REFLEXÃO
DOMINICAL I
SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE
Homilia
por: Padre Wagner Augusto Portugal
Meus
queridos Irmãos,
Deus é o
“mistério”. Isso não significa, estritamente, sua inacessibilidade ou
incognoscoscibilidade. Significa muito pelo contrário que, enquanto “nele nos
movemos e existimos” (cf. At 17,28), nossa compreensão não consegue engloba-lo.
Por isso, ele se manifesta exatamente naquilo que nos envolve, em primeiro
lugar, na insondável sabedoria com que o universo foi feito. Assim, o judaísmo
viu na sabedoria de Deus uma realidade preexistente ao próprio universo: a
primeira criatura de Deus, conforme nos ensina a primeira leitura.
Assim ao
longo do ano litúrgico vamos celebrando as grandes festas da vida cristã. Hoje
celebramos o mistério da Santíssima Trindade: um Deus em três pessoas – Pai,
Filho, Espírito Santo, – uma verdade fundamental da nossa fé cristã, que
expressamos inúmeras vezes, por palavras e gestos, na sagrada liturgia, na
oração particular, na oração pública, todas as vezes que traçamos sobre nossa
fronte o sinal da doce salvação, o sinal do cristão, a o “sinal da santa
Cruz!”(cf. Evangelho de João 16,12-15).
Caros
irmãos,
A
Primeira Leitura(cf. Pr 8,22-31) nos apresenta a Sabedoria divina que existe
antes de tudo. O Antigo Testamento não conhece a revelação de Deus em três
pessoas, mas fala do Deus vivo, que age e fala e que, com seu Espírito, penetra
em todo o ser e a história da humanidade. “Palavra”, “Espírito”, “Sabedoria” de
Deus aparecem, para o pensamento do Antigo Testamento, como realidades divinas
atuantes. Preparam a visão das três pessoas divinas no Novo Testamento. O
capítulo 8 do Livro dos Provérbios é um grande poema, em que a Sabedoria tem a
palavra. Fala de sua origem antes dos tempos, de seu lugar ao lado de Deus na
criação, mas também, ao lado dos homens. Paulo identificará o Cristo
crucificado com a “força e a sabedoria de Deus”. Esta é a plena revelação da
Sabedoria de Deus: estar junto aos homens no sofrimento e na doação até o fim.
A referência
ao Deus que tudo criou para nós com sabedoria nos faz pensar num Pai providente
e cuidadoso, que tem um projeto bem definido para os homens e para o mundo.
Contemplar a criação é descobrir, na beleza e na harmonia das obras criadas,
esse Pai cheio de bondade e de amor. Olhando para a obra de Deus,
aprendemos que o homem não é um concorrente de Deus, nem Deus um adversário do
homem. Ao homem compete reconhecer o poder e a grandeza de Deus e se
entregar, confiante, nas mãos desse Pai que tudo criou com cuidado e que
tudo nos entrega com amor.
Irmãos e
Irmãs,
Na
Segunda Leitura(cf. Rm 5,1-5) nos apresenta o amor de Deus que se derramou em
nós. Não por causa de privilégios nossos, mas porque Cristo por nós morreu,
somos justos diante de Deus. Nisso reconhecemos que Deus quer nos salvar e nos
amar; por isso esperamos. Que somos capazes de participar de sua vida, é obra
de seu Espírito em nós.
No
momento em que o Apóstolo Paulo escreve aos Romanos, por volta entre os anos de
57 ou 58, ele está terminado a sua terceira viagem missionária e se prepara
para partir para Jerusalém. São Paulo tinha terminado a sua missão no oriente
(cf. Rom 15,19-20) e queria levar o Evangelho ao ocidente. Sobretudo, São Paulo
aproveita a carta para contatar a comunidade de Roma e apresentar aos Romanos e
a todos os batizados os principais problemas que o ocupavam (entre os quais
sobressaía a questão da unidade – um problema bem presente na comunidade
de Roma, afetada por alguma dificuldade de relacionamento entre judeus-cristãos e pagãos-cristãos).
A justiça
é, mais do que um conceito jurídico, um conceito relacional. Define a
fidelidade a si próprio, à sua maneira de ser e aos compromissos assumidos no
âmbito de uma relação. Ora, se Javé Se manifestou na história do seu Povo como
o Deus da bondade, da misericórdia e do amor, dizer que Deus é
justo não significa dizer que Ele aplica os mecanismos legais quando o
homem infringe as regras. Antes significa, sim, que a bondade, a
misericórdia, o amor, próprios do “ser” de Deus, se manifestam em todas as
circunstâncias, mesmo quando o homem não foi correto no seu proceder. São
Paulo, ao falar do homem justificado, está a falar do homem pecador
que, por exclusiva iniciativa do amor e da misericórdia de Deus, recebe um
veredicto de graça que o salva do pecado e lhe dá, de modo totalmente
gratuito, acesso à salvação. Ao homem é pedido somente que acolha, com
humildade e confiança, uma graça que não depende dos seus méritos e que
se entregue completamente nas mãos de Deus. Este homem, objeto da graça de
Deus, é uma nova criatura (cf. Gl 6,15): é o homem ressuscitado para a vida
nova (cf. Rm 6,3-11), que vive do Espírito (cf. Rm 8,9.14), que é filho de
Deus e co-herdeiro com Cristo (cf. Rom 8,17; Gl 4,6-7).
Na Solenidade
da Santíssima Trindade, somos convidados a contemplar o amor de um Deus que
nunca desistiu dos homens e que sempre soube encontrar formas de vir ao nosso
encontro, de fazer caminho conosco. Apesar de os homens insistirem, tantas
vezes, no egoísmo, no orgulho, na autossuficiência, no pecado, Deus continua
a amar e a nos fazer propostas de vida. Trata-se de
um amor gratuito e incondicional, que se traduz em dons não merecidos, mas que,
uma vez acolhidos, nos conduzem à felicidade plena. A vinda de Jesus Cristo
ao encontro dos homens é a expressão plena do amor de Deus e o sinal de que
Deus não nos abandonou nem esqueceu, mas quis até partilhar conosco a
precariedade e a fragilidade da nossa existência para nos mostrar como nos
tornarmos “filhos de Deus” e herdeiros da vida em plenitude. A presença do
Espírito acentua no nosso tempo – o tempo da Igreja – essa
realidade de um Deus que continua presente e atuante, derramando o seu amor ao
longo do caminho que dia a dia vamos percorrendo e impelindo-nos à renovação, à
transformação, até chegarmos à vida plena do Homem Novo.
Irmãos e
Irmãs,
O
Catecismo da Igreja Católica define a Santíssima Trindade como “O mistério da
Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. Só Deus no-lo
pode dar a conhecer, revelando-se como Pai, Filho e Espírito Santo”.(Cf.
Catecismo da Igreja Católica número 261).
A
comunidade cristã é a nova família desse Deus uno e trino, origem e finalidade
de toda a criatura humana. Portanto, este mistério é a maior novidade trazida
por Jesus no Novo Testamento. Jesus confirmou o Deus único, criador e Senhor do
mundo, em que os hebreus acreditavam e em torno de quem faziam girar, com
rigor, suas vidas, leis, cultos e atividades. Mas Jesus levou-nos para além
dessa dimensão Deus-criaturas, mostrou-nos a vida de Deus no seu lado de dentro
e revelou-nos que o amor do Pai se personifica no Filho. Na Ceia Última, quando
o Apóstolo Filipe pediu que Jesus lhes mostrasse o rosto do Pai, Jesus
respondeu: “Quem me vê, vê o Pai…” “Eu estou no Pai e o Pai está em mim… Tudo o
que o Pai possui é meu”(Cf. Jo 14,11; 16,15). E é na última Ceia, sobretudo,
que Jesus fala do Espírito Santo, que o Pai haveria de mandar em seu nome(Cf.
Jo 14,16-17).
Jesus é
um com o Pai. Jesus é a imagem visível do Deus invisível(Cf. Jo 10,30; 14,10;
17,11.21; Cl 1,15). Em Jesus está a plenitude da divindade(Cl 2, 9), por isso
mesmo, quem o vê, vê o Pai (Cf. Jo 12,45; 14,9). É, sobretudo, o Evangelho de
João que descreve o Espírito Santo como pessoa divina (Cf Jo 14,16-26),
presente e operante nos fiéis como estão presentes e operam o Pai (Cf Jo
17,21-23) e o Filho(Cf. Jo. 14,18). O prefácio da Missa de hoje formula assim
essa verdade básica da fé: “sois um só Deus e um só Senhor, não uma única
pessoa, mas três pessoas em um só Deus. Adoramos cada uma das pessoas, na mesma
natureza e igual majestade”.
Se Nosso
Senhor Jesus é a encarnação do amor do Pai, foi também por amor que o Pai o
enviou ao mundo. Se Jesus provém do amor do Pai para expressar o amor de Deus,
todos os seus gestos, passos e ensinamentos serão feitos de amor. O gesto mais
amoroso de todos foi dar às criaturas humanas a garantia da vida eterna, isto
é, a certeza doce de que poderão participar da vida de Deus, do amor de Deus. A
condição de Jesus pôs é lógica: que creiamos nele como enviado do Pai e na sua
força salvadora.
Meus
queridos Irmãos,
Entender
a Trindade é bebermos da fonte do amor de Deus por nós. Trindade é amor. Nós
somos frutos deste cândido amor.
Deus nos
imaginou. Deus nos amou. Deus nos criou e nos colocou no mundo. Somos, por
conseguinte, um ser saído do amor trinitário de Deus a caminho do retorno ao
mesmo amor. Nossa origem e nosso fim é a Trindade, que nos espera para
fazer-nos participantes de sua glória. Pertencemos à Trindade, porque somos
criaturas queridas e criadas pela Trindade.
A
Trindade faz parte de nossas vidas desde o momento do Batismo. Somos batizados
em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A partir daí a Trindade passa a
habitar em nossa vida, em nosso ser, em nossa existência.
Deus está
conosco pela Trindade. Assim a Trindade não é uma coisa inacessível. Pelo
contrário, a Trindade demonstra que nosso Deus é um Deus aberto, comunidade,
dialogante que se manifesta, que nos ama, que age, que cria, que quer ser
procurado e deixa-se encontrar.
Trindade
que é riqueza inesgotável que a Igreja nos aponta para que saibamos onde Deus
abre seu íntimo para nós: no seu Filho Jesus e no Espírito de Jesus que nos
anima. Lá encontramos Deus, e o encontramos não como bloco de granito, monolítico,
fechado, mas como pessoas que se relacionam, tendo cada uma sua própria
atuação: o Pai que nos ama e nos chama à vida; o filho Jesus que fala do Pai
para nós e mostra como o Pai é, sendo bom e fiel até o dom da própria vida na
cruz; e o Espírito Santo, que doutro jeito ainda, fica sempre conosco. O
Espírito Santo atualiza em nós a memória da vida e das palavras de Jesus e
anima a ação evangelizadora da sua Igreja. E todos os três Pai, Filho e
Espírito Santo estão unidos e formam uma unidade naquilo que Deus
essencialmente é: amor.
Caros
irmãos,
A celebração
da Solenidade da Santíssima Trindade não pode ser a tentativa de compreender e
decifrar esse mistério doce e suave de “um em três”. Nesta solenidade,
genuflexos, somos chamados a contemplação de um Deus que é amor e que é,
portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas
numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três deuses e é negar a fé;
inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas de apresentar
o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das
três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um
Deus família, de um Deus comunidade, se expressa na nossa linguagem
imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de
pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa
linguagem finita e humana não consegue “dizer” o mistério de Deus.
Irmãos e
Irmãs,
A
Solenidade da Santíssima Trindade desperta em nós este desejo de conhecê-lo,
porque Deus dá sempre o primeiro passo em direção a nós. Neste ano, é acentuado
particularmente o fato de que Deus se manifesta, se revela, se nos dá a
conhecer e nos oferece um conhecimento pessoal, querer uma face a face com cada
um de nós, para que nos abramos todos à grande face a face de Deus. A Trindade
se manifesta de modo máximo na comunicação do Espírito ao amor aos homens, para
que os homens, amando-se como Cristo os amou, amem a Deus e entrem em
intimidade com a divina Comunidade de amor. Diante do mistério do Deus Uno e
Trino propriamente não nos resta senão adorar e dizer: “Glória ao Pai e ao
Filho e ao Espírito Santo!”. Amém!
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