SANTO
AGOSTINHO E AS CONFISSÕES
“Noli foras ire; in interiore homine
habitat veritas”. (“Nada procurar fora; no interior
da alma do homem habita a verdade.”) – Santo Agostinho (lembra o preceito
délfico gnothi seauton) "Foi Ele quem me criou.”
– Santo Agostinho
A obra compreende um resumo da vida do autor até o ano 387 e da sua
descoberta do Cristianismo e da natureza da nossa alma. A confissão como
pensamento filosófico.
Agostinho cria nesta obra a ideia de confissão, o relato interno da
própria vida. A capacidade de relatar honestamente sua vida, a autoconsciência,
é a base da filosofia, pois gera o compromisso interno necessário para sua
prática, permitindo a redescoberta de verdades essenciais e latentes –
anamnese.
Somos feitos a imagem e semelhança de Deus, logo algum reflexo divino
nos habita. E é somente conhecendo este nosso interior que poderemos entender o
mundo exterior. O verdadeiro mistério é nossa alma, e somente depois de
entendê-la é que podemos compreender algo do mundo. O eu consciente de sua
existência (“eu existo”) que imediatamente entende não ter sido seu próprio
criador – Descartes, mais de mil anos depois de Agostinho, esquece ser criatura
e tenta reduzir esta verdade a um mero princípio lógico. O “eu existo, logo
penso” agostiniano destrói o “eu penso, logo existo” cartesiano.
A partir desta primeira verdade (“eu existo”) Agostinho busca outras
verdades (começando pelo mistério da criação) até ordenar o universo,
remontando a ordem do logos sobre bases sólidas.
O caminho autobiográfico, integrando coerentemente o mundo interior (das
ideias) ao mundo exterior (a estrutura da realidade), é o caminho da sabedoria.
E a confissão só funciona com a aceitação da responsabilidade pela própria vida
– entendendo e aceitando as próprias culpas e praticando o genuíno
arrependimento, ou seja, reconhecer o erro e aceitar as consequências. Não há
vida verdadeiramente humana sem culpa e não há verdadeiro perdão sem o
arrependimento.
Agostinho desfila uma série de ensinamentos ao longo de sua confissão:
Aversão à língua grega: indica
que o verdadeiro aprendizado só ocorre quando há o interesse do aluno no objeto
ensinado.
Desordens da juventude:
Agostinho assume todos os erros da adolescência sem buscar culpar o ambiente ou
influência de amigos. Só tomará as rédeas de sua vida quem verdadeiramente
assumir a responsabilidade dos seus atos, sem buscar nos outros a culpa por
alguma indevida influência. É preciso assumir a responsabilidade mesmo que por
algum erro ocasionado pela roda da fortuna, como fez Édipo.
Amores impuros: o
pecado da luxúria (assim como o da gula) ocorre no despropósito e/ou excesso.
Não há nada de errado com o sexo (e com o prazer de alimentar-se). Atos
necessários para nossa sobrevivência que bondosamente Deus fez potencialmente
prazerosos. Errado é buscar somente o prazer no sexo, longe de seu propósito
sagrado (assim como viver para comer e não comer para viver).
A influência de um livro de Cícero: mordaz crítica à filosofia grega após Aristóteles (e.g. Epicuro).
Filosofia que induz ao gnosticismo (ou mais modernamente ao humanismo) e a
soberba de querer saber o que só Deus sabe.
Perante a simplicidade da Bíblia: devemos julgar os livros pelo seu conteúdo e não pela forma ou estilo.
Contra os maniqueístas: o Mal
não existe no plano metafísico, não pode ser obra de Deus. O mal é a falta do
bem, e a decisão humana pelo pecado. Um Mal absoluto seria responsável por
todas as maldades, enganosamente tirando a responsabilidade do homem. As
imperfeições do mundo são um ato de bondade de Deus para permitir nossa
existência, pois se o mudo fosse perfeito seria o próprio Deus (ver Ensaio
de Teodiceia de Leibniz). Maniqueístas ignoram as duas formas de dualidade:
uma excludente (e.g. claro e escuro) e outra complementária (e.g. homem e
mulher). Eles consideram o Bem e Mal como complementários, quando são
excludentes.
Insatisfação das criaturas: vivemos
um mundo se sucessões, somos submetidos a um processo inescapável de criação e
perecimento neste mundo material.
As dez categorias de Aristóteles: definir é colocar limites – o que é não é outra coisa. As categorias
de Aristóteles se aplicam a tudo no mundo manifestado. Não se aplica a Deus.
Deus não pertence a este mundo. Deus também não é a somatória de tudo
(panteísmo de Espinoza), a soma de todas as coisas finitas nunca será o
infinito.
Eloquência de Fausto: a
beleza da retórica não torna a fala verdadeira.
O problema do mal: todo
que existe tem algo de bom, a perda do bem é que provoca atos maus. O Mal é uma
perversão da vontade suprema – um afastamento de Deus.
Estudos platônicos: o mundo
das formas ideais de Platão estaria na mente de Deus, e as reminiscências da
alma seriam iluminações – platonismo transformado em Cristianismo.
Isaías: “Se não crerdes, não compreendereis.”: a fé procura e a inteligência encontra, logo a fé
é o caminho para a sabedoria. Agostinho percebe que começou a enxergar e
encontrar novas verdades mais facilmente depois que começou a crer. A crença
iluminou sua mente. Jesus foi um brilho nas trevas, dando-nos através da crença
o poder do entendimento. A percepção da evidência no conhecimento, da verdade
no fato, é o Verbo Divino. A mente produz mentiras quando não iluminada pela
fé.
A memória: pensar é reunir
as memórias, sem a memória não é possível nem o conhecimento de si mesmo.
O tempo: é um
processo mental, uma sensação mental, só existe o presente: o passado é uma
memória, o presente é uma intuição e o futuro uma mera expectativa. O tempo é
produto do espírito, criado por estas três funções da mente. O tempo é uma
imagem móvel da eternidade.
Origem daquilo que existe: as
coisas existem por (a) geração (transmissão da substância – pai gera filho),
(b) transformação (manipulação de coisas que já existem) e (c) criação. Deus
criou o mundo ex nihilo (do nada).
Ser pobre de espírito: é ter
pobreza de opiniões, não ter a soberba de crer tudo saber, ser humilde.
Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?: Deus criou o tempo junto com o mundo. O tempo não
existe no mundo de Deus. O tempo que existe fora do mundo manifestado é o
infinito presente atemporal.
Obstáculos para a crença, à sabedoria: a concupiscência (especialmente a sexual no caso de Agostinho), apreço
exacerbado a retórica, e apego ao consenso grupal. O corpo e a vaidade como
inimigos do espírito.
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Notas
·
Aurelius Augustinus (354-430) nasceu em Tagaste (hoje Souk-Ahrás na
Argélia). Filho de romano pagão casado com uma berbere cristã (Mônica, mais
tarde Santa Mônica).
·
Professor de retórica interessou-se por filosofia, maniqueísmo e
neoplatonismo antes de se converter ao cristianismo em 386.
·
Testemunhou o desmoronamento do Império Romano simultaneamente com a
construção da Igreja. Talvez o principal doutrinador entre os Doutores da
Igreja.
·
Em sua extensa obra destacam-se: A Cidade de Deus (primeira obra
de filosofia da história), Da Trindade, Sobre o Sermão da
Montanha, Da Doutrina Cristã e De Libero
Arbítrio.
·
Confissões foi escrito em 400, quando Agostinho tinha 46 anos. Introduz a
perspectiva da “primeira pessoa” no texto filosófico. Escreveu o livro para
incentivar as pessoas a buscar Deus.
·
Confissão aqui foi traduzida do grego – exomologesis –
significando também louvor. (agradecimento).
·
O erro de Descartes vai gerar outros erros filosóficos como kantismo,
existencialismo e relativismo.
https://www.culturaanimi.com.br/post/confiss%C3%B5es-de-santo-agostinho
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