"VÍRUS
OU DROGA? DESCOBERTO 'DOOMSCROLLING':
O MONSTRO DO LAGO NESS" (Parte I)
Por Lindolivo Soares Moura(*)
"Somos o que pensamos. Tudo
que somos surge com nossos pensamentos.
Com nossos pensamentos
fazemos o nosso mundo" (Buda).
Responda rápido, sem
refletir e sem racionalizar: de acordo com sua própria experiência, qual a
melhor forma de melhorar o padrão de vida? Respondeu? Ok. Agora reveja tanto a
pergunta como a resposta e certifique-se de que você interpretou da melhor maneira
a primeira e se gostaria ou não de alterar parcial ou totalmente a segunda.
Pronto? Tudo bem? Agora preste bem atenção na resposta dada pelo famoso jogador
de futebol americano Uell Stanley Andersen, quando confrontado por uma repórter
que lhe fez essa mesma pergunta: "a melhor forma de melhorar o padrão de
vida - respondeu Andersen - é melhorar o padrão de pensamentos". Alguma
semelhança entre ambas as respostas, a sua e a dele? Se você respondeu
"sim", com certeza as ações de sua autoestima e de sua qualidade de
vida estão em alta na Bolsa de Valores. Nada de pensar em se desfazer delas
nesse momento. Se sua resposta foi "não", ou quem sabe um discreto
"mais ou menos", acalme-se e relaxe! Nem tudo está perdido. Nada que
uma corajosa e decidida alteração em seu "projeto" de vida, tal como
recomendam os psicólogos, e/ou uma boa mudança em sua "filosofia" de
vida, como sugerem os orientadores filosóficos, não possam ajudar a resolver.
Não há dúvida de que
para que isso aconteça certas condições sejam necessárias. Há porém uma mudança
que pode ser considerada tão imprescindível - "conditio sine qua
non", como se diz em latim - que
sem ela qualquer tipo de esforço poderia resultar em vão. Tal mudança ou
condição consiste justamente em abandonar o "piloto automático" que
vem dirigindo sua vida - "deixa a vida me levar, vida leva eu..." - e
de forma reflexiva e consciente assumir você mesmo a direção. Parece fácil mas
não é! O hábito e a rotina sujam os olhos, subjugam nossos sentidos, e por bem pouco
não submetem também nossa razão. Se pararmos para observar melhor, com cuidado
e atenção, veremos que ao longo de nossa existência vamos pouco a pouco
entregando a uns e outros, aqui e ali, o
leme e a direção de nosso barco, sem perceber que na maioria das vezes estamos
colocando raposas para cuidar de nosso galinheiro, aves de rapina para
administrar nossos celeiros, e alimentando todo tipo de urubus, corvos e
gaviões, verdadeiros lobos em peles de cordeiros. Chamo a isso de turvamento ou
perturbação da razão, cuja maior causa consiste em nossa preguiça ou desleixo
em exercer essa tomada de consciência e de decisão. Gostaria de exemplificar
melhor esse fenômeno com um exemplo prático da nossa contemporaneidade, para só
então podermos entrar mais diretamente no tema que encabeça a presente
reflexão.
Os tempos
modernos nos têm inegavelmente brindado
com maravivilhas e grandezas "nunca d'antes vistas ou
experimentadas", como diria Camões. Mas é igualmente inegável que eles nos
têm trazido também certas surpresas que são verdadeiros enigmas e desafios aos
olhos do bom senso e da razão. Refiro-me a um fenômeno específico em
particular: trata-se da ascensão meteórica de certo número de "influenciadores digitais", como
assim são chamados, saídos do nada e do anonimato, com perdão da expressão,
capazes de arregimentar da noite para o dia não apenas dezenas e centenas mas
milhares e até milhões de seguidores, à forma de verdadeiros "rebanhos sem
pastores". Tal prodígio carece ainda sem dúvida de melhores explicações,
tanto por parte da Sociologia quanto da Psicologia, se é que sozinhas essas
duas ciências conseguirão cumprir tal missão. Deixemos por enquanto de lado a
questão relacionada à ascensão meteórica dos influenciadores, para que possamos
nos focar melhor naquela, correlata, relacionada ao número e à escassez - ou será "nenhuma"? - de
consciência reflexiva de seus seguidores. Antes porém, um parágrafo que
esperamos possa nos orientar melhor como chave de leitura, análise e
interpretação.
De acordo com a
chamada "Programação Neurolinguística" nosso cérebro
"aprende" por repetição e prática, e se nele inserirmos uma
informação ou repetirmos uma afirmação por certo tempo, ele as registrará como
um "aprendizado", independentemente da veracidade ou não do que foi
registrado. Da mesma forma, cada informação ou afirmação vão passo a passo e pouco a pouco literalmente
"programando" nossa mente inconsciente, mente esta que não consegue
distinguir ou diferenciar uma experiência real de outra meramente imaginária.
Por fim a Neurolinguística afirma que nosso cérebro é também um "servo
fiel", e que tudo que lhe pedirmos com certeza ele no-lo concederá, ainda
que para isso tenha que arquitetar uma solução qualquer. Karim Khoury
exemplifica: "se lhe fizermos uma pergunta terrível, com certeza obteremos
uma resposta terrível. Se lhe perguntarmos: 'por que jamais consigo ser uma
pessoa de sucesso?', ele nos responderá,
mesmo que para isso tenha que inventar uma explicação: 'porque você é
estúpido!', ou, 'porque você não merece!', e outras alternativas de solução. Ou
seja, nosso cérebro e nossa mente reagem ou respondem na exata medida "em
que" e "com o quê" são
"alimentados". Registre bem essas afirmações da Programação
Neurolinguística, porque como foi dito elas servirão como nossa chave de
leitura, análise e interpretação para as considerações que faremos a seguir.
Abordaremos o fenômeno recente e altamente "contagioso" - uma nova
Pandemia, seria? - que as pesquisas estão denominando
"doomscrolling", ainda sem equivalente em português, e que em
tradução livre seria mais ou menos algo equivalente a "rolar a tela
compulsiva e obsessivamente - uma
espécie de vício e dependência - à caça de noticias ruins, negativas, tristes e
pessimistas", geradoras de estresse, ansiedade e depressão.
Talvez você mesmo, ou
quem sabe seus filhos ou netos, tenham já passado algumas horas diante de um
computador ou videogame "se divertindo" com um dos jogos da chamada
"série Doom", lançada há quase três décadas e atualizada de tempos em
tempos com novos jogos, que pouco ou nada têm de saudável diversão. Em inglês o
termo "doom" significa "ruína", perdição, e as ações da
série se desenvolvem num universo distópico e apocalíptico em que o personagem
principal, a ser assumido ou "encarnado" pelo jogador que tem o controle
e o comando do jogo nas mãos (por isso ele é denominado "jogo de tiro em
primeira pessoa") tem a missão de combater e exterminar demônios, mortos
vivos, monstros e outras forças do mal, em defesa da própria vida e em última instância da
sobrevivência da humanidade. O termo distopia, em oposição a utopia, diz
respeito a um tipo de sociedade imaginária em que tudo está
"(des)organizado" e disposto de forma catastrófica, opressiva,
assustadora, totalitária e ameaçadora. O sucesso foi tamanho que a série tem
produzido várias sequências, bem como criado adaptações para romances, filmes,
histórias em quadrinhos e outras modalidades do chamado mundo do
entretenimento.
À parte a exatidão do
tempo e a autoria da criação dos termos "doomscrolling" e
"doomsurfing", parece consenso que o primeiro deles tenha sido
"doomsurfing", algo como surfar ou navegar pelas telas do computador
em busca de notícias ruins, negativas e prejudiciais - não para quem
"navega" ou "surfa", naturalmente - surgindo posteriormente
seu irmão gêmeo, "doomscrolling", com o sentido de rolar a tela -
agora do celular - à caça do mesmo tipo de conteúdo ou informação. Em sua
origem é provável que ambos os termos tenham sofrido influência direta ou ao
menos indireta de "Doom", a mencionada série, em que o termo pode
significar tanto ruína, perdição e danação, como extermínio, morte e
destruição. Mas foi sobretudo a partir da Pandemia do Covid 19 que os termos
recém-criados, notadamente "Doomscrolling", passaram a ser mais
largamente utilizados tanto por certos meios de comunicação como também por
algumas Universidades em suas pesquisas, conclusões e orientações.
De início o uso dos
termos serviu para indicar o longo tempo que as pessoas, em sua grande
maioria confinadas ao estrito campo de
seu ambiente domiciliar, passavam diante da tela aflitas e angustiadas com a
Pandemia e com as notícias que se mostravam cada vez mais alarmantes e
preocupantes. Preocupações que eram acompanhadas de receios e temores não só
com o que ocorria ao redor do mundo, a nível de sociedades e nações, mas também
com o que poderia suceder consigo mesmas, familiares, parentes e amigos mais
próximos. Pouco a pouco, porém, sobretudo a partir do momento em que a pandemia
parecia caminhar sob controle, "doomscrolling" e seu equivalente
"doomsurfing" passaram a ser usados para se referir ao vício ou
dependência em todo e qualquer tipo de
notícias negativas e nocivas, capazes de provocar danos e prejuízos não só
mentais mas também físicos e emocionais, como tristeza, desânimo, pessimismo,
negativismo, ansiedade e depressão. O que antes era sem dúvida saudável e
recomendável, ou seja, o tempo criterioso e moderado dispendido em atenção e
cuidado para com as informações e as orientações transmitidas pelas autoridades
sanitárias através dos mais variados meios de comunicação, passou a ser uma
tendência inconsciente, obsessiva, descontrolada e compulsiva por parte de um
número cada vez maior de pessoas e grupos, não mais apenas por notícias e
informações preocupantes e inquietantes, relacionadas à Pandemia, mas por todo
e qualquer tipo de conteúdos e assuntos "atraentes e sedutores",
ainda que eivados e contaminados por um outro tipo de vírus não menos perigoso
e letal, que portava consigo pessimismo e negativismo. Note-se que negativismo
e negacionismo são termos parecidos mas completamente diferentes no que tange
ao conteúdo que portam consigo. Enquanto o primeiro designa desânimo e
pessimismo, o segundo sugere imprudência, insensatez e descompromisso.
Não se deve em
hipótese alguma concluir que por ter se expandido em tempos pandêmicos, em que
os diversos meios de comunicação se tornaram fartos em notícias e comentários
sobre perdas de vida, casos e internações, o vício e a dependência em conteúdos
negativos e prejudiciais se restrinjam tão somente a esse estrito e específico
campo de atuação, como já mencionado. O curioso do "Doomscrolling" -
buscando evitar a redundância faremos uso apenas desse termo e não mais de seu
irmão gêmeo, o "doomsurfing" - é que o vício e a dependência por esse
tipo de conteúdo se alastrou por diversas outras áreas do convívio humano. Um
exemplo disso é o que veio e vem ainda ocorrendo em nossos país, no tocante à
política e à polarização em que ela nos meteu. Pouco importa saber, para efeito
do que aqui nos interessa, que caminhos e descaminhos acabaram nos
"conduzindo" ao extremismo e à radicalização. O certo é que a
polarização partidária foi levada a um limite tal, que os grupos que dela
surgiram e com ela se expandiram comportaram e continuam ainda se comportando
avessos a qualquer tipo de diálogo, refratários a qualquer forma de
entendimento e menos ainda de cooperação. Note-se que em si mesma a polarização
não é um mal. Há países inclusive - como
nos Estados Unidos da América, por exemplo - em que o bipartidarismo, como
forma clássica e tradicional de estruturação e composição partidária, acaba por
desembocar inevitavelmente num certo tipo e grau de polarização. Esta porém só
é de fato prejudicial e danosa quando se transforma em extremismo e radicalismo,
e funciona à semelhança de duas ideologias arbitrárias ou autoritárias que
ignoram a lei e fazem vistas grossas das "regras do jogo", e tentam
se impor pela força, pela arbitrariedade e pela opressão. Quando isso ocorre,
ignora-se entre outras coisas a vontade da maioria e se busca impor a todo
custo e qualquer preço os interesses de uma minoria. O que isso tem a ver com
"doomscrolling"? É o que buscaremos saber em seguida, buscando
identificar essa área de tangência e esse eixo de conexão.
Obs.: esta primeira parte se complementa e se conclui com a
parte II de mesmo título.
(*) Texto enviado de Vitória(ES) por
whatsapp.
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