REFLEXÃO DOMINICAL III
Vigai!
Lc 12,32-48
Caros irmãos e irmãs,
A Palavra de Deus que
a liturgia deste domingo nos propõe, exorta cada um de nós à vigilância.
Jesus começa dirigindo uma admoestação aos seus discípulos, dizendo: “Não
temas…”. Eles sentem medo. Sabem que são poucos e fracos diante de
um mundo hostil.
Na Sagrada Escritura
a primeira vez que aparece a palavra “medo” é imediatamente após nossos
primeiros pais terem cometido o pecado: “Ouvi teus passos no jardim, por isso
tive medo…” (Gn 3,10). O medo se nos apresenta nas suas mais diferentes
facetas. Medo de Deus; medo de comprometer-se; medo da própria afetividade;
medo do passado; medo do que é novo; medo de assumir-se cristão em locais
públicos.
No Novo Testamento o
anjo aparece a José e diz a ele: “Não tenhas medo!”. O Anjo Gabriel diz a
Zacarias: “Não tenhas medo!”. E o mesmo anjo diz também a Maria: “Não tenhas
medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus!”. Não ter medo é o
primeiro obstáculo que nós precisamos vencer para nos aproximarmos do Cristo.
O medo nos destrói e
nos corrói por dentro e não nos permite dar passos firmes na fé, e seguir
adiante. O medo nos leva a enterrarmos os próprios talentos que Deus nos deu. O
contrário de não ter medo significa confiar, ter a certeza, ter a convicção, a
fé única neste Deus que nos ama e quer o nosso bem.
Mesmo quando o “mar”
à nossa volta parece querer nos engolir, Jesus vem em socorro de nossas limitações,
e nos estende a sua mão. Ele não nos quer acomodados em nossa falsa segurança.
Se queremos seguir os seus passos, Ele sempre nos diz como disse a Pedro:
“Venha!”. Na nossa falta de fé, duvidamos. Não somente de nós mesmos, mas do
Senhor. Ele nos encoraja e nos levanta: “Homem de pouca fé, por que duvidaste”
(Mt 14,31), ao mesmo tempo em que nos estende a sua mão.
O Senhor a todo
momento continua a nos dizer: “Não tenhas medo!” (Lc 12,31). É necessário que,
como Pedro digamos que aceitamos seguir os passos de Cristo, apesar dos riscos.
Precisamos reconhecer nossas fraquezas, mas também nossas capacidades.
Esta exortação “Não
tenhas medo” precisa ser lida numa dimensão muito ampla. Não devemos ter medo
porque o homem foi redimido por Deus, e a redenção perpassa toda a história
humana. Ele é a luz que resplandece nas trevas (cf. Jo 1,5). Jesus
já dizia aos apóstolos: “Não tenhas medo!” (Lc 24,36) e após a sua
ressurreição, disse também às mulheres “Não tenhas medo!” (Mt 28,10).
Nós somos movidos
pelos nossos medos: medo de doenças, medo da morte, medo de algo não dar certo,
medo de não conseguir. Medo dos nossos próprios fracassos, medo dos nossos
erros, das nossas incertezas, das pessoas, da violência. O medo é nossa
condição existencial; ele nos acompanha da infância até a morte. Não
precisamos ter medo, porque o Senhor está com cada um de nós. Ele mesmo disse:
“Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt
28,20). Lembremos também do que diz o salmista: “O Senhor é minha
luz e minha salvação, a quem temerei? O Senhor é o protetor de minha vida, de
quem terei medo?” (Sl 26,1).
A mensagem do
evangelho é exigente. E Cristo, a este propósito, jamais iludiu os seus
discípulos e aqueles que o escutavam. Ao contrário, com muita firmeza os
preparava para toda espécie de dificuldades internas e externas, levando sempre
em conta o fato de que eles podiam também decidir deixá-lo (cf. Jo 6,67).
Portanto, se Jesus diz com insistência “Não tenham medo!”, certamente não
diz isso para anular de algum modo o que exige. Antes, com estas
palavras, confirma toda a verdade do Evangelho e todas as exigências nele
contidas. Se o homem aceita a mensagem de Jesus, em atitude de fé
encontra também na graça, a força necessária para enfrentar tudo isso.
A página evangélica
deste domingo nos apresenta ainda uma catequese sobre a vigilância. Propõe aos
discípulos de todas as épocas uma atitude de espera serena e atenta do Senhor,
que vem ao nosso encontro para nos libertar e para nos inserir numa dinâmica de
comunhão com Deus. O evangelista São Lucas reúne no evangelho três parábolas
ligadas ao tema da vigilância.
A primeira parábola
nos mostra que um Senhor viaja para ir a uma festa de casamento e deixa em casa
os seus empregados. Eles sabem que o patrão voltará, mas não sabem
quando. Poderia ser durante a noite ou antes do amanhecer e eles devem estar a
postos para recebê-lo (v. 35-38). Com esta parábola, Jesus convida os
seus discípulos a se manterem vigilantes como os serviçais que, durante a noite,
conservam as lâmpadas acesas, cingidos os rins e a túnica dobrada. A vida
dos discípulos é, portanto, uma espera vigilante, uma permanente
disponibilidade para receber o Senhor que vem.
A segunda parábola
nos fala de alguém que guarda na sua casa uma grande soma de dinheiro e fica
perturbado porque sabe que o ladrão não avisa, chega de repente (v.
39-40). Esta parábola aponta para a incerteza da hora em que o Senhor
virá. A imagem do ladrão que chega a qualquer hora, sem ser esperado é uma imagem
sugestiva para mostrar que o discípulo fiel é aquele que está sempre preparado,
a qualquer hora e em qualquer circunstância, para acolher o Senhor que vem. A
parábola também nos alerta sobretudo a sermos otimistas, a cultivarmos a
esperança e, ao mesmo tempo, continuarmos vigilantes.
A terceira parábola
constitui uma resposta de Jesus a Pedro, que lhe pergunta quem deve manter-se
vigilante. Jesus lhe responde que todos devem vigiar (v. 41-48). É
uma vigilância permanente para sermos encontramos prontos na espera do Senhor
que vem. Ele pode chegar quando menos esperamos.
Através dessas três
parábolas, Jesus explica como a espera do cumprimento da sua vinda deve impelir
ainda mais a uma vida intensa, rica de obras boas: “Vendei os vossos bens
e dai-os de esmola. Fazei para vós bolsas que não envelheçam, um tesouro
inesgotável nos Céus, do qual o ladrão não se aproxima e a traça não corrói”
(Lc 12,33). Trata-se de um convite a utilizar os nossos bens sem egoísmo, nem
sede de posse ou de domínio, mas segundo a lógica de Deus, a lógica da atenção
ao próximo, a lógica do amor.
A vida dos discípulos
de Jesus precisa ser uma espera vigilante e atenta, pois o Senhor está
permanentemente vindo ao nosso encontro a desafiar-nos para nos despirmos das
cadeias que nos escravizam e para percorrermos, com ele, um novo caminho.
Deus nosso Pai nos
confiou a vida, para que a façamos frutificar em aventura de amor. Isso deveria
nos preservar do “espírito de possessão” e abrir o nosso coração para aprender
sem cessar a receber e praticar a caridade para com o nosso próximo.
A Virgem Maria, a
quem veneramos como mãe, do céu interceda sempre por nós e nos ajude a não
esquecer que aqui, na terra, estamos apenas de passagem, e nos ensine a viver
os ensinamentos do seu filho Jesus que “está à direita do Pai, todo poderoso e
de lá virá julgar os vivos e os mortos”, como recitamos na nossa profissão de
fé. Assim seja.
Anselmo Chagas de
Paiva, OSB- Mosteiro de São Bento/RJ
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