sexta-feira, 12 de abril de 2024

REFLEXÃO DOMINICAL II 14 de abril – 3º Domingo da Páscoa Por Maicon André Malacarne* O Ressuscitado é o Crucificado!

 

REFLEXÃO DOMINICAL II

 

14 de abril – 3º Domingo da Páscoa

Por Maicon André Malacarne*

 

O Ressuscitado é o Crucificado!

I.              Introdução geral

 

O tempo da Páscoa é um convite para viver a alegria da ressurreição de Jesus no compromisso pessoal e comunitário de deixar para trás o “tempo de ignorância”, como denuncia Pedro, na primeira leitura, na direção de uma vida onde “o amor de Deus é plenamente realizado”, nas palavras de São João, da segunda leitura.

Participar da dinâmica da ressurreição de Cristo exige conhecer sua verdadeira identidade e despertar nossos sentidos para compreendê-lo no amor. De fato, quando perguntados sobre quem somos, uma das formas de comprovar é a carteira de identidade. Jesus, no Evangelho, aparecendo ressuscitado aos discípulos, apresentou aquilo diante do qual ninguém poderia desconfiar de sua identidade: as marcas dos pregos. Ele é o Ressuscitado-Crucificado!

A identidade de Jesus são suas mãos e pés machucados. O antes e o depois da cruz formam Jesus inteiro, integralmente vivo! O Evangelho de Lucas, escrito na época de uma grande perseguição contra os cristãos, insiste sobre as chagas, como uma pedagogia para encorajar as comunidades, que também estavam sendo perseguidas: “Vocês serão testemunhas de tudo isso!” No sofrimento dos primeiros cristãos está, igualmente, a identidade de Jesus.

II.            Comentário dos textos bíblicos

 

1.    I leitura (At 3,13-15.17-19)

 

A Páscoa de Jesus Cristo foi um ponto de viragem na vida dos seus discípulos. A leitura apresenta parte do discurso de Pedro ao povo, que estava “assombrado” (v. 11) por causa da cura de um homem coxo de nascença. Pedro e João haviam realizado o milagre “em nome de Jesus Cristo” (v. 6) e logo foram cercados por uma multidão.

Pedro e João, imagem de todo o discipulado, realizam os mesmos sinais de Jesus Cristo. Com palavras e obras, a missão de Jesus continuava por aqueles que assumiram seu estilo de vida. Trata-se de uma vida nova, traduzida no grande convite de Pedro: “Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos” (v. 19).

Pedro coloca, lado a lado, a Sagrada Escritura e o convite à vida nova da ressurreição. De um lado, a fé em Jesus Cristo exige reconhecer que ele é o cumprimento das antigas profecias (v. 18) e não foi reconhecido pelo seu povo. E o pior, como denuncia Pedro: “Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vós rejeitastes o Santo e o Justo, e pedistes a libertação para um assassino. Vós matastes o autor da vida” (v. 13-15). De outro, para entrar na dinâmica nova do Reino, é preciso tomar consciência do mistério profundo do Filho de Deus, glorificado pelo mesmo “Deus de Abrão, de Isaac, de Jacó e dos antepassados” (v. 13). A missão de todos os discípulos é “dar testemunho” (v. 15), com obras e palavras! Fé e vida, portanto, tornam-se o núcleo central das exortações da Igreja nascente.

2.    II leitura (1Jo 2,1-5a)

 

O movimento do chamado de Deus e da resposta humana é central para compreender o texto da primeira carta de João. Nessa dinâmica, “o amor de Deus é plenamente realizado” (v. 5) – ou seja, onde há uma resposta amorosa à salvação gratuita oferecida por Deus a toda a humanidade.

Deus é quem toma a iniciativa: “se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo” (v. 1). A justiça de Deus é salvar, e ela é operada por meio de Jesus, defensor, advogado, que intercede por cada pessoa junto ao Pai. A salvação de Deus, portanto, não é punitiva, mas sempre amorosa e sempre livre.

Na medida em que tomamos consciência de que Deus nos precede no amor, o movimento da resposta é configurar a vida, conformando-a com seus mandamentos (v. 4). Trata-se da exigência de “conhecer” (v. 3) Jesus Cristo, ou seja, segui-lo na direção do amor a Deus e do amor aos irmãos e irmãs. Conhecer Jesus Cristo, portanto, não é uma especulação, um conteúdo, uma doutrina, mas sim comunicá-lo ao mundo, vencedor da morte e ressuscitado, como resposta de amor ao amor primeiro.

3.    Evangelho (Lc 24,35-48)

 

No mesmo dia da Páscoa, no cenáculo, os discípulos que tinham reconhecido Jesus ao repartir o pão, em Emaús, contavam aos demais tudo que havia acontecido (v. 35). É possível reconstruir a cena: alegria, espanto, desconfiança, medo, estupor se misturavam no meio de tantas conversas. Esse foi o momento em que “Jesus apareceu no meio deles” (v. 36), desejando a paz. O medo dos discípulos foi acolhido pelo incansável desejo de Jesus de fazer-se reconhecer: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne nem ossos” (v. 39).

Jesus Cristo ressuscitado continua presente “no meio” da humanidade. O Evangelho insiste nos verbos olhar, tocar, comer, que fazem oposição à imagem do fantasma, de tudo que é irreal ou ilusório. O Evangelho nos ajuda a compreender que a ressurreição passa por “ressuscitar” os próprios sentidos, ativar as vias mais humanas, para mergulhar no Verbo encarnado. Tudo que anestesia, que disfarça o humano, é estranho a Deus. A Páscoa é um convite a participar da mesma sensibilidade com que Jesus viveu no mundo, na atenção incessante a cada pessoa e a cada realidade, própria de quem tem os sentidos bem despertos.

O cardeal José Tolentino de Mendonça, em uma obra chamada A mística do instante (2015), diz que “o amor é um despertador dos sentidos”. A “nova” presença de Jesus, que nos convida a acordar os sentidos, não pode ser conhecida, de fato, fora do amor. O convite a “ser testemunhas de tudo isso” (v. 48), que indica a missão de todos os seus seguidores, deve se realizar no amor. A presença ressuscitada de Jesus “no meio dos discípulos” aponta uma dinâmica de presença no mundo, pela qual o cardeal Tolentino traduz a espiritualidade do instante, sensível aos sentidos:

A mística do instante reenvia-nos, assim, para o interior de uma existência autêntica, ensinando a tornarmo-nos realmente presentes: a ver em cada fragmento o infinito, a ouvir o marulhar da eternidade em cada som, a tocar o impalpável com os gestos mais simples, a saborear o esplêndido banquete daquilo que é frugal e escasso, a inebriar-nos com o odor da flor sempre nova do instante.

A marca dos pregos, o pedido para comer são uma gramática, também, de encorajamento da comunidade nascente, fortemente perseguida. Há uma conformação do sofrimento real dos discípulos com o sofrimento real do próprio Jesus. Tudo que Jesus viveu não foi de mentira, não foi um jogo; foi, sim, a vida levada às últimas consequências. O sofrimento dos perseguidos encontrava significado na presença de Jesus, nas suas chagas, na fidelidade em dar testemunho dele até o fim.

III.           Pistas para reflexão

 

A liturgia da Palavra nos ajuda a reconhecer que Jesus ressuscitado é o Jesus crucificado. As feridas são sinal do amor de Jesus, que “amou até o fim” (Jo 13,1), e, por isso, elas são muito importantes! É o amor que vence a morte, é o amor que tira a força da morte. Na cura do coxo de nascença, Pedro e João compreenderam que o amor a Deus e o amor ao próximo estão estreitamente ligados. É preciso testemunhar, com obras e palavras, essa verdade! De fato, Mario Quintana já dizia em poesia: “O amor é quando a gente mora um no outro”. A primeira carta de João nos convida a conhecer o amor primeiro do Pai e responder a ele por meio do seguimento de Jesus Cristo, o Defensor.

A partir da Páscoa, nossa vida tem a marca, a identificação de Jesus Cristo! Trata-se de um selo, de um carimbo na carne e nas feridas. A Páscoa é aquilo de mais importante que poderia acontecer para ativar nossos sentidos, para despertar nossa humanidade na direção de uma vida ainda mais humana.

Maicon André Malacarne*

 

*é presbítero da diocese de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades (Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/14-de-abril-3o-domingo-da-pascoa-2/

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