REFLEXÃO II
Sugestões para a homilia
Dia do
amor fraterno
Instituição
da Eucaristia
Instituição
do Sacerdócio
A Quinta-feira Santa, primeiro dia do Tríduo
Pascal, marca uma celebração capital dentro de todo o ano litúrgico, celebração
solene e grandiosa emoldurada no contexto dramático da proximidade da paixão e morte
do Senhor. É o dia cume da despedida e do amor extremo feito serviço humilde e
generoso. Muitas são as facetas que se entrecruzam num dia como este. Vejamos
as principais:
Dia do amor fraterno
Hoje ressoa na comunidade o mandamento novo,
mandamento do amor, do amor «como eu vos tenho amado». «Amei-vos até o fim»,
até fazer-me servo e escravo num tipo de serviço considerado humilhante e
próprio dos escravos (lavar os pés). «Eu dei-vos o exemplo». «Vós também deveis
lavar os pés uns dos outros.» Trata-se de uma proclamação do mandamento do amor
feita não com palavras mas com um sinal prático, o serviço. Amar é servir. Ama
quem serve. Obras são amores.
Instituição da
Eucaristia
Para o evangelista São João, a instituição da
Eucaristia está ligada estreitamente ao lava-pés. A Eucaristia expressa e
constitui o sacramento do amor de uma maneira visível, assim como o lava-pés.
Jesus parte e reparte o pão e o vinho, e diz: «Fazei isto em minha memória», ou
seja: para recordar-me fazei isto; ou também: partir e repartir a própria
existência será a forma de seguimento que melhor testemunha e faz memória de
mim. Celebrar a Eucaristia, fracção do pão, será sempre muito mais que ouvir a
Missa: «Cada vez que comemos deste pão… anunciamos a morte do Senhor até que Ele
venha.»
Instituição do
Sacerdócio
A Igreja recorda que ao instituir a
Eucaristia, Cristo também institui o sacerdócio da Nova Aliança. Diz o Santo
Padre: «O sacerdote é o homem que guiado pela fé tem acesso aos bens que
constituem a herança da Redenção realizada pelo Jesus Cristo que o escolheu
para ser o administrador da riqueza da Palavra e dos Sacramentos», e cuja
qualidade fundamental é como ensina S. Paulo a fidelidade (cf. 1 Cor 4, 2). O
padre dá a Cristo a sua própria humanidade que dela se serve como instrumento
de salvação, e «esta doação – admirabile commercium – torna-o um outro eu.»
Este é o cerne da vocação sacerdotal. O padre é um expropriado de si próprio
que na renúncia a tudo por Cristo descobre que a sua personalidade se realiza
plenamente por este caminho, a via da entrega total e do amor sem limites.
Olhando para Maria, a verdadeira discípula de
Cristo que amava a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesma,
e seguindo os passos de São Paulo que fez tudo para todos (cf. 1 Cor 9, 22),
procuremos praticar «com todo o nosso coração e com toda as nossas forças», o
mandamento novo para edificarmos, quanto antes, a «civilização do amor».
Na homilia comentam-se os grandes mistérios
que neste dia se comemoram: a instituição da
sagrada Eucaristia e do sacramento da Ordem e o mandato do Senhor sobre a
caridade.
Lava-pés
Fala o Santo Padre
«Deus desce até à extrema baixeza da nossa
queda:
Ajoelha-se diante de nós e lava os nossos pés
sujos, para que possamos ser admitidos à Sua mesa.»
«Ele, que amara os seus que estavam no mundo,
levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13, 1): Deus
ama a sua criatura, o homem; ama-o também na sua queda e não o abandona a si
mesmo. Ele ama até ao fim. Vai até ao fim com o seu amor, até ao extremo: desce
da sua glória divina. Depõe as vestes da sua glória divina e reveste-se com as
do servo. Desce até à extrema baixeza da nossa queda. Ajoelha-se diante de nós
e presta-nos o serviço do servo; lava os nossos pés sujos, para que possamos
ser admitidos à mesa de Deus, para que nos tornemos dignos de nos sentarmos à
sua mesa o que, por nós mesmos, nunca podemos nem devemos fazer.
Deus não é um Deus distante, demasiado
distante e grande para se ocupar das nossas insignificâncias. Porque Ele é
grande, pode interessar-se também pelas coisas pequenas. Porque Ele é grande, a
alma do homem, o mesmo homem criado para o amor eterno, não é uma coisa
pequena, mas grande e digna do seu amor. A santidade de Deus não é só um poder
incandescente, diante do qual nós nos devemos retirar aterrorizados; é poder de
amor e por isso é poder que purifica e restabelece.
Deus desce e torna-se escravo, lava-nos os
pés para que possamos estar na sua mesa. Exprime-se nisto todo o mistério de
Jesus Cristo. Nisto se torna visível o que significa redenção. O banho no qual
nos lava é o seu amor pronto para enfrentar a morte. Só o amor tem aquela força
purificadora que nos tira a nossa impureza e nos eleva às alturas de Deus. O
banho que nos purifica é Ele mesmo que se doa totalmente a nós até às
profundidades do seu sofrimento e da sua morte. Ele é continuamente este amor
que nos lava; nos sacramentos da purificação o baptismo e o sacramento da
penitência, Ele está continuamente ajoelhado diante dos nossos pés e presta-nos
o serviço do servo, o serviço da purificação, torna-nos capazes de Deus. O seu
amor é inexaurível, vai verdadeiramente até ao fim.
«Vós estais limpos, mas não todos», diz o Senhor (Jo 13, 10). Nesta
frase revela-se o grande dom da purificação que Ele nos faz, porque deseja
estar à mesa juntamente conosco, deseja tornar-se o nosso alimento. «Mas não todos» existe
o obscuro mistério da recusa, que com a vicissitude de Judas nos torna
presentes e, precisamente na Quinta-Feira Santa, no dia em que Jesus faz a
oferenda de Si, nos deve fazer refletir. O amor do Senhor não conhece limites,
mas o homem pode pôr-lhe um limite.
«Vós estais limpos, mas não todos»: o que é que
torna o homem impuro? É a recusa do amor, o não querer ser amado, o não amar. É
a soberba que julga não precisar de purificação alguma, que se fecha à bondade
salvífica de Deus. É a soberba que não quer confessar nem reconhecer que
precisamos de purificação. Em Judas vemos a natureza desta recusa ainda mais
claramente. Ele avalia Jesus segundo as categorias do poder e do sucesso: para
ele só o poder e o sucesso são realidades, o amor não conta. E ele é ávido: o
dinheiro é mais importante do que a comunhão com Jesus, mais importante do que
Deus e o seu amor. E assim torna-se também mentiroso, ambíguo e vira as costas
à verdade; quem vive na mentira perde o sentido da verdade suprema, de Deus.
Desta forma ele endurece-se, torna-se incapaz da conversão, da volta confiante
do filho pródigo, e deita fora a vida destruída.
«Vós estais limpos, mas não todos». Hoje, o Senhor
admoesta-nos perante aquela auto-suficiência que põe um limite ao seu amor
ilimitado. Convida-nos a imitar a sua humildade, a confiar-nos a ela, a
deixar-nos «contagiar» por ela. Convida-nos por muito desorientados que nos
possamos sentir a voltar para casa e a permitir que a sua bondade purificadora
nos reanime e nos faça entrar na comunhão da mesa com Ele, com o próprio Deus.
Acrescentamos uma última palavra deste
inexaurível texto evangélico: «dei-vos
exemplo…» (Jo 13, 15); «também
vós vos deveis lavar os pés uns aos outros» (Jo 13, 14). Em
que consiste «lavar os pés uns aos outros»? Que significa concretamente? Eis
que, qualquer obra de bondade pelo outro especialmente por quem sofre e por
quantos são pouco estimados é um serviço de lava-pés. Para isto nos chama o
Senhor: descer, aprender a humildade e a coragem da bondade e também a
disponibilidade de aceitar a recusa e contudo confiar na bondade e perseverar
nela. Mas existe ainda uma dimensão mais profunda. O Senhor limpa-nos da nossa
indignidade com a força purificadora da sua bondade. Lavar os pés uns aos
outros significa sobretudo perdoar-nos incansavelmente uns aos outros,
recomeçar sempre de novo juntos, mesmo que possa parecer inútil. Significa
purificar-nos uns aos outros suportando-nos mutuamente e aceitando ser
suportados pelos outros; purificar-nos uns aos outros doando-nos reciprocamente
a força santificadora da Palavra de Deus e introduzindo-nos no Sacramento do
amor divino.
O Senhor purifica-nos e, por isso, ousamos
aceder à sua mesa. Peçamos-lhe que conceda a todos nós a graça de podermos ser,
um dia e para sempre, hóspedes do eterno banquete nupcial.
Amém!
Papa Bento XVI, Basílica de São João de
Latrão, 13 de Abril de 2006
https://presbiteros.org.br/roteiro-homiletico-quinta-feira-santa/
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