REFLEXÃO
DOMINICAL I
11.º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
Irmãos e Irmãs,
Deus quis precisar do
homem. Deus quis ter um povo para si, um povo santo, um povo sacerdotal, para
santificar o mundo todo em seu nome; um povo que fizesse a sua vontade,
realizasse seu reino: UM
REINO DE SACERDOTES E UMA NAÇÃO CONSAGRADA. Essa vocação
do povo, na ocasião da proclamação da Lei do monte Horeb, prefigura aquela
vocação mais plena, que, do alto da montanha da Galiléia, Jesus dirigiu a doze
humildes galileus.
Na primeira
leitura(cf. Êx 19,2-6a) a iniciativa da “aliança” é de Deus: é Deus
que convoca Moisés – o intermediário entre Deus e o Povo – para a montanha e
propõe, através dele, uma “aliança” à “casa de Jacob”. A iniciativa de
estabelecer laços de comunhão e de familiaridade com o seu Povo é sempre de
Deus. Essa “aliança” que Deus propõe é, em segundo lugar, uma realidade que
envolve toda a história do Povo. As palavras de proposição da “aliança”
aparecem em três estrofes, cada uma das quais abarca um tempo: passado,
presente e futuro. É uma relação que aponta à totalidade da caminhada do Povo
de Deus. A primeira estrofe (Ex 19,4) refere-se ao passado. Faz referência à
libertação da escravidão do Egito (“vistes o que Eu fiz no Egito”), à presença
e assistência amorosa de Deus ao longo da marcha pelo deserto (“como vos
transportei sobre asas de águia”) e ao chamamento à comunhão com o próprio Deus
(“e vos trouxe até Mim”). Tudo isso resulta do “compromisso” que Deus assumiu
com Israel, ainda antes da “aliança” do Sinai. A segunda estrofe (Ex 19,5a)
refere-se ao presente. Deus convida Israel a aceitar estabelecer com Deus laços
privilegiados de comunhão e de familiaridade. Para que isso aconteça, Deus pede
a Israel que escute a sua voz e guarde a “aliança” (os mandamentos de Deus são as
exigências com que o Povo se deve comprometer). A terceira estrofe (Ex 19,5b-6)
refere-se ao futuro. Se Israel aceitar comprometer-se com Deus numa “aliança”,
Deus oferecerá ao Povo uma relação especial, que o tornará o Povo eleito de
Deus, um reino de sacerdotes e uma nação santa. Entre todos os povos da terra,
Israel passará a ser o Povo eleito, que Deus escolheu entre todos os povos da
terra para com ele manter uma relação única. Será também um reino de sacerdotes
– quer dizer, um Povo cuja missão é testemunhar Deus e torná-l’O presente no
mundo. Será finalmente uma nação santa – quer dizer, um Povo “à parte”,
separado do convívio dos outros povos para se dedicar exclusivamente ao serviço
de Jahwéh.
A “aliança” aparece aqui como fazendo parte
integrante do projeto de salvação que Deus tem para os homens. Israel é
convidado por Deus a desempenhar um papel primordial nesse processo: se aceitar
fazer parte da comunidade de Deus e percorrer um determinado caminho (o caminho
dos mandamentos), ele será o Povo escolhido por Deus para o seu serviço e para
ser um sinal de Deus diante de todos os outros povos. Esta “eleição” não é um
privilégio, mas um serviço, que se concretiza numa missão profética: ser um
sinal vivo de Deus no mundo. Descobre-se aqui o sentido fundamental do Êxodo: a
libertação do Egito não se resume em fazer sair um povo da escravidão para a
liberdade: a caminhada que Jahwéh começou com este Povo no Egito aponta para o
compromisso com Deus e com os homens; aponta para a construção de um Povo que não
só conquista a sua liberdade mas se torna testemunha de Deus, sinal de Deus,
sacerdote de Deus no meio do mundo.
Vivemos num tempo em que não é fácil – no
meio da azáfama em que a vida decorre – reconhecer a presença, o amor e o
cuidado de Deus com essa humanidade que Ele criou; alguns dos nossos
contemporâneos chegam mesmo a falar da “morte de Deus”, para exprimir a
realidade de uma história de onde Deus parece estar totalmente ausente.
O livro do Êxodo que acabamos de ouvir revela
um Deus empenhado em caminhar ao lado dos homens e mulheres, em estabelecer com
eles laços de familiaridade e de comunhão, em apresentar-lhes propostas de
salvação, de libertação, de vida definitiva.
O livro do Êxodo define a resposta do Povo
aos desafios do Deus da “aliança” em termos de “ouvir a voz” de Deus e “guardar
a aliança”. “Ouvir a voz” de Deus significa escutar as suas propostas,
acolhê-las no coração e transformá-las em gestos na vida diária; “guardar a
aliança” significa comprometer-se com as propostas de Deus e viver de forma
coerente com os mandamentos.
O Povo que aceita o compromisso com Deus e
que “embarca” na aventura da “aliança” é um Povo que é propriedade de Deus, que
aceita ficar ao serviço de Deus. A sua missão é testemunhar o projeto salvador
de Deus diante de todos os povos da terra
Meus irmãos,
O Evangelho de hoje(cf. Mt 9,16-10,8) nos fala, em primeiro lugar, do discípulo, que
é aquele que aprende. Jesus
chama seus discípulos de “sal
da terra”, dando-lhes como distintivo o amor mútuo como a
oração do Pai Nosso, prometendo-lhe o Reino das Bem-Aventuranças.
Em segundo lugar o Evangelho nos
fala, que entre os discípulos, Jesus chamou Apóstolos, que
significa o enviado, o mensageiro. É aquele que envia uma mensagem a um
destinatário. No Evangelho de hoje Jesus
é que envia e quem lhes dá as instruções de como se comportar. A
mensagem é o Reino dos Céus e os destinatários são as ovelhas perdidas e sem
pastor. O apóstolo não é um mero empregado do culto divino e das obras de
exercício espiritual, mas é um prolongamento do Cristo, com uma missão bastante
especificada: mostrar presente no meio da comunidade de fiéis o Reino de Deus
ou ensinar como torná-lo presente e atuante. Os apóstolos são os embaixadores
de Cristo e por isso agem IN
PERSONA CHRISTI CAPITAS.
Doze discípulos
conforme nos ensina o Evangelho de hoje, numa alusão as doze tribos de Israel,
numa simbologia que quer explicar que todos estão representados no Colégio
Apostólico. Não foi levado em consideração a origem dos apóstolos, nem a
condição pessoal de cada qual, nem a ideologia e nem muito menos a militância
religiosa, nem muito menos se eles eram os mais santos e puros da comunidade.
De simples pescadores, a cobrador de Impostos, de zelota até o traidor. Jesus
demonstrou com isso um coração confiante de compaixão e gratuidade, sempre
desarmado aos “clichês” meramente
humanos.
Apóstolo ao longo da vida, no quotidiano, no
dia a dia, nas pequenas coisas, dilatando nos corações das pessoas a novidade
cristã. Guardar primeiro em seu coração a palavra de Deus para anunciá-la para
todos os gentios, para as ovelhas perdidas de Israel, anunciando inicialmente
para as pessoas de perto, para depois anunciar aos de longe.
A grandeza do
missionário se mede por sua consciência em ser porta-voz de Jesus Cristo e, portanto, da
grandeza de seus gestos de compaixão e de misericórdia. Bem mais que sua
palavra, vale o testemunho de seu comportamento prático. O bom missionário não
é aquele que leva a boa notícia da verdade, mas aquele que se identifica por
sua vivência da verdade. Por isso Jesus
nos convida a combater três males: a doença-lepra; os espíritos imundos-demônio
e a morte, que Jesus contrapõe com a ressurreição.
Isso porque o Reino de Jesus tendo destruído os três males não se limita à vida
aqui. A vida continua depois da morte, pelos séculos dos séculos.
Como cenário de fundo desta catequese sobre o
envio dos discípulos está o amor e a solicitude de Deus pelo seu Povo. Não
esqueçamos isto: Deus nunca Se ausentou da história dos homens; Ele continua a
construir a história da salvação e a insistir em levar o seu Povo ao encontro
da verdadeira liberdade, da verdadeira felicidade, da vida definitiva.
Como é que Deus age hoje no mundo? A resposta
que o Evangelho deste domingo dá é: através desses discípulos que aceitaram
responder positivamente ao chamamento de Jesus e embarcaram na aventura do
“Reino”. Eles continuam hoje no mundo a obra de Jesus e anunciam – com palavras
e com gestos – esse mundo novo de felicidade sem fim que Deus quer oferecer aos
homens. Jesus não chama apenas um grupo de “especialistas” para O seguir e para
dar testemunho do “Reino”. Os “doze” representam a totalidade do Povo de Deus.
É a totalidade do Povo de Deus (os “doze”) que é enviada, a fim de continuar a
obra de Jesus no meio dos homens e anunciar-lhes o “Reino”.
Hoje cabe esta pergunta questionadora: Qual é
a missão dos discípulos de Jesus? É lutar objetivamente contra tudo aquilo que
escraviza o homem e que o impede de ser feliz. Hoje há estruturas que geram
guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é
contestá-las e desmontá-las; hoje há “valores” (apresentados como o “último
grito” da moda, do avanço cultural ou científico) que geram escravidão,
opressão, sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e
denunciá-los; hoje há esquemas de exploração (disfarçados de sistemas
econômicos geradores de bem-estar) que geram miséria, marginalização,
debilidade, exclusão: a missão dos discípulos de Jesus é combatê-los. A
proposta libertadora de Jesus tem de estar presente (através dos discípulos) em
qualquer lado onde houver um irmão vítima da escravidão e da injustiça.
Meus irmãos,
A Carta
aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do
ano 57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua mensagem e da sua
pregação. O pretexto para a carta é um projeto de passagem por Roma, a caminho
de Espanha (cf. Rom 16,23-24): São Paulo sente que terminou a sua missão no
oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente. No entanto, a opinião
da maioria dos estudiosos da Carta aos Romanos é que Paulo se serve deste
pretexto para lembrar, quer aos cristãos vindos do judaísmo (e para quem a
salvação dependia da prática da Lei de Moisés), quer aos cristãos vindos do
paganismo (e para quem a Lei de Moisés constituía um empecilho) o essencial da
mensagem cristã. São Paulo insiste, sobretudo, no fato de a salvação não ser
uma conquista do homem, mas um dom do amor de Deus. Na verdade, todos os homens
vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade universal (cf. Rm
1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos “justifica” e salva (cf. Rm
3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem através de Jesus
Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na fé (cf. Rm
5,12-8,39).
O texto lido hoje é a parte final de uma
perícope que começa em Rm 5,1. Nessa perícope, São Paulo explica o que brota
dessa “justificação” que Deus nos ofereceu: em primeiro lugar, a paz, que é a
plenitude dos bens (cf. Rm 5,1); em segundo lugar, a esperança, que nos permite
caminhar por este mundo de cabeça levantada, de olhos postos no futuro glorioso
da vida em plenitude (cf. Rm 5,2-4). Em terceiro lugar (e assim chegamos,
finalmente ao texto que nos é proposto hoje como segunda leitura), sermos
“justificados” (isto é, recebermos, de forma totalmente gratuita uma salvação
não merecida) implica descobrir o quanto Deus nos ama. O amor de Deus pelos
homens é, para Paulo, algo que nunca deixará de o “espantar”; e é esse
“espanto” que ele procura transmitir aos cristãos nas linhas seguintes. Para
São Paulo, a história da salvação é uma incrível história de amor. Como o
homem, contando apenas com as suas forças, não conseguiria superar a situação
de escravidão, de egoísmo e de pecado em que havia caído, Deus enviou o seu
Filho ao mundo; Ele ofereceu toda a sua vida – até à cruz – para que os homens
percebessem que o egoísmo gera morte e sofrimento e que só o amor gera
felicidade e vida sem fim. Dessa forma, Ele salvou os homens da escravidão do
egoísmo e do pecado e ofereceu-lhes, de forma totalmente gratuita, a salvação.
O mais incrível, no entanto, é que tudo isto
aconteceu “quando éramos, ainda, pecadores”. Trata-se de algo incompreensível
do ponto de vista humano, que subverte totalmente a lógica dos homens. Nós
talvez aceitássemos morrer por alguém a quem amamos muito; mas em nenhum caso
estaríamos dispostos a dar a nossa vida por alguém egoísta, orgulhoso e
autossuficiente. No entanto, Deus ama de tal forma os homens – todos os homens
– que aceitou que o próprio Filho morresse pelos ímpios.
O amor de Deus é verdadeiramente um amor
“inqualificável”, incrível, ilógico, inexplicável. Soa a absoluto, a
eternidade. Nada nem ninguém conseguirá vencê-lo, derrotá-lo, eliminá-lo. São
Paulo acrescenta ainda: e se Deus nos amou desta forma quando éramos pecadores,
com muito mais razão nos amará agora que nos reconciliamos com Ele. Esse amor
que nada nem ninguém conseguirá apagar é para nós garantia de vida em
plenitude.
O cristão é fundamentalmente alguém que
descobriu que Deus o ama. Por isso, enfrenta cada dia com a serenidade, a
alegria, a esperança que brotam dessa certeza fundamental. O amor de Deus é
totalmente gratuito, incondicional e eterno. Não espera nada em troca; não põe
condições para se derramar sobre o homem; não é descartável. Numa época em que
a cultura dominante (não só a “cultura das telenovelas”, mas também a cultura
de certas elites pretensamente iluminadas) vende a imagem do amor interesseiro,
condicionado e efémero, o amor de Deus constitui um tremendo desafio aos
batizados. O amor de Deus é universal. Não marginaliza nem discrimina ninguém,
não distingue entre amigos e inimigos, não condena irremediavelmente os que
falharam nem os afasta do convívio de Deus.
Caros irmãos,
O Pai nos reconciliou consigo pela morte de
seu Filho. O cristão é chamado a romper as cadeias do mal, da violência e do
pecado. O Apóstolo das Gentes, Paulo sublinha a compaixão, a misericórdia, o
amor gratuito de Deus. Deus nos amou enquanto éramos inimigos e deu seu Filho
por nós.
Que a liturgia de
hoje nos faça entender a missão dos doze apóstolos que não é só deles: porque
os doze apóstolos representam todo o mundo, a Igreja, tendo em vista que a
missão do apostolado e do discipulado é manifestar o Reino de Deus, a vida
nova, a comunhão, o mundo novo iniciado na morte-ressurreição de Jesus pelo
derramamento do Espírito Santo. Amém!
Padre Wagner Augusto Portugal
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