O sentido da Festa da Divina Misericórdia
No segundo Domingo da
Páscoa, a Igreja celebra a Festa da Divina Misericórdia. São João Paulo II
soube valorizar a experiência mística de Santa Faustina Kowalska. Aliás, a
Igreja tem sempre a graça de contar com pessoas que se deixam raptar pela
grandeza do amor de Deus, para anunciá-lo aos outros. Continua muito válido
recorrer aos místicos, cuja percepção dos mistérios vai além dos pobres
raciocínios humanos.
Escreve Santa
Faustina: “Ó meu Jesus, vós sabeis que, desde os meus mais tenros anos, eu
desejava tornar-me uma grande santa, isto é, desejava amar-vos com um amor tão
grande com que até então nenhuma alma vos tinha amado” (Diário1372). Sabemos
que o Senhor a escolheu para uma missão especial. Depois de passar pela “noite
escura” das provações físicas, morais e espirituais, a partir de fevereiro de
1931, em Plock, o próprio Senhor Jesus Cristo começa a se manifestar à Irmã
Faustina de um modo particular, revelando de um modo extraordinário a
centralidade do mistério da misericórdia divina para o mundo e a história,
presente em todo o agir divino, particularmente na Cruz Redentora de Cristo, e
novas formas de culto e apostolado em prol desta sua divina misericórdia.
Descreve esta primeira visão: “Da túnica entreaberta sobre o peito saíam dois
grandes raios, um vermelho e outro pálido. Logo depois, Jesus me disse: Pinta
uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu
confio em vós” (Diário 47). Ao longo do Diário descobrimos que Jesus a escolhe
como secretária, apóstola, testemunha e dispensadora da divina misericórdia.
Festa
da Divina Misericórdia, seu significado e sentido na vida cristã
São
inúmeros os lugares do mundo que celebram, nestes dias, a Novena da Divina
Misericórdia e se multiplicam, por toda parte, Movimentos e Grupos que
contribuem na divulgação da Espiritualidade da Divina
Misericórdia, todos crescentes em participação e profundidade, com frutos de
intenso apostolado e serviços de caridade que expressam os frutos de uma
espiritualidade autêntica.
E se espalha por toda
parte a oração do Terço da Divina Misericórdia: Ele foi ensinado durante uma
visão que Irmã Faustina teve em 13 de setembro de 1935: “Eu vi um anjo, o
executor da cólera de Deus, a ponto de atingir a terra. Eu comecei a implorar
intensamente a Deus pelo mundo, com palavras que ouvia interiormente. À medida
que assim rezava, vi que o anjo ficava desamparado, e não mais podia executar a
justa punição”.
No
dia seguinte, uma voz interior lhe ensinou essa oração nas contas do rosário.
Nas contas do Pai-Nosso, reza-se: Eterno
Pai, eu vos ofereço o Corpo e Sangue, a Alma e Divindade de vosso diletíssimo
Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e do mundo
inteiro. Nas contas das Ave-Marias, reza-se: Pela sua dolorosa Paixão, tende
misericórdia de nós e do mundo inteiro (10 vezes). Ao fim do terço, reza-se:
Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro.
Oração de uma simplicidade impressionante, e cujos frutos mais ainda tornam
estupefatas as pessoas!
Os efeitos da oração
Outra
revelação assim indicava: “Pela recitação desse terço, agrada-me dar tudo que
me pedem. Quando o recitarem os pecadores empedernidos, encherei suas almas de
paz, e a hora da morte deles será feliz. Escreve isso para as almas atribuladas:
Quando a alma vê e reconhece a gravidade dos seus pecados, quando se desvenda
diante dos seus olhos todo o abismo da miséria em que mergulhou, que não se
desespere, mas se lance com confiança nos braços da minha misericórdia, como
uma criança nos braços da mãe querida. Essas almas têm sobre meu coração
misericordioso um direito de precedência. Dize que nenhuma alma que tenha
recorrido à minha misericórdia se decepcionou nem experimentou vexame. Quando
rezarem esse terço junto aos
agonizantes, eu me colocarei entre o Pai e a alma agonizante, não como justo
Juiz, mas como Salvador misericordioso”.
O significado e
sentido da misericórdia
De
fato, a misericórdia é uma magnífica manifestação do amor do Senhor; é “filha
predileta do amor e irmã da sabedoria, nasce e vive entre o perdão e a ternura”
(Ignacio Larañaga). Só o amor poderia criá-la, e nasce de bondade que liga Deus
aos seres humanos, prescindindo da situação moral e social da humanidade, pois
ela é gratuita na iniciativa do amor. A palavra “misericórdia” tem origem em
dois termos latinos: “Miserere” e “cor”. O primeiro lembra piedade, compaixão
implorada por quem se encontra numa grande tribulação. É difícil permanecer
duros e insensíveis diante de quem grita com lágrimas e suspiros! “Cor” remete
a “coração”, que na compreensão cristã diz respeito ao centro da vida
espiritual,
sede dos sentimentos de alegria, dor, amor, serenidade. É aqui, no sentido
amplo de coração, que fazemos a avaliação das escolhas decisivas da vida. E o
coração aponta também para o núcleo último do ser humano e sua personalidade
inteira, sua vida interior e seu temperamento. Coração dado, apaixonado pela
miséria, eis a Misericórdia.
Na língua hebraica, a
raiz verbal raham indica em primeiro lugar o ventre materno, a parte mais tenra
e delicada, na qual cada mãe celebra e vive o mistério da vida. A mãe convive e
sente com o ser que traz no ventre. É neste ambiente cheio de ternura que a
criança vive antes de vir à luz. De raham chegamos a rahamim, o sentimento de
misericórdia com que o amor se manifesta concretamente. Quem ama de verdade
deseja tornar este amor visível sobretudo quando a pessoa amada se encontra em
grande dificuldade. Assim entendemos como o salmista, doente e oprimido pelo
pecado, recorre com confiança à misericórdia de Deus: “Senhor, não me recuses
tua misericórdia; tua fidelidade e tua graça me protejam sempre, pois me
rodeiam males sem número, minhas culpas me oprimem e não posso mais ver. São
mais que os cabelos da minha cabeça; meu coração desfalece” (Sl 39, 12-13; Cf.
Sl 76, 10; Sl 78, 8; Sl 118, 77; SL 144,9).
Onde se manifesta a
misericórdia de Deus
É
justamente esta profunda e visceral misericórdia que Deus quer oferecer a
todos, sem excluir ninguém. E sua misericórdia se manifesta justamente naquele
que mostra as chagas da crucifixão, abre os braços, sopra o dom do Espírito
Santo e
dá a missão do perdão e da reconciliação à sua Igreja: “A quem perdoardes os
pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhes serão retidos” (Jo 20,
23). Por isso damos graças na Festa da Divina Misericórdia: “Quero lembrar os
benefícios do Senhor, celebrar os louvores do Senhor, por tudo o que fez em
nosso favor, pela grande bondade com a casa de Israel, quando a beneficiou em
sua ternura, em sua imensa misericórdia” (Is 63, 7).
Dom Alberto Taveira Corrêa
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