Gloriemo-nos na Cruz de Cristo
Sermão Güelferbitano 3
A paixão de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo é um objeto de glória e um ensinamento de paciência. Pois, o que
deixará de esperar da graça de Deus o coração dos fiéis, se por eles, o Filho
único de Deus, coeterno com o Pai, não se contentou em nascer como um homem
entre os homens, mas inclusive quis morrer pela mão daqueles homens que Ele
mesmo tinha criado?
Grande é o que o Senhor nos promete para
o futuro, mas é muito maior ainda aquilo que celebramos recordando o que já fez
por nós. Onde estavam, ou quem eram, aqueles ímpios por quem Cristo morreu?
Quem duvidará que possa deixar de dar sua vida aos santos, se Ele mesmo
entregou sua morte aos ímpios? Por que ainda vacila a fragilidade humana em
acreditar que um dia será realidade que os homens vivam com Deus?
O que já se realizou é muito mais
incrível: Deus morreu pelos homens.
Porque quem é Cristo, senão aquele de
quem diz a Escritura: No princípio já existia a Palavra, e a Palavra estava
junto a Deus, e a Palavra era Deus? Esta Palavra de Deus se fez carne e habitou
entre nós. Ele não possuiria o que era necessário para morrer por nós se não
tivesse tomado de nós uma carne mortal. Assim o imortal pôde morrer. Assim pôde
dar sua vida aos mortais: e fará que mais tarde tenham parte em sua vida
aqueles cuja condição Ele primeiro se fez partícipe. Pois nós, por nossa
natureza, não tínhamos possibilidade de viver, nem Ele, pela sua, possibilidade
de morrer. Ele fez, pois, conosco este admirável intercâmbio, tirou de nossa
natureza a condição mortal e nos deu da sua a possibilidade de viver.
Portanto, não só não devemos nos
envergonhar da morte de nosso Deus e Senhor, como temos que confiar nela com
todas as nossas forças e nos gloriarmos nela por cima de tudo: pois ao tirar de
nós a morte, que em nós encontrou, prometeu-nos com toda a sua fidelidade que
nos daria em si mesmo a vida que nós não podemos chegar a possuir por nós
mesmos. E se aquele que não tem pecado nos amou a tal ponto que por nós,
pecadores, sofreu o que tinham merecido nossos pecados, como depois de nos
haver justificado, deixará de nos dar o que é justo? Ele, que promete com
verdade, como não vai nos dar os prêmios dos santos, se suportou, sem cometer
iniquidade, o castigo que os iníquos lhe infligiram?
Confessemos, portanto, intrepidamente,
irmãos, e declaremos bem às claras que Cristo foi crucificado por nós: e
façamo-lo não com medo, mas com júbilo, não com vergonha, mas sim com orgulho.
O apóstolo Paulo, que se deu conta deste
mistério, proclamou-o como um título de glória. E embora pudesse recordar
muitos aspectos grandiosos e divinos de Cristo, não disse que se gloriava
destas maravilhas –que tivesse criado o mundo, quando, como Deus que era,
achava-se junto ao Pai, e que tivesse imperado sobre o mundo, quando era homem
como nós–, mas sim disse: Deus me livre de me gloriar a não ser na Cruz
de nosso Senhor Jesus Cristo.
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