Sobre isso, parece que muitos relatos teriam
existido e que pelo menos um deles deveria ter entrado nas Escrituras. No
entanto, a única coisa que se diz é que ela de fato aconteceu. Paulo a
menciona em 1Cor 15,
6: “Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais a
maior parte ainda vive (e alguns já são mortos).” É a 9.ª aparição. Onde
isso aconteceu? Como foi? Qual foi a reação? Nós simplesmente não o
sabemos. Isso prova mais uma vez que a Bíblia não é um livro de história
no sentido convencional. Em vez disso, é um relato altamente seletivo do
que aconteceu, não um relato completo. A Bíblia não afirma ser algo que
ela não é. E está claro que ela é em um livro seletivo (cf. Jo 20, 30: “Fez
Jesus, na presença dos seus discípulos, ainda muitos outros milagres que
não estão escritos neste livro”).
- A
aparição a Tiago. — Aqui, novamente, não temos uma descrição da
aparição, mas apenas uma observação de Paulo, que diz que ela de fato
aconteceu: “Depois, Ele apareceu a Tiago” (1Cor 15, 7). É a 10.ª aparição. O
tempo dessa aparição não fica claro. Sabemos apenas que ela aconteceu
depois da aparição aos 500 e antes da aparição final aos Apóstolos.
VII. Os outros quarenta dias
- Jesus
certamente fez outras aparições aos discípulos. Lucas o atesta nos Atos dos Apóstolos quando
escreve: “A eles se manifestou vivo depois de sua Paixão, com muitas
provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas do
Reino de Deus” (At 1,
3).
- Nesse
período, talvez haja uma aparição que possamos atribuir especificamente a
este tempo, como registrado por Mateus (cf. 28, 16ss) e Marcos (cf. 16,
14ss). Ela aconteceu no “topo de uma montanha na Galileia”. Marcos
acrescenta que eles estavam reclinados à mesa. Refiro-me a esta aparição
(período de tempo incerto) como a 11.ª aparição. É aqui que Jesus lhes
dá a grande missão de evangelizar. Embora o texto de Marcos pareça indicar
que Jesus foi elevado aos céus desta montanha, a conclusão é precipitada,
pois Marcos só indica que Jesus ascendeu apenas “depois de ter falado com
eles” (Mc 16,
19) [3].
- Evidentemente,
Jesus também os convocou de volta a Jerusalém, pelo menos ao cabo do
período de quarenta dias. Lá eles estariam presentes para a festa de
Pentecostes. Podemos imaginar aparições frequentes com instrução contínua,
pois Lucas registra que Jesus “ficou com eles”. A maioria dessas aparições
e discursos não está registrada. Lucas escreve nos Atos dos Apóstolos: “E
comendo com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que
esperassem aí o cumprimento da promessa de seu Pai, ‘que ouvistes’ —
disse Ele — ‘da minha boca; porque João batizou na água, mas vós sereis
batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias’” (At 1, 4).
VIII. A aparição final e Ascensão
- Após
quarenta dias de aparições e instruções, temos um relato final da última
aparição (a 12.ª)
em que Ele os conduz a um lugar perto de Betânia e lhes dá as instruções
finais para esperar em Jerusalém até que o Espírito Santo seja enviado.
Ele então é levado ao céu à vista deles (Lc 24, 50-53; At 1, 1-11).
Eis aqui uma cronologia possível e, se
posso dizer, provável das aparições do Ressuscitado. É uma síntese que tenta
coligir todas as informações e apresentá-las em sequência lógica. Há limites
para o que podemos esperar dos relatos das Escrituras. Encaixá-las
perfeitamente numa sequência lógica não é o que os textos se propõem a fazer.
Mesmo assim, essa sequência cronológica pode ser útil e é com esse espírito que
a apresento.
Fonte: site Padre Paulo Ricardo
https://somoscatolicos.com.br/uma-cronologia-das-aparicoes-de-jesus-ressuscitado/
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