REFLEXÃO
DOMINICAL III
Sentir
como Jesus para fazer a vontade do Pai
Por
Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues
I.
Introdução geral
Esta liturgia nos convida a refletir
sobre o compromisso de realizar a vontade de Deus em nossa vida, e isso
consiste no empenho pela construção de um mundo justo e fraterno, o que
corresponde ao Reino dos céus proposto por Jesus. Para tanto, é necessário
abrir-se à conversão e adotar os mesmos sentimentos de Jesus, ou seja, viver à
sua maneira, fazendo as mesmas opções que ele fez com humildade, espírito de
obediência ao Pai e sensibilidade pelas necessidades do próximo. Todas as
pessoas, em todas as épocas, são convidadas a abraçar esse projeto de vida,
embora sejam livres para responder positiva ou negativamente. É importante que
as escolhas sejam feitas com liberdade e consciência, para que cada pessoa
possa assumir com responsabilidade as respectivas consequências. O Reino dos
céus possui uma dinâmica própria que independe de nossas convicções pessoais.
Para fazer parte dele e ajudar a construí-lo, é necessário assimilar bem essa
dinâmica. Por isso, conversão e responsabilidade são palavras-chave nesta
liturgia.
II.
Comentários dos textos bíblicos
1.
I
leitura: Ez 18,25-28
A primeira leitura é tirada do livro
atribuído a Ezequiel, conhecido como o “profeta da esperança”. Ele foi levado à
Babilônia logo na primeira deportação, em 597 a.C., pelo exército de Nabucodonosor.
Recebeu a vocação durante o exílio e cumpriu toda a sua missão profética junto
ao povo exilado. Por isso, sua mensagem é predominantemente marcada pela
esperança, mesmo empregando palavras duras conforme a necessidade. O trecho
lido neste domingo, inserido na primeira parte do livro (Ez 1-24), corresponde
à fase inicial da pregação do profeta e foi dirigido especialmente ao primeiro
grupo de deportados, do qual ele mesmo fazia parte.
Tudo o que acontecia em Israel era
atribuído a Deus: as coisas boas eram sinal de bênção, enquanto as ruins eram
vistas como castigo pelos pecados do povo. Dessa forma, os primeiros deportados
para a Babilônia imaginavam que o exílio fosse um castigo passageiro por alguma
culpa coletiva do passado – pois, na época, se imaginava que o mal praticado
pelos antepassados repercutisse em seus descendentes –, mas em breve
retornariam à terra. Mesmo assim, queixavam-se de Deus, julgando-o injusto. O
profeta, no entanto, pensa diferente e adverte o povo, denunciando a
mentalidade equivocada: não era a conduta de Deus que estava errada, mas o
próprio povo, com suas escolhas e infidelidades (v. 25). O exílio era de fato
consequência dos erros e escolhas equivocadas, mas cada pessoa,
particularmente, era responsável pela situação; não tinha sentido pôr a culpa
nos outros. Além disso, a situação dramática experimentada era oportunidade
para o arrependimento e mudança de comportamento: se a injustiça e o mal
praticado geram morte, a prática da justiça gera vida (vv. 26-27).
A conclusão do texto é um alento à
esperança e um convite à conversão (v. 28): quem faz a passagem da injustiça
para a justiça recebe o perdão de Deus e sentido para a vida. Aqui, o profeta
não está propondo uma teologia retributiva, mas convidando o povo à consciência
sobre a responsabilidade individual. Deus oferece a oportunidade para essa
passagem, e cada ser humano é livre para escolher. E a vontade de Deus é que
todos escolham e vivam a justiça.
2.
II
leitura: Fl 2,1-11
Continuamos a leitura da carta aos
Filipenses, iniciada no domingo passado. Essa é uma das cartas mais pessoais de
Paulo, graças à intimidade existente entre ele e a comunidade. Embora lá não
houvesse sérios problemas doutrinários, a comunidade de Filipos não era
perfeita. A cidade era uma colônia romana e a maior parte da sua população era
composta de militares romanos aposentados que viviam com as respectivas
famílias, muitas das quais convertidas ao cristianismo. Com o passar do tempo,
uma mentalidade hierárquica e autoritária foi introduzida na comunidade cristã,
comprometendo sua unidade. O trecho lido neste domingo denuncia essa situação.
Com muita delicadeza, certamente para
não prejudicar a relação afetuosa que mantinha com a comunidade, Paulo exorta
os filipenses a cultivar sentimentos e relações de ternura, concórdia e amor,
para manterem a harmonia e a unidade (vv. 1-2). Em vista disso, recomenda
também que sejam humildes e abandonem as rivalidades, a prepotência e o egoísmo
(vv. 3-4). Enfim, Paulo pede que os cristãos da comunidade de Filipos tenham os
mesmos sentimentos de Cristo (v. 5).
Para ilustrar sua exortação, o
apóstolo insere na carta um hino que sintetiza a vida de Jesus, como exemplo a
ser seguido pelos filipenses e pelos cristãos de todos os tempos (vv. 6-11).
Esse hino, um dos mais ricos de todo o Novo Testamento, é verdadeiro compêndio
de cristologia e é o coração de toda a carta. Provavelmente, era um cântico já
utilizado na liturgia de algumas comunidades, especialmente nas celebrações de
batismo. A primeira parte do hino recorda o despojamento e a humilde obediência
de Jesus: embora fosse possuidor da condição divina, assumiu a condição de
escravo e aceitou até mesmo a morte de cruz (vv. 6-8); a segunda enfatiza a
exaltação aos céus como resposta de Deus Pai à sua obediência e humilhação (vv.
9-11). Jesus Cristo, portanto, é o exemplo perfeito de quem faz a vontade de
Deus Pai. Como cristãos, somos convidados a ter a mesma disposição; por isso,
cabe-nos cultivar e alimentar os mesmos sentimentos dele.
3.
Evangelho:
Mt 21,28-32
Lemos, neste domingo, a segunda
parábola exclusiva do Evangelho segundo Mateus que utiliza a imagem da vinha: a
parábola dos dois filhos. Segundo o evangelista, quando Jesus conta essa
parábola, já se encontra em Jerusalém, vivendo a última etapa do seu ministério.
Após uma entrada triunfante na grande cidade (Mt 21,1-11), logo começaram os
conflitos com as autoridades religiosas que não aceitaram sua proposta de Reino
dos céus, uma vez que a instauração desse Reino implicava verdadeira
transformação da ordem vigente. É nesse contexto que se insere a parábola em
pauta. Jesus estava ensinando no templo, e os chefes dos sacerdotes e os
anciãos do povo questionaram com que autoridade ele fazia aquilo (Mt 21,23). A
parábola, portanto, faz parte da resposta de Jesus a esse questionamento.
Embora, no contexto narrativo do
Evangelho, os interlocutores de Jesus sejam as autoridades religiosas de
Jerusalém, os principais destinatários da mensagem são, na verdade, seus
discípulos e discípulas de todos os tempos. Como afirmamos no domingo passado,
a vinha é uma imagem clássica, na tradição bíblica, para representar Israel, o
povo de Deus (Is 5,1-7; Jr 2,21; 12,10; Os 10,1). Jesus aplica essa imagem ao
Reino dos céus e, consequentemente, à comunidade cristã. A parábola envolve três
personagens: um pai e dois filhos (v. 28). O pai representa Deus, e os filhos a
humanidade – até então dividida entre o povo eleito, Israel, e os pagãos, que
compreendiam todas as categorias de pessoas marginalizadas. O pai lança a ambos
os filhos a mesma proposta de ir trabalhar na vinha hoje (vv. 28b.30a); o
indicativo temporal é importante, porque mostra a urgência de abraçar o projeto
do Reino. As respostas dos filhos são diferentes, bem como as respectivas
atitudes (vv. 29-30b). Um dos filhos diz “não” ao pai, mas muda de opinião e
termina fazendo sua vontade; o outro diz “sim”, mas não cumpre o que prometera.
A mudança de opinião do primeiro significa a conversão. A contradição do
segundo representa a hipocrisia religiosa dos interlocutores de Jesus e serve
de alerta para a comunidade cristã não repetir tal comportamento.
Após concluir a parábola, Jesus volta
a interagir com seus interlocutores, denunciando os erros e contradições deles
(vv. 31-32) e apresentando nova realidade: a precedência, no Reino dos céus,
dos marginalizados pela religião, representados aqui pelos cobradores de
impostos e prostitutas. Temos, portanto, séria advertência a quem se sente
seguro de si e de suas práticas religiosas; uma denúncia contra quem vive uma
religiosidade fundada em discursos e com pouco empenho na edificação do Reino.
Por isso, é necessário abrir-se constantemente à conversão para acolher a
novidade de Jesus.
III.
Pistas para reflexão
A liturgia da Palavra deste domingo
possui uma riqueza extraordinária, que não pode ser negligenciada na homilia.
Todas as leituras convidam à conversão e à responsabilidade para viver uma vida
religiosa autêntica, sem hipocrisia. Deus nos criou para fazermos sua vontade,
o que não consiste em palavras e discursos bonitos, mas em gestos concretos de
solidariedade e amor ao próximo. Recordar a comunidade de que ela só é cristã
se nela são cultivados os mesmos sentimentos e atitudes de Jesus, sobretudo a
humildade e o amor solidário que se traduz em serviço. Sendo o último domingo
do mês da Bíblia, é importante convidar a assembleia a continuar o estudo e a
leitura da Palavra de Deus durante todo o ano, pois, como luz para o nosso
caminho, ela ajuda a conhecer e fazer a vontade do Pai.
Pe. Francisco Cornélio Freire
Rodrigues
é presbítero da Diocese de Mossoró-RN.
Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San Tommaso
D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano
de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia pelo Ateneo Pontificio
Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (Mossoró-RN).
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/26o-domingo-do-tempo-comum-27-de-setembro/
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