6- REFLEXÃO
GLÓRIA DE
ISRAEL E LUZ DAS NAÇÕES
Por Aíla Luzia Pinheiro Andrade
I. INTRODUÇÃO GERAL
A liturgia de hoje é o ponto culminante do
natal do Senhor, porque indica o modo como se deu a encarnação do Filho de Deus
e a que ela se destina. Cristo assumiu todos os condicionamentos da humanidade,
até mesmo se submeteu à lei de Moisés, pela qual era regido o povo ao qual
pertenceu. Além do contexto histórico, geográfico e econômico, o evangelho
mostra que a vida terrestre do “Filho do Altíssimo” (Lc 1,32) estava inserida
em um contexto cultural e religioso particular. Também o destaque dado ao tipo de
sacrifício realizado por sua família (Lv 5,6-7; 12,6) manifesta que ele não
somente assumiu nossa humanidade, mas se fez pobre entre os pobres.
A festa da Apresentação do Senhor é bem
antiga, e já houve tempo em que era celebrada em 14 de fevereiro, quarenta dias
após a festa da Epifania (manifestação aos magos). Também já foi considerada
como festa mariana, com o nome de “Purificação da Bem-aventurada Virgem Maria”.
Mas, a partir das recentes reformas litúrgicas, o nome da festa foi mudado para
“Apresentação do Senhor” e ela passou a ser celebrada quarenta dias depois do
Natal. O novo título e data da celebração são uma indicação mais correta da
natureza e do objeto dessa festa, visto que nesse dia a Igreja celebra um
aspecto importante do mistério salvífico, e não simplesmente um acontecimento
da infância de Jesus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Lc 2,22-40): Consagrado ao
Senhor
Os primeiros versículos (22-24) do evangelho
proclamado na liturgia de hoje tratam especificamente da manifestação
(epifania) do messiado de Jesus a partir do cumprimento dos ritos de iniciação
na religião da sua família, o judaísmo. Jesus e Maria, recém-nascido e
parturiente, submeteram-se a tudo que a lei de Moisés indicava a respeito do
nascimento de um menino primogênito (Lv 12,1-8; Ex 13,2.12-13).
Pela circuncisão (Lc 2,21), Jesus tinha sido
oficialmente marcado como membro de Israel, ingressando na aliança feita com os
patriarcas e com os descendentes deles desde Abraão até os escravos libertos do
Egito. No momento da circuncisão, de acordo com a lei dada por Deus a Moisés,
foi imposto o nome do menino: ele foi chamado Jesus, conforme o anjo havia
orientado. Naquela cultura, o nome designava a identidade e a missão da pessoa.
Jesus quer dizer “Deus salva”. Isso significa que Deus nunca desistiu de salvar
o mundo por meio de Israel e que cumpriu essa promessa mediante um israelita
fiel, Jesus de Nazaré. Ao se tornar oficialmente membro do povo da aliança,
Jesus realizou em sua vida, morte e ressurreição a vocação que Abraão e seus
descendentes haviam recebido.
Pelo rito de iniciação à religião judaica, ou
seja, de pertença à antiga aliança, Jesus não somente deveria ser circuncidado,
mas também resgatado. O primeiro rito remetia aos patriarcas e o segundo, à
libertação do Egito. O ritual do resgate estava vinculado à Páscoa, quando os
primogênitos dos hebreus tiveram a vida poupada e se tornaram consagrados a
Deus (Ex 13,11-15; Nm 18,15-16). O resgate significava que o primogênito era
trocado por uma quantia em dinheiro e, a partir de então, podia deixar o
santuário e voltar ao convívio familiar.
Propositalmente, Lucas não menciona o resgate
de Jesus, que, à semelhança dos levitas (Nm 3,45), continuará sempre
pertencendo a Deus. Em vez do resgate do primogênito, Lucas narra a
apresentação de Jesus, evocando a entrada do Senhor no santuário para realizar
uma grande purificação (Ml 3,1-4). Ao dizer que o menino foi purificado, o
evangelho está afirmando que Israel inteiro foi igualmente purificado por meio
dele.
Aqui cabe um esclarecimento sobre o
significado de purificação. Esse termo nem sempre denota algo negativo; nesse
trecho do evangelho, a impureza não é moral, mas ritual (Lv 12,2-4) e significa
apenas que, após aqueles ritos, as pessoas eram reinseridas na esfera da vida
comunitária, de forma análoga a uma âmbula que, após ser purificada, deixa o
sacrário e pode ser mantida junto com outros objetos.
A segunda parte do evangelho de hoje (vv.
25-40) fala sobre o reconhecimento do Cristo pelos representantes dos piedosos
que esperavam a vinda do Messias, ou seja, a consolação de Israel, a qual,
conforme Is 40,1, é sinônimo da salvação que vem de Deus. Os “pobres de Javé”
reconhecem o Messias libertador naquele frágil recém-nascido.
Primeiramente,
aparece Simeão. Seu hino de louvor é também um discurso de despedida, como
acontece no livro do Deuteronômio, que fecha o Pentateuco (Torah)
com longa despedida de Moisés. O velho Simeão reconhece que a esperança de
Israel converge para aquele menino, o qual realizará a libertação de Jerusalém,
a cidade santa, que no Antigo Testamento representa todos os escolhidos de
Deus. Além disso, o menino é uma luz que parte de Israel para as nações pagãs e
será um sinal de contradição, pois diante dele todos terão de tomar uma decisão.
Nesse sentido, ele será soerguimento para alguns e queda para outros, pois
diante dele se revelarão as intenções dos corações.
Em seguida, Ana é mencionada. O nome dela
significa “graça”, “favor”. Ao fazer referência à família de Ana como
pertencente ao clã de Fanuel, Lucas alude a uma experiência mística do
patriarca Jacó e a todos aqueles que sempre desejaram ver Deus face a face (Gn
32,30). Também a menção à tribo de Ana é algo bastante significativo, porque,
no antigo Israel, a tribo de Aser ficava ao norte (Js 17,10); isso mostra que
Ana era uma profetisa da Galileia e, portanto, seria considerada pelos
legalistas de Jerusalém como suspeita de heresia. No entanto, é ela, e não os
líderes religiosos da época, quem reconhece Jesus como Messias.
2. I leitura (Ml 3,1-4): Para purificar o seu
povo
O dia do SENHOR, mencionado várias vezes no
Antigo Testamento, geralmente é considerado como uma visitação ou vinda; como
uma intervenção divina quase sempre iminente. O texto do profeta Malaquias
afirma que o SENHOR virá ao templo de Jerusalém como um fogo purificador.
A imagem do fogo não tem por objetivo causar
medo, mas é simplesmente uma metáfora tirada da vida cotidiana. Alguns aspectos
do processo de refinação de metais são simbolicamente empregados várias vezes
pela Escritura para discorrer sobre a purificação do pecado e como prova de
fidelidade a Deus.
A prata era obtida pelo processo de fusão.
Sob alta temperatura, as substâncias agregadas à superfície do metal se
transformavam em pó, o qual era repelido por uma rajada de ar. Nas diversas
referências bíblicas, a refinação do metal é usada simbolicamente para ilustrar
o tipo de provação à qual os seres humanos são submetidos. Em momentos difíceis
da história é que se pode constatar quem de fato é ou não fiel a Deus. Aqueles
que permanecem fiéis, firmes na fé, experimentarão a libertação definitiva,
mesmo que eventualmente suportem algumas circunstâncias difíceis.
3. II leitura (Hb 2,14-18): Em solidariedade
com cada ser humano
O tema central da carta aos Hebreus é o sumo
sacerdócio de Cristo (8,1). Sacerdote significa mediador, ou seja, alguém por
meio do qual se efetiva a relação entre Deus e a humanidade, entre Criador e
criatura. A mediação realizada por Jesus Cristo somente é possível porque ele é
totalmente divino e totalmente humano, ou seja, faz parte da esfera do Criador
(é Filho) e da criatura (é homem).
Na relação de Cristo com Deus, temos o
aspecto da autoridade, pois foi glorificado à direita do Pai. Já na relação com
a humanidade, temos o da misericórdia, visto que, por experiência própria,
participou de nossa fraqueza, sendo em tudo semelhante a nós, exceto no pecado
(Hb 4,15).
Cristo é sumo sacerdote tanto por sua
intimidade com o Pai quanto por sua solidariedade com a humanidade. Ambas as
relações foram levadas ao extremo. A credibilidade e a solidariedade de Cristo
fazem dele o fundamento da nossa fé. O ser humano pode lançar toda a sua
existência sobre esse fundamento, por duas razões: porque Cristo é o Filho de
Deus constituído em dignidade; porque amou a humanidade a ponto de morrer na
cruz para libertá-la do poder da morte e associá-la à oferta de sua própria
vida ao Pai.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Cristo é semelhante a nós e tornou-se
solidário conosco, participando de nossas fraquezas, exceto do pecado; da mesma
forma, estamos unidos a ele, sendo associados à sua oferta ao Pai. A
apresentação/consagração do menino Jesus no templo é também a nossa consagração
a Deus, por causa da nossa união com o Filho humanado.
A morte significa separação. Mas, como
estamos unidos a Cristo e ele está junto do Pai, nada poderá nos separar de
Deus; portanto, estamos livres do poder da morte.
Por tudo que foi mostrado pelas leituras de
hoje, o presidente da celebração deve enfatizar a centralidade do mistério da
salvação, evitando separar a infância de Jesus do restante de sua vida,
principalmente do momento da cruz, ressurreição e ascensão.
Para enfocar a totalidade do mistério
salvífico, pode haver, durante a celebração, o acendimento de velas no círio
pascal ou uma procissão com velas, destacando a unidade entre a Apresentação de
Jesus e a Páscoa, quando de fato o Cristo se tornou “luz para as nações”.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/2-de-fevereiro-apresentacao-do-senhor/
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