A
religiosidade e a espiritualidade como promotoras de saúde mental
Por Pe. Arilço Chaves Nantes
Introdução
Quando as sociedades
são analisadas em seus primórdios desde o paleolítico, com a domesticação do
fogo bem como com o “enterro dos corpos, pinturas rupestres, mitos e ritos dos
povos caçadores, crenças na possibilidade de uma outra vida, encontramos a
dimensão religiosa lado a lado com o ser humano” (LUCHETTI, 2011, p. 55).
A religiosidade está
presente na história humana desde o início, pois o homem primitivo, com o
“culto do urso” e o “culto do crânio”, há cerca de 600 mil anos, já mostrava
“lampejos de uma dimensão espiritual que motivava seus rituais, indicando que o
fenômeno religioso sempre foi um dos grandes instrumentos de sentido” (RIBEIRO,
2014, p. 11).
Na compreensão de
Moreira-Almeida (2010), ao longo da história ocidental, pelo menos desde a
Grécia antiga, a exploração filosófica e científica tem se mostrado possível.
Ainda que por vezes tensas, na maior parte do tempo as relações entre essas
duas instâncias geralmente foram neutras ou harmônicas, havendo apoio e
estímulo a pesquisas por parte das instituições religiosas.
O reconhecimento da
dimensão espiritual também é muito enfatizado, principalmente nos momentos de
maior sofrimento, presentes no que conhecemos como cuidados paliativos,
definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como cuidados ativos totais
de pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo, sendo
prioritário o controle da dor e a atenção a outros sintomas de ordem
psicológica, social e espiritual e buscando produzir sensação de alívio,
conforto, calmaria e outras vivências análogas.
De acordo com as
pesquisas de Campos (2011), pessoas com maior nível de espiritualidade
enfrentam as mesmas dificuldades, porém, na maioria das vezes, vivem mais e
melhor e no momento da morte não se encontram desesperadas ou angustiadas,
porque encontraram um sentido para tal realidade-limite.
De acordo com
Esperandio (2014), vivências religiosas/espirituais tendem a produzir
experiências subjetivas positivas que colaboram no enfrentamento de depressão,
ansiedade, pânico, hipocondria, tentativas de suicídio, doenças crônicas,
enfermidades debilitantes, além de serem fatores de prevenção para o
desenvolvimento de infarto, derrame, câncer, doenças autoimunes, diabetes,
hipertensão, doenças reumatológicas e ósseas, entre outras.
1. Religiosidade/espiritualidade e suas influências positivas para
a saúde mental
A OMS, desde a década
de 1980, incluiu o domínio religiosidade, espiritualidade e crenças pessoais
para avaliar a qualidade de vida e seus impactos na saúde, visando perceber se
e como as crenças pessoais afetavam a qualidade de vida e como o indivíduo
utilizava suas crenças em momentos de sofrimento.
Um dos objetivos de
suas pesquisas foi identificar se as crenças religiosas contribuíam para a
elaboração de um sentido, para a sensação de bem-estar e de força. Tal hipótese
foi testada com a ajuda de um instrumento avaliatório (WHOQOL-100) que trazia
quatro questões:
a) Suas crenças
pessoais dão sentido à sua vida?
b) Em que extensão
você sente um significado em sua vida?
c) Em que extensão
suas crenças pessoais dão-lhe forças para enfrentar dificuldades?
d) Em que extensão
suas crenças pessoais ajudam-no a entender as dificuldades na vida?
Com base nessa
pesquisa transcultural, realizada em várias partes do mundo, notou-se que o
fenômeno religioso não se mostrou apenas um suporte social, mas uma experiência
de inclusão no cosmo, trazendo a sensação de conforto, de bem-estar subjetivo,
a presença de um propósito maior de vida, entre outros benefícios.
Conforme Baltazar
(2003), as vivências de religiosidade/espiritualidade propõem determinada visão
de mundo, de sociedade, conduzindo o pensamento dos indivíduos em direção a uma
construção de sentido para suas experiências por meio dos símbolos religiosos.
Vemos então que a
dimensão religiosa gera uma compensação simbólica consoladora, impõe-se como
uma forma de resistência simbólica oculta, silenciosa, atuante, provedora de
sentido numa existência constantemente ameaçada.
O último Censo
demográfico de 2010, no quesito religião e pertença religiosa, indicou que 92%
da população brasileira declarou pertencer a alguma religião ou a outras
religiosidades não especificadas, o que comprova a significativa presença da
religiosidade na vida dos brasileiros.
A religiosidade
influencia o modo como as pessoas lidam com situações de estresse, sofrimento e
problemas vitais, proporcionando-lhes maior aceitação, firmeza, adaptação a
situações difíceis de vida e conferindo-lhes paz, autoconfiança e uma imagem
positiva de si mesmas.
Religiosidade e
espiritualidade têm a ver com experiência, não com dogmas, normas, costumes. De
fato, ainda que tais práticas favoreçam a vivência da religiosidade, de certa
maneira nasceram da espiritualidade, mas não são a espiritualidade, pois esta é
percebida como busca pessoal por questões fundamentais sobre a vida, sobre o
significado, sobre a relação com o sagrado ou sobre a transcendência.
Religiosidade e
espiritualidade frequentemente são consideradas importantes aliadas das pessoas
que sofrem ou estão doentes. Estudos de Freitas (2014), por exemplo, afirmam
que pacientes mais religiosos apresentam melhores desfechos clínicos que os que
não praticam uma religião. Atualmente, existem diversos instrumentos para
avaliá-las em pesquisas científicas, e sua conceituação se mostra, portanto,
pertinente.
2. Religiosidade/espiritualidade e psicologia: uma longa história
de relações e interações
Conforme afirma
Baltazar (2003), não se pode desconsiderar que pioneiros da psicologia e da
psiquiatria como William James, Wilhelm Wundt, Sigmund Freud, Carl Gustav Jung,
Pierre Janet, Gordon Allport e Stanley Hall interessaram-se pelo comportamento
religioso e realizaram estudos desse comportamento.
Também é preciso
reconhecer que houve casos de interpretação espiritual ou religiosa para
problemas de percepção ou de comportamento, alusivos à influência de demônios
ou de outros espíritos nas atividades cotidianas, bem como de esclarecimentos
religiosos para problemas psicológicos como culpabilidade, principalmente no
campo da sexualidade, problemas esses não poucas vezes alimentados por
doutrinas ou líderes religiosos despreparados ou com pouco conhecimento sobre o
assunto.
Para William James,
pioneiro da psicologia, “espiritualidade poderia ser o conjunto de sentimentos,
sensações, atos, experiências de um indivíduo em contato com ele próprio, em
relação com o que ele considera divino” (SALGADO, 2008, p. 287).
Mesmo que haja várias
definições sobre espiritualidade, todas têm alguns elementos em comum: sensação
de conexão com outros indivíduos, com a transcendência, relação com o universo
por meio da vida, propiciando uma sensação de paz, alívio e bem-estar interior.
A espiritualidade
encoraja um estilo de vida saudável na medida em que estimula hábitos de
promoção de saúde relacionados à boa alimentação, à lida com frustrações, à
moderação na ingestão de bebidas e no comportamento sexual, à restrição do uso
de fumo e de drogas.
As pesquisas de
Vasconcelos (2010) apontaram que a visão religiosa continua presente em todos
os estratos sociais como parte importante da compreensão do processo
saúde-doença, para o enfrentamento das crises pessoais e familiares que
acompanham as doenças mais graves.
Temos nessa
constatação aquilo que, pelo senso comum, já se cogitava, ou seja, que práticas
religiosas tornam a vida mais suportável, capaz de ser levada adiante apesar
das adversidades, proporcionando-lhe certo sentido e significado.
A religiosidade pode
propiciar à pessoa maior aceitação, firmeza, adaptação a situações difíceis,
gerando paz, autoconfiança e uma imagem positiva de si mesma.
Embora seja do
conhecimento de todos que a psicologia é uma ciência laica, mesmo assim
religiosidade e espiritualidade podem ser objeto de seu estudo, o que não é o
mesmo que dizer que a psicologia adota pressupostos religiosos em seus modos de
significar o mundo, a condição humana e as relações sociais.
A possibilidade de
associar tratamento psicológico com a espiritualidade não significa que os
profissionais de saúde devam se tornar uma espécie de catequistas, “mas apenas
apoiar, encorajar crenças e práticas que já estão direcionadas pelo paciente,
não lhes cabendo introduzir novas crenças ou encorajando práticas estranhas”
(KOENIG, 2005, p. 14).
Sendo assim, caberá
ao psicólogo apenas nutrir e encorajar a fé do paciente – qualquer que ela seja
–, se for recrutado para tal feito, deixando-se guiar o tempo todo pelo desejo
do paciente, caso haja.
O motivo pelo qual se
pode confirmar que práticas religiosas influenciam a vida e a saúde das pessoas
é o fato de que as religiões, por meio de seus dogmas e doutrinas, orientam
seus membros no que diz respeito a questões de saúde, doença, morte, promoção e
conservação da vida, recuperação, bem-estar físico e emocional.
Considerações finais
Conforme Abdala
(2013), há indícios de que a religiosidade/espiritualidade atuam como
fortíssimo recurso interno para lidar com perdas e sofrimentos, constituindo,
portanto, ferramentas capazes de oferecer sentido, segurança e orientação. Os
pesquisadores dessa temática afirmam que as crenças dos pacientes são poderosos
determinantes de seu grau de saúde e o desejo de ser saudável influencia
diretamente os estados físicos, sociais, psíquicos e espirituais das pessoas.
Com base em Koenig
(2005), um dos maiores estudiosos sobre a temática da
religiosidade/espiritualidade e seus impactos na saúde física e mental, é
inegável que a religião pode levar a maior bem-estar, dando significado e
propósito à vida, pois, apoiados em crenças e práticas religiosas, os
indivíduos têm níveis significativamente maiores de satisfação com a vida,
autoestima, otimismo, sendo mais propensos a redimensionar seus valores e
ressignificar o sentido da existência.
Segundo Dalgalarrondo
(2008), a presença do elemento religioso no modo de construir, enfrentar e
vivenciar o sofrimento mental ajuda as pessoas a enfrentar situações de estresse,
ficando clara a estratégia do coping religioso-espiritual. Coping é uma palavra
inglesa, sem tradução literal em português, cujo verbo de origem significa
“lidar com”, “manejar”, “enfrentar” ou “adaptar-se”.
As relações entre
espiritualidade, saúde e vida mais saudável, para Vanderlei (2010), têm sido
objeto de interesse em diversos estudos no sentido de provar que as crenças e o
seu cultivo fazem bem à saúde, ajudam as pessoas a viver mais e geram maior
qualidade de vida.
Vivências de
religiosidade/espiritualidade ajudam muito, pois as pessoas sentem que há uma
presença, força ou energia que lhes envolvem e acompanham. Tal sensação cria
uma atmosfera de proteção e de força para vencer as adversidades,
possibilitando sentido, conforto e inclusão.
Na opinião de Fleck
(2003), vivências religiosas geram grande influência sobre a saúde física,
sendo consideradas como possível fator de prevenção do desenvolvimento de
doenças, além de fator de eventual redução de óbitos ou impactos de diversas
doenças.
Para Koenig (2005),
de modo geral, todas as religiões possuem orientações que apresentam uma visão
positiva do mundo presente, como a vida após a morte, e a experiência
religiosa/espiritual tende a gerar esperança de que coisas boas podem surgir de
qualquer situação difícil e de que todas as coisas são possíveis.
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Pe. Arilço Chaves Nantes
Pe. Arilço Chaves Nantes pertence ao clero da Diocese de
Naviraí-MS. Doutorando em Psicologia pela Universidad de Ciencias Empresariales
y Sociales (Uces) de Buenos Aires, Argentina. Possui experiência na área de
Teologia Prática com ênfase em Teologia do Aconselhamento. Como pesquisador, tem
interesse em temas como: religião, religiosidade, espiritualidade, saúde mental
e suas interfaces com a psicologia.
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