quarta-feira, 27 de março de 2024

REFLEXÃO DOMINICAL II · Artigos 31 de março – Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor Por Maicon André Malacarne* Ressurreição: buscar Jesus e deixar-se encontrar por ele

 

 

REFLEXÃO DOMINICAL II

·         Artigos

31 de março – Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor

Por Maicon André Malacarne*

 

Ressurreição: buscar Jesus e deixar-se encontrar por ele

I.              Introdução geral

 

A primeira atitude pascal é “buscar” Jesus Cristo. De fato, o Evangelho deste domingo, dia da Ressurreição, fala de uma grande correria: Madalena que corre, Pedro que corre, o discípulo amado que corre! Todos se tornaram “buscadores”, porque algo tinha acontecido: “o sepulcro estava vazio” e o corpo morto de Jesus já não estava lá.

O que nos torna buscadores é a faísca de amor que habita nosso coração. Sempre procuramos por amor! A Páscoa é ativar a brecha do amor e deixar-se encontrar por ele. A Páscoa é um grande sim ao amor! A grande mística francesa Simone Weil desenhou, de maneira forte e profunda, esta imagem: “Deus espera com paciência que eu queira enfim concordar em amá-lo. Deus espera como um mendigo que fica de pé, imóvel e silencioso, na frente de alguém que talvez lhe dê um pedaço de pão. O tempo é essa espera. O tempo é a espera de Deus que mendiga o nosso amor” (Quaderni, volume IV, tradução nossa).

Nossa vocação de “buscadores” é iluminada, hoje, com outra verdade: nem sempre o lugar onde buscamos o amor é o lugar onde ele está. De fato, o amor prefere os espaços abertos e não gosta das prisões: “Ide à Galileia, lá vocês me verão!” O sepulcro é apenas sepulcro!

II.            Comentário dos textos bíblicos

 

1.    I leitura (At 10,34a.37-43)

 

Pedro, que havia negado conhecer Jesus por medo das autoridades, conforme acompanhamos no relato da paixão, aparece nos Atos dos Apóstolos muito diferente. O Pedro audacioso é a antecipação daquilo que Eduardo Galeano chamou de “fé fugitiva”: “dos medos nascem as coragens, os sonhos anunciam outra realidade possível” (O livro dos abraços, 2002).

A leitura, de fato, começa afirmando que “Pedro tomou a palavra” (v. 34a). Assumiu a responsabilidade de anunciar Jesus, que “andou por toda parte fazendo o bem” (v. 38). Não obstante tudo que havia realizado, “o mataram, pregando-o numa cruz. Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia” (v. 39-40). Ao resumir todo o programa de vida de Jesus, Pedro anuncia a salvação realizada por obra de Deus.

No discurso de Pedro, o livro dos Atos dos Apóstolos transmite uma espécie de fragmento da primeira evangelização da comunidade nascente: o centro é a pessoa de Jesus Cristo, “ungido por Deus com o Espírito Santo” (v. 28). Os apóstolos testemunham com a própria vida tudo que ele tinha realizado e, obedecendo ao mandato missionário, tornam-se os primeiros a comunicar ao mundo a boa notícia da ressurreição. O encontro com a pessoa de Jesus Cristo transformou-lhes a vida!

2. II leitura (Cl 3,1-4)

O ponto de partida da carta de Paulo aos Colossenses é a Páscoa de Jesus: “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos para alcançar as coisas do alto” (v. 1). Pelo batismo, os cristãos são chamados a uma vida nova por graça de Deus, mas Paulo recorda a responsabilidade de cada um: “aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres”. Essa linguagem paulina indica que todos os cristãos devem assumir sua vida de ressuscitados.


A Páscoa precisa mexer e provocar nossa vida de batizados!

A ideia de “morrer” para as coisas terrestres não significa uma fuga do mundo, uma espiritualidade desconectada com a realidade, mas sim a capacidade de transcender tudo o que reduz a vida e “ascender”, elevar a vida que nos habita e habita o mundo. A ressurreição é o erguimento de toda a condição humana, que participa do mesmo destino e da mesma solidariedade de Cristo morto e ressuscitado. Paulo sugere o céu, “as coisas do alto”, para compor a gramática dos buscadores.

2.    Evangelho (Jo 20,1-9)

 

A primeira a “buscar” Jesus, depois da crucificação, no Evangelho de João, foi Maria Madalena. O amor de Maria Madalena não permitia que ela ficasse parada: ela foi “bem de madrugada, quando ainda estava escuro” (v. 1). O jogo entre escuridão e luz, que acompanha todo o texto joanino, expressa-se também neste momento crucial – entre a morte e a ressurreição. O amor de Madalena fez que suas trevas, sua tristeza e seu desespero pela morte se movimentassem na direção da luz, movimento próprio de quem ama!

Ao perceber que a pedra do túmulo tinha sido retirada (v. 2), Madalena saiu correndo e foi contar a Pedro e ao discípulo amado. A corrida de Madalena passou a ser acompanhada pela corrida de Pedro e pela corrida do discípulo amado. Todos correm porque buscam! Se a morte de Jesus paralisava e amedrontava, aquela correria começava a contar ao mundo uma novidade: o túmulo estava vazio.

O movimento do discípulo amado compõe como que uma metáfora de todos os que amam: 1) corre mais veloz do que Pedro (v. 4); 2) chega antes ao sepulcro (v. 4); 3) sabe esperar quem vem depois (v. 5); 4) viu as faixas de linho e o pano que estava sobre a cabeça de Jesus e acreditou (v. 8). Trata-se de verdadeira gramática: o amor é mais veloz e, por isso, sempre chega antes! Não obstante a condição de “primeirear”, o amor sabe ter paciência, sabe esperar o outro, porque prefere a comunhão no lugar do isolamento. O amor acredita antes porque “primeireia” e sabe olhar tudo com os olhos da fé.

O papa Francisco inaugurou este verbo que parece estranho, primeirear, que é do coração do Evangelho:

A Igreja em saída é a comunidade de discípulos missionários que “primeireiam”, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. Primeireiam – desculpai o neologismo –, tomam a iniciativa! A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. 1Jo 4,10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro (Evangelii Gaudium, n. 24).

O amor de Maria Madalena, o amor de Pedro e o amor do discípulo amado alcançam “as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus” (v. 6-7). Dentro do túmulo, começaram a entender tudo o que Jesus havia dito e ensinado (v. 9). Essa realidade do túmulo, assumida por Jesus, anuncia a derrota da morte. De dentro do túmulo, os buscadores comunicaram ao mundo que o amor é mais forte do que a morte, aquela mesma verdade vivida pelos amantes do Cântico dos Cânticos (8,6). De fato, a experiência da ressurreição é muito próxima da experiência do amor!

III.           Pistas para reflexão

 

Os textos da Palavra de Deus deste domingo são um convite a acender a luz de Jesus ressuscitado. O anúncio da salvação de Deus na pessoa de Jesus Cristo, por obra do Espírito Santo, é o centro de toda a evangelização da Igreja nascente e torna-se o ponto de referência para todo o anúncio do Evangelho na história. Mais do que um grande discurso, a ressurreição de Jesus deve ser um convite a “viver as coisas do alto”, ou seja, a entrar na dinâmica do Ressuscitado por meio de uma vida nova, erguida de toda prostração e morte. O Evangelho nos convida a participar da “correria” dos que buscam Jesus Cristo. A partir do “túmulo vazio”, da fragilidade, do trauma, o movimento de buscar é um convite a toda a humanidade a pôr-se a caminho do amor, “primeireando” e fazendo o bem.

Concluímos com o convite a “rolar as pedras” feito pelo bispo italiano Tonino Bello, conhecido como “o dom dos pobres”:

Vou recorrer à sugestão da pedra que as mulheres, ao chegarem ao jardim na manhã de Páscoa, viram retirada do túmulo. Cada um de nós tem sua própria pedra. Uma pedra enorme, colocada na boca da alma, que não permite a passagem do oxigênio, que oprime com um aperto de gelo, que bloqueia cada raio de luz, que impede a comunicação com o outro. É a rocha da solidão, da miséria, da doença, do ódio, do desespero, do pecado. Somos sepulturas alienadas! Cada um com seu próprio selo de morte! Que a Páscoa seja, então, para todos, o rolar da pedra, o fim dos pesadelos, o início da luz, a primavera de novos relacionamentos, e se cada um de nós, tendo saído de sua tumba, se esforçar para remover a pedra da tumba ao lado, o milagre do terremoto que marcou a primeira Páscoa de Cristo finalmente se repetirá! A Páscoa é a festa das pedras roladas! É a festa do terremoto! (Parabole e metafore, 2002, tradução nossa).

 

Maicon André Malacarne*

 

*é presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/31-de-marco-domingo-da-pascoa-na-ressurreicao-do-senhor/

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