REFLEXÃO DOMINICAL II
14 de abril – 3º Domingo da
Páscoa
Por Maicon André Malacarne*
O Ressuscitado é o
Crucificado!
I.
Introdução
geral
O tempo da Páscoa é
um convite para viver a alegria da ressurreição de Jesus no compromisso pessoal
e comunitário de deixar para trás o “tempo de ignorância”, como denuncia Pedro,
na primeira leitura, na direção de uma vida onde “o amor de Deus é plenamente
realizado”, nas palavras de São João, da segunda leitura.
Participar da
dinâmica da ressurreição de Cristo exige conhecer sua verdadeira identidade e
despertar nossos sentidos para compreendê-lo no amor. De fato, quando
perguntados sobre quem somos, uma das formas de comprovar é a carteira de
identidade. Jesus, no Evangelho, aparecendo ressuscitado aos discípulos,
apresentou aquilo diante do qual ninguém poderia desconfiar de sua identidade:
as marcas dos pregos. Ele é o Ressuscitado-Crucificado!
A identidade de Jesus
são suas mãos e pés machucados. O antes e o depois da cruz formam Jesus
inteiro, integralmente vivo! O Evangelho de Lucas, escrito na época de uma
grande perseguição contra os cristãos, insiste sobre as chagas, como uma
pedagogia para encorajar as comunidades, que também estavam sendo perseguidas:
“Vocês serão testemunhas de tudo isso!” No sofrimento dos primeiros cristãos
está, igualmente, a identidade de Jesus.
II.
Comentário
dos textos bíblicos
1.
I
leitura (At 3,13-15.17-19)
A Páscoa de Jesus
Cristo foi um ponto de viragem na vida dos seus discípulos. A leitura apresenta
parte do discurso de Pedro ao povo, que estava “assombrado” (v. 11) por causa
da cura de um homem coxo de nascença. Pedro e João haviam realizado o milagre
“em nome de Jesus Cristo” (v. 6) e logo foram cercados por uma multidão.
Pedro e João, imagem
de todo o discipulado, realizam os mesmos sinais de Jesus Cristo. Com palavras
e obras, a missão de Jesus continuava por aqueles que assumiram seu estilo de
vida. Trata-se de uma vida nova, traduzida no grande convite de Pedro: “Arrependei-vos,
portanto, e convertei-vos” (v. 19).
Pedro coloca, lado a
lado, a Sagrada Escritura e o convite à vida nova da ressurreição. De um lado,
a fé em Jesus Cristo exige reconhecer que ele é o cumprimento das antigas
profecias (v. 18) e não foi reconhecido pelo seu povo. E o pior, como denuncia
Pedro: “Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos, que estava
decidido a soltá-lo. Vós rejeitastes o Santo e o Justo, e pedistes a libertação
para um assassino. Vós matastes o autor da vida” (v. 13-15). De outro, para
entrar na dinâmica nova do Reino, é preciso tomar consciência do mistério
profundo do Filho de Deus, glorificado pelo mesmo “Deus de Abrão, de Isaac, de
Jacó e dos antepassados” (v. 13). A missão de todos os discípulos é “dar
testemunho” (v. 15), com obras e palavras! Fé e vida, portanto, tornam-se o
núcleo central das exortações da Igreja nascente.
2.
II
leitura (1Jo 2,1-5a)
O movimento do
chamado de Deus e da resposta humana é central para compreender o texto da
primeira carta de João. Nessa dinâmica, “o amor de Deus é plenamente realizado”
(v. 5) – ou seja, onde há uma resposta amorosa à salvação gratuita oferecida
por Deus a toda a humanidade.
Deus é quem toma a
iniciativa: “se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o
Justo” (v. 1). A justiça de Deus é salvar, e ela é operada por meio de Jesus,
defensor, advogado, que intercede por cada pessoa junto ao Pai. A salvação de
Deus, portanto, não é punitiva, mas sempre amorosa e sempre livre.
Na medida em que
tomamos consciência de que Deus nos precede no amor, o movimento da resposta é
configurar a vida, conformando-a com seus mandamentos (v. 4). Trata-se da
exigência de “conhecer” (v. 3) Jesus Cristo, ou seja, segui-lo na direção do
amor a Deus e do amor aos irmãos e irmãs. Conhecer Jesus Cristo, portanto, não
é uma especulação, um conteúdo, uma doutrina, mas sim comunicá-lo ao mundo,
vencedor da morte e ressuscitado, como resposta de amor ao amor primeiro.
3.
Evangelho
(Lc 24,35-48)
No mesmo dia da
Páscoa, no cenáculo, os discípulos que tinham reconhecido Jesus ao repartir o
pão, em Emaús, contavam aos demais tudo que havia acontecido (v. 35). É
possível reconstruir a cena: alegria, espanto, desconfiança, medo, estupor se
misturavam no meio de tantas conversas. Esse foi o momento em que “Jesus
apareceu no meio deles” (v. 36), desejando a paz. O medo dos discípulos foi
acolhido pelo incansável desejo de Jesus de fazer-se reconhecer: “Vede minhas
mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne
nem ossos” (v. 39).
Jesus Cristo
ressuscitado continua presente “no meio” da humanidade. O Evangelho insiste nos
verbos olhar, tocar, comer, que fazem oposição à imagem do fantasma, de tudo
que é irreal ou ilusório. O Evangelho nos ajuda a compreender que a ressurreição
passa por “ressuscitar” os próprios sentidos, ativar as vias mais humanas, para
mergulhar no Verbo encarnado. Tudo que anestesia, que disfarça o humano, é
estranho a Deus. A Páscoa é um convite a participar da mesma sensibilidade com
que Jesus viveu no mundo, na atenção incessante a cada pessoa e a cada
realidade, própria de quem tem os sentidos bem despertos.
O
cardeal José Tolentino de Mendonça, em uma obra chamada A mística do instante (2015),
diz que “o amor é um despertador dos sentidos”. A “nova” presença de Jesus, que
nos convida a acordar os sentidos, não pode ser conhecida, de fato, fora do
amor. O convite a “ser testemunhas de tudo isso” (v. 48), que indica a missão
de todos os seus seguidores, deve se realizar no amor. A presença ressuscitada
de Jesus “no meio dos discípulos” aponta uma dinâmica de presença no mundo,
pela qual o cardeal Tolentino traduz a espiritualidade do instante, sensível
aos sentidos:
A mística do instante
reenvia-nos, assim, para o interior de uma existência autêntica, ensinando a
tornarmo-nos realmente presentes: a ver em cada fragmento o infinito, a ouvir o
marulhar da eternidade em cada som, a tocar o impalpável com os gestos mais
simples, a saborear o esplêndido banquete daquilo que é frugal e escasso, a
inebriar-nos com o odor da flor sempre nova do instante.
A marca dos pregos, o
pedido para comer são uma gramática, também, de encorajamento da comunidade
nascente, fortemente perseguida. Há uma conformação do sofrimento real dos
discípulos com o sofrimento real do próprio Jesus. Tudo que Jesus viveu não foi
de mentira, não foi um jogo; foi, sim, a vida levada às últimas consequências.
O sofrimento dos perseguidos encontrava significado na presença de Jesus, nas
suas chagas, na fidelidade em dar testemunho dele até o fim.
III.
Pistas
para reflexão
A liturgia da Palavra
nos ajuda a reconhecer que Jesus ressuscitado é o Jesus crucificado. As feridas
são sinal do amor de Jesus, que “amou até o fim” (Jo 13,1), e, por isso, elas
são muito importantes! É o amor que vence a morte, é o amor que tira a força da
morte. Na cura do coxo de nascença, Pedro e João compreenderam que o amor a
Deus e o amor ao próximo estão estreitamente ligados. É preciso testemunhar,
com obras e palavras, essa verdade! De fato, Mario Quintana já dizia em poesia:
“O amor é quando a gente mora um no outro”. A primeira carta de João nos
convida a conhecer o amor primeiro do Pai e responder a ele por meio do
seguimento de Jesus Cristo, o Defensor.
A partir da Páscoa,
nossa vida tem a marca, a identificação de Jesus Cristo! Trata-se de um selo,
de um carimbo na carne e nas feridas. A Páscoa é aquilo de mais importante que
poderia acontecer para ativar nossos sentidos, para despertar nossa humanidade
na direção de uma vida ainda mais humana.
Maicon André Malacarne*
*é presbítero da diocese
de Erexim-RS. Possui mestrado em Teologia Moral pela Pontifícia Academia
Alfonsiana (Roma), onde atualmente é doutorando na mesma área. É especialista
em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia (Faje – Belo Horizonte-MG), formado em Filosofia pelo Instituto de
Filosofia Berthier (Ifibe – Passo Fundo-RS) e em Teologia pela Itepa Faculdades
(Passo Fundo-RS). É aluno de doutorado em Teologia Moral da Pontifícia Academia
Alfonsiana (Roma). E-mail: maiconmalacarne@gmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/14-de-abril-3o-domingo-da-pascoa-2/
Nenhum comentário:
Postar um comentário