REFLEXÃO
DOMINICAL I
24 de
março – Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor
Por
Maicon André Malacarne*
Jesus
Cristo: amor que recria o mundo!
I.
INTRODUÇÃO
GERAL
Os ramos e o amor
total estão ligados profundamente, cerzidos entre os Evangelhos e as leituras
deste domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, início da Semana Santa. Erguemos
os ramos para acolher o Senhor, mas é incompatível acolhê-lo sem assumir novo
estilo de vida. O contexto de desigualdades, disputas e individualismo, os
fundamentalismos que neutralizam o diálogo, as crises familiares, as doenças e
outros processos de adoecimentos psíquicos são algumas das realidades que
carregamos para celebrar a Semana Santa.
A imagem guardada
pelo profeta Isaías de um misterioso Servo sofredor que suporta todo tipo de
ofensas e de violência, na confiança de que “o Senhor é meu auxiliador”,
torna-se sempre uma esperança nova que ganha sentido maior em Jesus Cristo. De
fato, hoje, com Jesus, entramos em Jerusalém aos gritos de “Hosana, bendito o
que vem” e, igualmente com Jesus, entramos no tribunal para vê-lo condenado à
morte de cruz. Em tudo, Jesus assumiu a condição humana sofredora, por isso, conforme
a carta de Paulo aos Filipenses, “Deus o exaltou acima de tudo”.
A Igreja no Brasil
também realiza neste domingo a coleta da solidariedade, gesto concreto da
Campanha da Fraternidade. Participar desse sinal é colaborar com projetos que
garantem uma esperança a mais a muitas pessoas, além de ser sinal de pertença e
de unidade eclesial.
II.
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
Evangelho
de Ramos (Mc 11,1-10)
A liturgia deste
domingo compreende dois Evangelhos: a entrada de Jesus em Jerusalém, proclamada
no início, antes da procissão, e uma das narrações da paixão e morte de Jesus
na cruz.
Jesus entrou em
Jerusalém “montado em um jumentinho” (v. 7); ou seja, ao renunciar entrar a
cavalo, assumiu a condição dos mais pobres. Foi acolhido por “muitos que
estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam
apanhado nos campos” (v. 8). Todos gritavam: “Hosana, bendito o que vem” (v.
9).
Hosana é um pedido de
ajuda, um grito por salvação. A salvação, de fato, foi percebida pelo povo
simples de Jerusalém em Jesus de Nazaré. A salvação que o povo reconheceu não
foi da potência, do poder, mas do serviço e do amor. Nos mantos e nos ramos,
aquelas pessoas antecipavam a resposta que, mais tarde, aconteceria na cruz:
Deus nunca nos abandonou!
2.
I
leitura (Is 50,4-7)
A leitura traz o
terceiro poema do Servo de Javé, também chamado de Servo sofredor, uma figura
misteriosa descrita pelo segundo Isaías que foi interpretada pela tradição como
uma antecipação da vida e do ministério de Jesus Cristo.
O Servo é um homem da
palavra – “para que eu saiba dizer palavras de conforto” (v. 4) –, cujos
destinatários são “as pessoas abatidas” (v. 4). O que chama a atenção é que
esse Servo, chamado a consolar, é alguém de sofrimento. Em vez de assumir uma
condição de prostração, traduz a humilhação (“as costas para me baterem e a
face para me arrancarem a barba”, v. 6) em uma condição de confiança total: “o
Senhor é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo” (v. 7).
Não
se trata de um elogio ao sofrimento, mas o Servo de Javé nos faz meditar sobre
as oportunidades que cada momento da vida põe diante de nós, também diante das
dificuldades maiores. O que fazemos com elas? No início da Divina Comédia, no
primeiro livro (Inferno, Canto I, versos 2-3), Dante Alighieri escreveu:
“Achei-me numa selva tenebrosa, tendo perdido a verdadeira estrada”. Para
alcançar o paraíso, Dante precisou descobrir o caminho do meio da escuridão.
3.
II
leitura (Fl 2,6-11)
Trata-se de um grande
hino paulino, da tradição da Igreja de Filipos, que propõe uma interpretação do
mistério pascal. A Páscoa é lida como um movimento de abertura, de exaltação,
de “baixo para cima”, da humilhação à exaltação. A iniciativa de “abaixar” é do
próprio Deus, para conduzir toda a humanidade à glória. De fato, Jesus Cristo
“esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual
aos homens” (v. 7), foi glorificado por Deus, que “o exaltou acima de tudo” (v.
9).
Quando Paulo escreveu
aos filipenses, estava preso em Éfeso. Encontrava-se na condição de perseguido
por causa de Jesus. Nessa mesma carta, escreveu: “Tendes em vós os mesmos
sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5). O caminho da humanização é caminho para
a divinização. Tornar-nos mais humanos é um dos maiores compromissos da Semana
Santa.
4.
Evangelho
(Mc 14,1-15,47)
O grande texto da
paixão de Jesus escrito por Marcos é um convite à meditação profunda durante a
liturgia, mas também no decorrer da semana. Para abrir a reflexão, propomos
alguns pontos que nascem da teologia desse relato.
Primeiro, trata-se de
uma leitura da paixão. Marcos não traduziu a história de um super-herói, de um
mágico, mas de um amor! Jesus entregou-se totalmente na cruz, numa paixão
avassaladora, capaz de entregar-se, de perder, de oferecer-se sem reter nada. É
esse amor que salvou e salva a humanidade.
No início do texto,
temos a paixão traduzida na unção em Betânia: “veio uma mulher com um vaso de
alabastro cheio de perfume de nardo puro, muito caro. Ela quebrou o vaso e
derramou o perfume na cabeça de Jesus” (14,3). A mulher estava reconhecendo o
messianismo de Jesus e antecipando sua morte na cruz. De fato, a unção era um
sinal da sepultura. Mais adiante, durante a última ceia, Jesus traduziu a
paixão como oferta total de si: “Tomai, é meu corpo… é meu sangue” (14,22-24).
A
contradição de toda paixão é a traição. Trair é quebrar o amor! O acordo de
Judas e dos sumos sacerdotes (14,10), a entrega de Jesus e a traição total de
Judas (14,43), as negações de Pedro (14,63.70-71), o abandono, a solidão, o
grito “crucifica-o” (15,13), o manto vermelho e a coroa de espinhos (15,17), os
cuspes, a zombaria (15,19), os insultos já no alto da cruz (15,29) são parte da
gramática da paixão de Jesus. O amor sempre conhece o sofrimento! De fato,
Teilhard de Chardin afirmou que toda a missão do seguidor de Jesus pode ser
resumida em “levar amor ao mundo” (Sull’amore,
tradução nossa).
III.
PISTAS
PARA REFLEXÃO
Com os Evangelhos
deste domingo, somos convidados a acompanhar Jesus nos seus últimos dias, desde
a unção de Betânia, passando pela entrada em Jerusalém, montado no jumentinho e
sendo acolhido com os ramos e os mantos, até a traição, a negação, a solidão, o
abandono, a cruz e a morte. Na imagem do Servo de Javé, desde o sofrimento
total, meditamos sobre o caminho para transformar “nossa” condição de
humilhação. São Paulo indica que a estrada é assumir em tudo a condição humana
para, com Jesus, alcançar a salvação.
A experiência da fé
pode envolver o risco de a pessoa viver em uma redoma, fugir do mundo, porque
“o mundo é mau”. Vivendo o tempo da Quaresma e iniciando a Semana Santa, o
convite é para caminharmos pela estrada da humanidade, construindo sinais de
humanização. Em vez da tentação de esconder-nos, que acompanha a história desde
Adão e Eva, nossa vocação é “assumir a condição humana”, ou seja, ser
totalmente humanos e caminhar na direção de Deus.
“Torne-se
aquilo que você é!”, escreveu Nietzsche (Gaia
Ciência), retomando uma velha máxima. Dizendo de outra maneira,
viver nossa identidade mais profunda é traduzir a vida em paixão, em vocação de
doar-nos, em amar até o fim, não obstante todas as contradições.
Maicon André Malacarne*
*é
presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela
Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma
área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo
Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela
Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da
Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/24-de-marco-domingo-de-ramos-e-da-paixao-do-senhor/
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