sábado, 25 de junho de 2022

REFLEXÃO DOMINICAL II

Homilia de Dom Henrique Soares da Costa – XIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

1Rs 19,16b.19-21; Sl 15; Gl5,1.13-18; Lc 9,51-62

Não há coisa mais radical e louca que ser cristão; não há maior aventura… Pena que os cristãos estejam perdendo essa percepção e o Evangelho muitas vezes apareça como algo certinho, cômodo e domesticado. Tantas vezes considerou-se que para ser um bom cristão bastaria ser bem comportado! Ora, não é isto que a Palavra do Senhor nos ensina!

Jesus durante toda a sua vida caminhou para o Pai, teve no Pai sua única meta, pelo Pai e o seu Reino, fez loucuras. Por isso, já no capítulo nove do seu evangelho, São Lucas no-lo apresenta subindo para Jerusalém, para sua partida para o Pai: “Quando chegou o tempo de Jesus ser levado para o céu, então tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. Ao pé da letra, são Lucas diz: ele voltou decididamente o rosto para Jerusalém… Este é o caminho de Cristo: ir subindo até a Cidade Santa, e de Jerusalém, para o Pai, atravessando o mistério da paixão, da cruz e da morte, para chegar à ressurreição. Ele vai à frente, no caminho, o seu caminho, e nos desafia a segui-lo. Quem quiser ser seu discípulo, deve segui-lo neste caminho! Basta recordar o domingo passado: deixar tudo… renunciar-se… tomar a cruz de cada dia… e segui-lo. Hoje, no caminho, ele nos previne: “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. E exige que coloquemos tudo abaixo dele, até pai e mãe… É assim que Jesus quer seus discípulos: totalmente comprometidos com ele, absolutamente! E afirma claramente: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está pronto para o Reino de Deus”.

Jesus é tão claro! Ele exige tanto de nós porque somente ele nos pode dar tudo: o sentido da vida, o amor de Deus, a paz verdadeira e perene e a vitória sobre a morte. Ele nos revela e nos dá um Deus que é todo amor, todo carinho, todo perdão, todo piedade, um Deus que é o rochedo de nossa existência. Mas, também, um Deus exigentíssimo! Não se pode ser cristão pela metade! São Paulo, na segunda leitura de hoje, exprime muito bem esta realidade: Cristo nos libertou para a liberdade de uma vida nova, vida na graça de Deus, vida impulsionada pelo Espírito do Ressuscitado. É esta a liberdade do discípulo de Jesus; uma liberdade diversa do conceito de liberdade que o mundo apregoa. O cristão é livre não porque faz o que quer; é livre porque quer somente a vontade de Deus manifestada em Cristo Jesus: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!” E, aí, o Apóstolo nos previne: “Não façais dessa liberdade um pretexto para servirdes à carne”. “Carne” é tudo quanto pertence ao homem velho, tudo quanto manifesta o velho egoísmo de uma vida centrada em si mesmo e não em Deus, que se dá no Cristo Jesus! “Carne” é tudo aquilo que é lógica deste mundo e não lógica do Evangelho! Pode ser a lógica da ganância, da sensualidade e da imoralidade, da religião interesseira à procura de milagres, curas e benefícios materiais… tudo isso é carne: a descrença, a impiedade, a vulgaridade e o comodismo no modo de viver…

Há, portanto, dois modos de construir nossa existência. Um, segundo a carne, isto é, segundo o homem velho, com seu modo de pensar, com sua razão entregue a si mesma, com uma lógica meramente humana e, muitas vezes, pecaminosa. O outro, a vida segundo o Espírito do Ressuscitado. É a vida do cristão que, impulsionando e sustentado pelo Espírito do Senhor, abre-se para Deus, superar-se a si mesmo e seu modo meramente humano de pensar, e caminha incessantemente para o Cristo, até alcançar a estatura do homem novo, “o estado do Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13).

A medida e o ideal de vida do cristão não podem ser aqueles apresentados pela moda e pelo pensamento dominante do mundo atual. Nosso caminho é Cristo, nosso critério é Cristo, nossa medida é Cristo, nosso modo de viver deve ser o de Cristo Jesus! O grande desafio dos cristãos de hoje é redescobrirem que sua vida, seu modo de ser e de agir devem ser diferentes, simplesmente porque eles são discípulos do Senhor Jesus!

Mas estejamos bem atentos: isso somente é possível quando encontramos de verdade o Senhor em nossa vida, quando por ele nos encantamos, quando somos invadidos pelo seu amor. Observemos que no evangelho de hoje – e de sempre – o cristianismo nasce de um encontro no caminho… um encontro marcante e transformador com Jesus. Só esta experiência é capaz de nos fazer entrar no caminho e aceitar as exigências do Senhor. Em outras palavras: o cristão, ou é um amigo de Cristo ou não é cristão; ou tem uma experiência de amizade com o Senhor ou jamais vai compreendê-lo de fato. É preciso insistir nisso, mais que nunca: o cristianismo não é uma doutrina, não é uma moral, não é uma ideologia, não é uma proposta política de justiça social para o mundo! Tudo isso é secundário! O que nos faz cristãos, é ter sido encontrados por Cristo no caminho, ter sido seduzidos por ele e tê-lo seguido, dizendo, meio responsáveis, meio loucos; “Senhor, eu te seguirei para onde quer que vás”. Que o Senhor nos conceda a graça da paixão por ele, a graça de segui-lo, a graça de testemunhá-lo com a carne da nossa vida de cada dia, como nossos irmãos de há dois mil anos atrás, quando ele tomou o caminho de Jerusalém, para a cruz e a ressurreição. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa

https://www.presbiteros.org.br/homilia-de-dom-henrique-soares-da-costa-xiii-domingo-do-tempo-comum-ano-c/

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