O ESPÍRITO SANTO NOS PADRES DA IGREJA (I)
Por Prof. Roque Frangiotti
Como se desenvolveu a reflexão teológica dos primeiros séculos em torno do Espírito Santo? Qual foi o espaço que o Espírito Santo ocupou na vida, na liturgia e nas disputas teológicas no chamado “período patrístico”? Quando começou a se definir a personalidade do Espírito Santo na reflexão patrística? Poderíamos afirmar que o Espírito Santo, sempre presente na vida de oração, nas celebrações litúrgicas, não tinha essa mesma presença nas elaborações teológicas, na sistematização do pensamento cristão? Este artigo pretende verificar até onde o Espírito Santo foi objeto de uma reflexão teológica entre os Padres da Igreja, e a partir de quando.
1.
A centralização cristológica
Hoje a reflexão teológica
e a vivência eclesial estão particularmente sensíveis à reflexão sobre o Espírito
Santo. Até a realização do Concílio Vaticano II, contudo, tinha-se a amarga constatação
de que o Espírito Santo era o grande esquecido e o eterno desconhecido tanto da
piedade cristã quanto da vivência eclesial e das reflexões sistemáticas da teologia.
A sede de espiritualidade que brotou a partir da dinâmica desenvolvida pelo Concílio
Vaticano II — e que tomou conta do homem contemporâneo —, a vivacidade das comunidades
eclesiais e grupos cristãos comprometidos que exprimem criativamente a fé e um mais
orgânico aprofundamento teológico, concorrem para maior revalorização do lugar e
da função do Espírito Santo na vida cristã em geral, atingindo, de modo especial,
a Igreja católica.
Nas origens do cristianismo;
deu-se aquilo que ficou conhecido como Pentecostes: um vento forte perpassou a comunidade
cristã primitiva e todos os seguidores de Jesus sentiram-se abalados, sacudidos,
envolvidos num clima de entusiasmo, de euforia, de alegria escatológica. Nasceu
aí a esperança inaudita de um retorno imediato do Senhor para proceder ao julgamento
da história, premiando os bons e punindo os maus da face da terra. Esse entusiasmo,
essa alegria, os dons e carismas que invadiam as comunidades eram atribuídos à presença
do Senhor ressuscitado, na forma, ou se se quiser antecipar, na pessoa do Espírito
Santo.
Contudo, devemos reconhecer
que, se os escritos do Novo Testamento — e mesmo dos Padres da Igreja — estão repletos
de menções e referências ao Espírito Santo, a reflexão teológica e sistemática só
vai se ocupar dele a partir dos meados do século IV. O problema principal e central
que dominou a consciência e a inteligência dos Padres capazes de pensar, escrever,
discutir e polemizar, foi, sem dúvida, o cristológico. Por várias razões, tinham
de se explicar sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Tinham de precisar a relação
que se podia estabelecer entre Jesus e o Pai, ou de precisar qual era sua natureza,
seu lugar e função na história da salvação. Como podia e devia se entender a relação
deste homem com Deus Pai? Era ele o Filho de Deus por natureza ou por adoção? Era
apenas um profeta a mais? Era o profeta definitivo, escatológico? De qualquer modo
que se responda a essas interrogações, o certo é que Jesus de Nazaré, chamado o
Cristo, tornou-se o centro das discussões, das reflexões e das controvérsias nos
primeiros séculos.
Desse modo, vamos encontrar
as primeiras linhas de uma teologia do Espírito Santo ou, se se quiser, de uma pneumatologia,
só a partir do século IV.
1.
Menções do Espírito Santo no século II
As
primeiras linhas de uma teologia do Espírito Santo, no século II, caracterizam-se
por uma concepção dinâmica. Sirva de exemplo esta passagem de santo Ireneu: “Senhor,
único e verdadeiro Deus, faça que domine em nós, por meio do nosso Senhor Jesus
Cristo, o Espírito Santo”[1]. De modo semelhante, Ireneu
explica na Demonstração da pregação apostólica
I, 1,6s: “O
terceiro fator principal é, pois, o Espírito Santo, por meio do qual os profetas
profetizaram e os pais aprenderam as coisas divinas, os justos caminharam na estrada
da justiça, o qual na plenitude dos tempos foi derramado de novo sobre a humanidade
e sobre o mundo inteiro para recriar os homens para Deus. O nosso renascimento no
Batismo é efetivado por estes três fatores, enquanto o Pai nos dá a graça do renascimento
mediante o Filho no Espírito Santo. Aqueles que, de fato, recebem e levam em si
o Espírito Santo são guiados ao Verbo, isto é, ao Filho. O Filho, por sua vez, os
guia ao Pai, e o Pai os torna participantes da imortalidade. Sem o Espírito não
se pode ver o Verbo de Deus, e sem o Filho ninguém pode ir ao Pai. De fato, o saber
do Pai é o Filho. Mas o saber do Filho de Deus se obtém mediante o Espírito Santo,
e o Filho dispensador doa o Espírito por beneplácito do Pai, àqueles que o Pai quer
e como quer”.
Estudiosos
da problemática do Espírito Santo nos Padres da Igreja dizem que o esquema conceitual
aplicado para explicar as relações entre as pessoas divinas é devedor, como em outras
áreas da teologia, de formas expressivas e conceituais helênicas. No caso específico
de conceituar o Espírito Santo, o esquema teria procedido da II Epístola do pseudo-platão
(312). De fato, esta passagem enigmática diz: “Tudo está em torno do rei de tudo,
e todas as coisas belas são dele; as coisas segundas estão em torno do segundo;
as terceiras, em torno do terceiro”. Ora, este texto, a partir de Justino, na I Apologia 60,5-9, diz: “Ao falar ao
terceiro princípio, devemos também ao fato de ter lido, como dissemos, em Moisés
que o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Com efeito, Platão dá o segundo lugar
ao Verbo, que vem de Deus e que ele disse estar espalhado em forma de X no universo;
e dá o terceiro lugar ao Espírito que se disse pairar sobre as águas, e assim fala:
‘E o terceiro sobre o terceiro’, foi referido a outros textos platônicos e aplicado
a Gn 1,1ss, no qual se encontra Deus, que ‘diz’ (portanto, Palavra de Deus) e o
Espírito de Deus que estava sobre as águas”. A fórmula pseudoplatônica parece assim
um esquema útil para explicar as relações intercorrentes entre Pai, Deus primeiro,
e Logos, Deus segundo, e o Espírito Santo, Deus terceiro.
Na
constatação da unidade de ação do Verbo e do Espírito Santo não é de se estranhar
se, nesse período no qual a doutrina não está ainda desenvolvida, forem encontradas
algumas inseguranças. Teófilo de Antioquia, por exemplo, faz coincidir o Espírito
com a Palavra e, respectivamente, com a Sabedoria de Deus. Assim, em A Autólico I,7, afirma: “É Deus que
cura e vivifica através do Verbo e da Sabedoria. Deus fez tudo através do seu Verbo
e da sua Sabedoria. Por seu Verbo foram estabelecidos os céus e por seu Espírito
toda a força deles. Sua Sabedoria é poderosíssima. Por sua Sabedoria, Deus colocou
os alicerces da terra”. Já em A Autólico
II,15, se expressa assim, para estabelecer as relações da trindade com
a criação: “Igualmente os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo
da Trindade, de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria. No quarto símbolo está o
homem, que necessita de luz. Assim temos: Deus, Verbo, Sabedoria, Homem. Como se
pode observar, não se consegue clareza nem distinção entre o Filho e o Espírito
em relação às funções-papéis na criação do universo. A terminologia permanece confusa.
Ora a “Sabedoria” designa o Verbo, ora o Espírito, como podemos ler no capítulo
18 desse mesmo livro de Teófilo: “Além disso, Deus se apresenta como se precisasse
de ajuda, pois diz: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança’, mas não diz a
ninguém essa palavra ‘façamos’, a não ser a seu próprio Verbo e à sua Sabedoria”.
Em
Atenágoras de Atenas, o Espírito é definido como uma “emanação do Pai”, como se
pode ler em sua obra Petição
em favor dos cristãos 10: “Com efeito, dizemos que o mesmo Espírito
Santo, que opera nos que falam profeticamente, é uma emanação de Deus, emanando
e voltando como um raio de sol. Portanto, quem não se surpreenderá ao ouvir chamar
de ateus indivíduos que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e um Espírito Santo,
que mostram seu poder na unidade e sua distinção na ordem?”. Já há, aqui, como se
pode observar, uma das primeiras articulações da teologia trinitária. Nela o Filho
de Deus é o Verbo coeterno, intermediário único da criação. Do Espírito Santo só
se diz que, no conjunto dos três mostra seu poder com os outros dois. No capítulo
24,1-2, há uma nova tentativa de explicitação da natureza e da função da trindade:
“De fato, assim como confessamos Deus, o Filho, que é o seu Verbo, e o Espírito
Santo, identificados segundo o poder, mas distintos segundo a ordem: o Pai, o Filho
e o Espírito, porque o Filho é inteligência,
Verbo e Sabedoria do Pai, e o Espírito, emanação como luz do fogo…”.
2.
O desenvolvimento da reflexão sobre o Espírito
Santo no século III
Encontramos no século III,
isto é, a partir dos primeiros decênios dos anos 200, uma teologia que se aplica
ao estudo das relações Pai-Filho de modo mais organizado, mais completo e estruturado.
A reafirmação da unicidade de Deus — isto é, da monarquia divina — é integrada com
a ideia de sua íntima organicidade funcional (economia divina). É por esta via que
o estudo teológico do Espírito Santo começa a melhor se definir. É quanto se verifica,
por exemplo, em Tertuliano, Hipólito e, sobretudo, em Orígenes.
Em
Tertuliano, o Espírito é “o terceiro nome da divindade” e o “terceiro em relação
a Deus Pai e a Deus Filho” (A
Práxeas, 30,5). O Espírito é a “vicaria
vis” do Filho, na Prescrição dos heréticos, 13,5. O Espírito
é o único capaz de explicar a íntima vida divina. Pai, Filho e Espírito Santo são,
para Tertuliano, concebidos numa forma de conjugação especial pela qual são unidos,
mas não se identificam intercorrendo entre eles uma relação semelhante àquela que
ocorre entre raiz, ramo e fruto, ou então, entre a fonte, o rio e o riacho, ou ainda,
entre o sol, o raio e a ponta deste raio que toca as coisas (A Práxeas, 87). É bom lembrar que
Tertuliano é o primeiro dos Padres da Igreja latina a usar a expressão “Trinitas”. Teófilo de Antioquia, algumas dezenas
de anos antes já usara o grego “trías”
(A Aut. II,15), identificando
o Espírito com a Sabedoria, numa fórmula teológica mais arcaica.
Para
Hipólito de Roma, o Logos, a segunda pessoa, é igual ao prósopon ao lado do Pai, que domina
sobre tudo, e o Filho é em tudo ativo, enquanto o Espírito Santo é aquele que está
em tudo: é nele, no Espírito, que cremos no Filho (Contra Noeto 12).
Mas será Orígenes que criará
a formulação mais completa e sistemática de uma teologia trinitária neste período
e, de um particular reconhecimento também do Espírito Santo. Orígenes entendeu responder
a várias questões teológicas sutis que andavam surgindo a respeito, por exemplo,
do caráter gerado ou ingerado do Espírito Santo ou, antes, se o Espírito Santo tinha
ou não uma substância própria.
No
afrontar esses e outros problemas, Orígenes se atém, de um lado, à fórmula trinitária
de Mt 28,19, e, de outro lado, se esforça por levar em conta aquilo que a instrumentalização
teológico-racional à qual recorre impôs-lhe coerentemente deduzir. De modo sumário,
pode-se dizer que a posição originária consiste em entender a trindade como uma
espécie de círculo concêntrico inscrito um dentro do outro do qual o mais amplo
é representado pelo Pai, único ingerado, que tem domínio sobre todas as criaturas.
O círculo intermédio é representado pelo Filho-Logos, dominante sobre as criaturas
racionais. E o círculo menor, no interior, é constituído pelo Espírito, que tem
domínio sobre a realidade espiritual (De
princ. I,5:7).
A concepção originista da
trindade é, como se vê, nitidamente gradual. Daqui a atenção colocada por Orígenes
sobre as operações internas seja do Pai, do Filho, seja do Espírito Santo, que,
sendo plenamente hipóstase intelectual existente e subsistente, por si, vem a ter
uma função específica na história da salvação. Originado pela mediação do Logos,
ele é, para Orígenes, uma realidade inferior em relação àquela do qual teve origem.
É verdade que da metade
do século III até os primeiros decênios do século IV, a posição do Espírito Santo
na teologia aparece pouco clara, e ainda muito escassamente definida.
1.
De Niceia a Constantinopla (325-381)
O Concílio de Niceia, realizado
em 325, não acrescentou praticamente nada em relação à pessoa e ao lugar do Espírito
Santo na Trindade. Nada definiu a seu respeito. Limitou-se a registrar, no credo:
“Cremos no Espírito Santo”. Posteriormente, em plena controvérsia ariana, depois
de 360, surgiu uma tendência entre tantas outras que disputavam sobre a natureza
e o lugar do Espírito Santo em relação ao Pai e ao Filho.
O Concílio de Niceia convocado,
dirigido e dominado pelo imperador Constantino, deu o golpe decisivo no arianismo.
Dele participaram 308 bispos orientais, 5 bispos ocidentais e 2 presbíteros romanos.
Com referência à fé batismal, definiu a divindade de Cristo como “Filho de Deus,
unigênito, da mesma substância do Pai, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado não criado”. Contudo, o Espírito Santo é apenas mencionado no credo, não
merecendo nenhum destaque ou atenção especial.
Após o Concílio, surgiu
um conflito que envolveu autoridades eclesiásticas e civis, um conflito de política
eclesiástica. Depois da morte de Constantino, em 337, tornou-se mais sensível a
exigência de uma confissão de fé unitária, capaz de conciliar as facções saídas
da definição de Niceia. O confronto assumiu caráter mais estritamente teológico
a partir da metade do século IV, quando o movimento ariano, sob a liderança de Aézio
e de Eunômio, radicalizou e enrijeceu as próprias concepções. Ganha espaço, então,
aqueles que se opunham ao reconhecimento da divindade do Espírito Santo e que tinham
como protagonista a Macedônio, bispo de Constantinopla entre os anos 342-360.
Macedônio, depois de longo
tempo como diácono da Igreja constantinopolitana, tornou-se presbítero por volta
de 332-335. Quando o imperador Constâncio exilou o bispo ortodoxo, isto é, um não
ariano, e colocou na sede de Constantinopla Eusébio de Nicomédia, Macedônio saiu
reforçado. Com a morte de Eusébio, Macedônio foi eleito bispo, pelo partido ariano.
Elevado à sede episcopal da capital do império oriental, cuidou para elevar às sedes
vacantes de sua diocese apenas presbíteros arianos. Com isso, o império tornou-se
praticamente ariano.
A
partir de 380, tornou-se costume o emprego do termo “macedonianos” para designar
aqueles que negavam a divindade do Espírito Santo, isto é, negavam a sua consubstancialidade
com o Pai e com o Filho, considerando-o uma espécie de entidade intermédia entre
Deus e as criaturas. Este movimento ficou conhecido também com o nome de pneumatômacos,
isto é, hostis ao Espírito Santo. São Jerônimo, em seu Chronicon de 380, refere-se a esta
heresia com uma menção explícita a seu “fundador”: “Macedônio (…) foi feito bispo
dos arianos no lugar de Paulo. Dele deriva a atual heresia macedoniana”. Também
Dídimo, o cego, em seu De
Trinitate, menciona frequentemente dos “macedonianos” e afirma que o
heresiarca é Macedônio, ordenado bispo dos arianos.
Bem
antes do Concílio de Constantinopla, Dídimo escreveu em Alexandria uma extensa compilação
de textos escriturísticos em 63 capítulos intitulada De Spiritu Sancto, que se tornou uma
das melhores obras da antiguidade sobre o tema. Foi traduzida para o latim por Jerônimo.
No Ocidente apareceu também uma obra (em três livros) de Santo Ambrósio, sobre o
Espírito Santo, mas já datada de 381, ano da realização do Concílio constantinopolitano.
Nela, Ambrósio mostra que o Espírito Santo é como o Filho, consubstancial ao Pai,
sendo, pois, Deus verdadeiro. Mas essa obra é pouco original e inteiramente tributária
à de Dídimo, o cego, e apoiada ainda nos escritos de Santo Atanásio e de Basílio
de Cesareia.
Esse
período constituiu-se no grande momento de Atanásio, extremo defensor de Niceia
e que trouxe uma contribuição decisiva para a afirmação da doutrina da trindade.
Ele polemizou fortemente com aqueles que interpretavam as expressões das Escrituras
sobre o Espírito Santo em sentido “figurado”, e que eram também conhecidos por “tropici”. O Espírito Santo deve ser compreendido,
no seio da Trindade, no sentido do movimento circular interno, o que se explica
com o termo pericórese ou circuminsessio — movimento de união
intratrinitária. O Espírito não é uma “criatura” como sustentavam os “tropici”, os macedonianos ou os pneumatômacos:
Ele é consubstancial ao Pai e ao Filho.
Mas
foi, definitivamente, decisiva para a clarificação da convergência doutrinária a
contribuição e a influência dos Padres capadócios: Basílio de Cesareia, Gregório
de Nissa, seu irmão, e Gregório Nazianzeno, seu grande amigo. Essa contribuição
se inscreve não somente no campo da reflexão teológica, da especulação, mas principalmente
pela experiência vivida na vida monástica que levavam, apesar de serem bispos. A
eles se deve a elaboração da distinção lógica entre hipóstase e ousia
que permite clarear a fórmula que se tornou normativa para a fé da Igreja:
uma natureza (ousia) e três pessoas
(hipóstases) em Deus.
Foi
principalmente Basílio, na sua obra Sobre
o Espírito Santo de 375, aquele que, em coerência com a fé batismal,
mostrou como o Espírito Santo é parte da Trindade como terceira pessoa doadora de
toda vida e digno da mesma adoração que se presta ao Pai e ao Filho e, por isso,
substancialmente distinto de todos os outros espíritos. Esclareceu-se também que,
a respeito da origem do Logos do Pai, se distinguia a origem do Espírito Santo,
o qual procede do Pai e do Filho. A distinção entre o Pai e o Filho, fundada sobre
a oposição entre gerador e gerado, corresponde à distinção do Pai e do Filho, que
representam o aspirante, pelo Espírito, qual objeto aspirado. Basílio insiste contra
os pneumatômacos, sobre o fato de que o Espírito Santo não é uma criatura, que é
digno da mesma honra reservada ao Pai e ao Filho, está no mesmo nível, ele é conumerado[2].
Passos
ulteriores foram dados por Gregório de Nazianzeno que aprofundou o conceito de pericórese intratrinitária, afirmando
que a especificidade do Espírito Santo é a de “provir”, de “proceder” do Pai, participando
da substância ou essência dele como a especificidade do Filho é a de ser “gerado”.
Mas é, sobretudo, com Gregório de Nissa, irmão de Basílio, nas polêmicas que empreendeu
contra Eunômio e os macedonianos, que acusavam os capadócios com suas especulações
trinitárias de cair no triteísmo, que se alcança a resolução doutrinal mais nítida
a respeito do Espírito Santo. Gregório parte das operações das pessoas divinas,
que são distintas, mas que testemunham uma única essência. Quanto ao Espírito Santo,
tem a característica de ser de Deus e de Cristo provindo do Pai e sendo recebido
pelo Filho. Assim, o Pai é toda a potência, o Filho é potência do Pai e o Espírito
é o Espírito da potência do Filho. Portanto, como ao Pai e ao Filho assim também
ao Espírito Santo ocorre endereçar a adoração suprema.
No
mesmo período, Dâmaso de Roma e Ambrósio de Milão induziram a Igreja ocidental a
aceitar a ortodoxia nicena, compreendida a doutrina sobre a divindade do Espírito
Santo e a exclusão explícita das posições sabelianas[3].
O influxo de Basílio, Gregório
de Nissa e Gregório Nazianzeno no Oriente se faz sentir no Concílio de Constantinopla
e na sucessiva especulação grega, a qual será sempre contracenada pelo equilíbrio
entre a reflexão sobre a trindade em si mesma e a sua manifestação histórico-salvífica.
O Espírito Santo é visto, por isso, na pneumatologia grega, como princípio pessoal
de divinização da criatura que, na força do Espírito, volta ao Pai. Nessa visão,
o Espírito Santo se identifica com a própria fé, com a inteligência das Escrituras.
Ele orienta o comportamento ético dos homens na comunhão com Deus. O Espírito Santo
não constitui para os Padres gregos uma teologia douta, mas o horizonte mesmo da
inteligência-inteligibilidade do mistério cristão como mistério da salvação.
________________
[1] As citações de Ireneu,
Justino, Teófilo e Atenágoras são tiradas da nova tradução publicada na coleção
“Patrística” da Editora Paulus.
[2] Basílio de Cesareia, Sobre o Espírito Santo, col. “Patrística”,
S. Paulo, Paulus. Pode-se ler na Introdução desta obra um relato histórico das questões
discutidas e dos principais protagonistas que se digladiavam em torno da divindade
do Espírito Santo.
[3] Idem.
(Continua no próximo Domingo...)
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