REFLEXÃO DOMINICAL I
Opção por ou contra Cristo
Sempre
falando no Fim, Lc traz, no evangelho de
hoje, a palavra de Jesus dizendo que veio trazer fogo à terra. Palavra que
deixa transparecer ainda a participação de Jesus na efervescência escatológica
de seu tempo (como aquela outra: 10,18: “Eu via Satanás cair do céu qual relâmpago!”).
Jesus não era um desses teólogos que falam com termos assépticos. Partilhava a
linguagem apocalíptica de seu tempo. Experimentava o Reino de Deus como uma
força que vinha sobre ele. Por isso, não diz apenas que ele deve administrar um
batismo de fogo (cf. 3,16), mas que ele mesmo deve ser imerso neste batismo
escatológico; e como o deseja (12,50)! O Espírito de Deus veio sobre Jesus como
fogo, ele viveu na obediência, recebeu sua missão escatológica, na fé e na
esperança. E, por isso, é mais ainda nosso Redentor: porque ele é o protótipo
de nossa fé. Podemos crer com ele. A fé não nos separa de Jesus, colocando-o do
outro lado, como “objeto”. Somos com ele co-sujeitos da sua fé: ouvintes da
palavra do Pai.
A 2ª leitura nos
propõe, exatamente, Jesus como o supremo exemplo de fé (depois de Hb 11 ter
oferecido todo um elenco de exemplos; cf. dom. pass.). Ele é o autor e
consumidor de nossa fé. Como ele assumiu sua “corrida” e, transformado em sinal
de contradição para o mundo, a levou corajosamente até o fim, nós também a
devemos assumir e percorrer até o fim. Com Cristo, corremos ao encontro do Pai.
Ele nos precedeu, por assim dizer, em nossa corrida.
Esta
corrida é um certame. Coloca-nos numa posição dialética face ao mundo. Também
nisso, Jesus €nosso exemplo: não veio trazer a paz – pelo menos não como a
gente pensa – e sim a divisão (Lc 12,51); é sinal de contradição (Hb 12,3),
como foram os profetas antes dele, especialmente Jeremias (1ª leitura).
Nós esperamos facilmente uma paz que se imponha (graças a uma autoridade forte,
um regime inabalável etc.). Jesus vem propor uma paz baseada na adesão e livre
escolha; apela para a liberdade; portanto, abre também o caminho para o
desacordo; pois não força ninguém a estar de acordo com ele. Ninguém pode ser forçado
a amar o próximo como a si mesmo, isto é, dar-lhe a preferência quando preciso
(pois isso é amar…). Ninguém pode ser forçado a entregar livremente sua vida
por amor. .. Contudo, nisto consiste a paz que Jesus vem propor. Proposta que
divide as pessoas em pró e contra, mesmo no seio da própria família. No momento
em que Lc escrevia, isso era dura realidade, pois já tinham iniciado as
perseguições contra os cristãos.
Para Lc, tudo isso são “sinais do
tempo” (12,54ss, sequência da leitura de hoje). Sinais do tempo decisivo, em
que também Deus tomará partido. Nós somos hoje sinais de contradição no mundo
(e ai de nós se não o formos, pois este mundo não é compatível com Deus!).
Devemos considerar isso como uma “situação escatológica”. A controvérsia em redor
do ser cristão no mundo de hoje é um sinal do tempo da escolha; escolha do
homem em favor ou contra Cristo, escolha de Deus em favor ou contra os que, com
Cristo, querem ser seus filhos, ou não. Escolher entre o amor de Deus e o do
mundo é a dimensão escatológica permanente do ser cristão.
Será que os cristãos devem então ser
menos humanos? Gente carrancuda, eternos insatisfeitos? Insatisfeitos, sim
(quem poderia estar satisfeito com a sem-vergonhice solta por aí?);
carrancudos, não, pois é por amor ao mundo que estão insatisfeitos. Por paixão
… padecem.
Por paixão, jovens escolhem profissões
pouco lucrativas, para melhor servir seus irmãos deserdados, e ficam eles
mesmos deserdados por seus pais. Por paixão, um bispo intelectual, Dom Romero,
se toma porta-voz dos oprimidos e é ele mesmo suprimido. “Vim trazer a
divisão…”
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem: Ser Cristão não é pacífico
“Este homem não é um cristão; é um herege, um
revolucionário, um comunista!”
Será que um cristão não pode ser
revolucionário? Será que cristão é sinônimo de “comportadinho”?
Jesus diz que não veio trazer a paz e
sim a divisão; veio lançar fogo sobre a terra (evangelho)! A I a leitura nos
mostra o profeta Jeremias como sinal de contradição, prefiguração do Cristo.
Tudo isso é muito diferente do cristianismo bem comportado que nos foi
ensinado.
Jesus exige opção. Não é possível
ficar em cima do muro. Um exemplo: a filha de um industrial quer dedicar-se aos
pobres, mas não de modo assistencialista, distribuindo esmolas, pois isso seria
como encher um balde furado: o que ela colocaria dentro desse balde, o sistema
econômico sustentado por seu pai o tiraria (inflação, arrocho salarial etc.).
Por isso, decide lutar contra este sistema. Entra em choque com o próprio pai,
por mais que goste dele.
Um operário tem quatro filhos a
sustentar. São inteligentes. Poderia encaminhá-los para o colégio militar. Mas
ele é militante do sindicato. Seus filhos só serão aceitos se ele desistir do
engajamento sindical. Conflito. Tem que escolher entre estudo de graça para os
filhos ou fidelidade ao sindicato e a causa dos operários.
Zé é artista. Vive num mundo onde a
imaginação e os costumes andam soltos. Mas ele quer ser o homem realmente
dedicado à sua família e também à arte, como expressão da realidade da vida e
de seus melhores valores. Vai conhecer o conflito.
Optar pelo evangelho, a boa-nova do
“projeto de Deus” que vem beneficiar os pobres, não é coisa pacífica. Seria
simples, se Deus destinasse a uns para serem pobres e trabalharem, e a outros
para serem ricos, usufruírem e darem esmolas … Mas Deus não faz assim. Quem faz
os pobres e os ricos somos nós mesmos. Mas então, temos também a
responsabilidade de desfazermos essas gritantes desigualdades que vemos em
nosso redor. Fazer com que haja nem pobres nem ricos, mas somente irmãos. Esta
é a responsabilidade que Deus nos confia. É uma opção diferente daquela que a
sociedade nos propõe. É a opção de Deus. E custa muita luta.
Do
livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
https://diocesejacarezinho.org/2016/08/20o-domingo-do-tempo-comum-ano-c/
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