A HOMILIA IMPLÍCITA
Por Pe. Silvio Sassi, ssp
Como
veiculamos os nossos discursos? A mensagem não é só o conteúdo, mas também o
modo pelo qual é apresentado. Como se faz a análise da linguagem da homilia,
tendo presentes as funções (emotiva, poética, conotativa, referencial,
metalinguística, fática), que envolvem a linguagem na relação entre duas ou
mais pessoas? Com essa análise, o pregador pode ter uma ideia de postura e
consideração para com a assembleia e do grau de comunicabilidade que há com
ela.
É
possível dispor de instrumentos de análise que permitam ao pregador uma
avaliação de sua comunicação homilética? O desejo de melhorar a própria homilia
pode contar com uma averiguação preventiva sobre o modo de pregar habitual?
Como é possível, relendo (para quem faz a homilia por escrito) ou escutando uma
gravação, formar uma ideia sobre aquilo que quisemos comunicar?
Para
uma análise da qualidade comunicativa da homilia, tendo em vista a sua
melhoria, pode-se fazer uso da semiologia, método de estudo rigoroso sobre
todos os sistemas de signos. É um fenômeno típico da comunicação interpessoal.
1.
Conteúdo implícito e conteúdo
explícito
De
início, vale precisar que o objeto deste artigo não é o conteúdo teológico, as
ideias desenvolvidas, a exatidão doutrinal, a fidelidade exegética das
interpretações e adaptações para o público. Ocupar-nos-emos do modo pelo qual
os diversos aspectos da homilia se tornam um ato comunicativo dirigido a uma
assembleia. Em termos sintéticos, poderíamos dizer que o assunto do artigo não
é o que é dito, mas o modo de dizer. Não tomamos, portanto, o conteúdo
explícito daquilo que é dito, mas voltamos a atenção ao conteúdo implícito das
homilias.
A nossa
convicção de partida é um fenômeno típico da comunicação interpessoal levado ao
seu extremo na comunicação de massa: a mensagem não é somente o conteúdo do
discurso, mas também o modo pelo qual o conteúdo é apresentado. Um bom ator de
teatro pode pronunciar em cerca de 50 modos diversos a simples expressão “esta
noite”.
No caso
dos meios de massa, podemos exemplificar o fenômeno observando que, em um
capítulo de telenovela, aquilo que é contado constitui o pedaço de uma
história, que recebemos com os sentidos da visão e da audição, mas é
apresentado também, bem misturado com a história, um mundo de valores que
inadvertidamente recebemos.
Para a
homilia, podemos dizer que, por meio daquilo que é dito e constitui o conteúdo,
se produz uma série de fenômenos linguísticos que revelam, por exemplo, a
concepção do pregador a respeito de seu ministério de pregador, talvez sem se
dar conta, ou então a ideia que ele tem a respeito de seu público dominical.
Levando
em conta sensibilidades diversas no modo de elaborar a homilia — da
improvisação à preparação minuciosa —, é necessária, para um estudo posterior
mais aprofundado, ou uma gravação da homilia, ou o texto exato, para quem faz a
homilia com base em texto escrito.
2.
Funções linguísticas e
comunicação homilética
Sobre a
homilia integral (em gravação ou texto), como foi proferida, podemos realizar
uma parte da análise linguística. Esta consiste em descobrir a importância que
proporcionalmente nós demos, na pregação, às emoções, à ordenação das ideias, à
preocupação de ter a atenção da assembleia e também ao cuidado de explicar os
termos usados que sejam pouco conhecidos.
Convém
recordar, antes de tudo, que, no processo comunicativo da homilia, temos uma
comunicação linguística completa nos seus vários aspectos:
1.
Emissor: aquele que fala = o pregador (função emotiva);
2.
Mensagem: o que é dito na homilia (função poética);
3.
Receptor: aquele que escuta = a assembleia (função conotativa);
4.
Código: a língua usada e o sentido das palavras (função metalinguística);
5.
Contexto: a situação concreta na qual se desenvolve a comunicação = os assuntos
tratados como informação (função referencial);
6.
Contato: o canal usado na comunicação = a voz e os sentidos receptivos (função
fática).
O
linguista R. Jakobson vincula a esses elementos de todo processo comunicativo
as funções que a linguagem assume ao pôr em relação duas ou mais pessoas
(funções indicadas entre parênteses, acima).
Concentremo-nos
sobre a compreensão de cada função e suas consequências para a comunicação
homilética.
2.1.
Função emotiva
A
função emotiva exprime a atitude do emissor com relação à mensagem: são as
tomadas de posição emotivas do pregador no confronto com aquilo que ele diz.
Identifiquemos na gravação ou sublinhemos no texto da homilia todas as
interjeições e as frases que terminam em exclamação. Esses elementos
linguísticos são o instrumento de expressão da emotividade do pregador. Sabemos
que as expressões emotivas são o espelho do estado de ânimo daquele que fala e
uma pressão indireta exercida sobre quem escuta.
Na
homilia na qual são numerosas as exclamações, há uma presença quase evidente da
subjetividade de quem fala, incluindo também o desejo de tornar pública, no
contexto da homilia, a própria emotividade. Dizer: “Que alegria, irmãos!”, ou
então: “Que gestos insensatos!” exprime a alegria, no primeiro caso, ou um
julgamento, no segundo, que não são necessariamente idênticos em quem escuta.
Desse modo, julgar “insensato” um gesto exprime a emoção da reprovação, mas não
automaticamente a motivação de uma reprovação compartilhada por quem escuta.
A
função emotiva não nos informa sobre o conteúdo do que foi disposto, mas
sobretudo, sobre o estado de ânimo e sobre os juízos de quem fala. Destaquemos
ainda em nossa homilia todos os adjetivos, que são o índice mais vistoso da
função emotiva, enquanto exprimimos os juízos de valor para aprovação ou
desaprovação. A esse propósito, podemos nos perguntar: “Em qual relação estão a
série de nossos adjetivos e o juízo da palavra de Deus?”.
Uma
homilia na qual se encontra muita função emotiva (interjeições, exclamações,
adjetivos e advérbios adjetivados) corre o risco de eclipsar o anúncio para pôr
a subjetividade do pregador em primeiro lugar.
2.2.
Função poética
A função poética acentua a mensagem em si: o pregador cuida da
forma e da estrutura de sua homilia, convicto de que dará força àquilo que diz.
Esclarecemos logo que “função poética” não significa uma homilia em forma de
poesia com estrutura livre ou calibrada sobre uma métrica particular. Uma
manifestação essencial de um texto em função poética é o seu ritmo.
Consideremos o trabalho operado sobre a nossa homilia para imprimir
certa cadência: frases
longas, frases curtas; frases coordenadas, frases subordinadas; frases causais,
adversativas, modais, temporais. Faz parte da cadência também a estrutura
global da homilia: uma sucessão de perguntas e respostas; uma homilia construída
sobre uma série de negações com uma afirmação final; uma homilia simétrica de
realidades a condenar e realidades a aprovar.
Outro elemento da função poética é o cuidado do estilo, que, no
âmbito publicitário, encontra o seu cumprimento no slogan. Pode haver
na homilia uma frase-slogan,
que seja repetida de vez em quando, ou pela riqueza de seu conteúdo-síntese ou
pela sua grandeza gramatical e sintática. O pregador a repete porque deseja que
se imprima na mente do ouvinte como mensagem a recordar.
Uma
última manifestação da função poética é o uso de imagens construídas,
recorrendo a todas as figuras da retórica: metáfora, comparação, elipse,
paradoxo etc.
Procuremos
perceber no nosso texto, portanto, o ritmo, a cadência, a simetria, o estilo e
as imagens retóricas e nos daremos conta da atenção que dispensamos à
preparação da homilia ou ao efeito na audiência.
2.3.
Função conotativa
A
função conotativa é orientada ao receptor: a homilia chama diretamente em causa
o ouvinte, no qual o coenvolvimento ocorre principalmente mediante o uso da
segunda pessoa do singular ou do plural e mediante o imperativo e o vocativo.
Observemos,
em nossa homilia, as frases em função conotativa, como: “Vocês que têm a
possibilidade…”; “Vocês que desejam…”; “Se você quer obter…”; “Se você escuta
somente…”. Além disso, voltemos a atenção a todos os imperativos: “Vocês
devem…”; “Empenhemo-nos…”; “Não deixem escapar a ocasião…”; “aproveitem…” e as
ordens impessoais do tipo: “É necessário…”; “Deve-se…”; “É preciso fazer tudo
para…”.
Por
meio dessa análise, o pregador pode ter uma ideia de como ele considera os seus
fiéis. A comunicação nos diz que o receptor se sentirá chamado em causa à
medida que compreender o apelo que lhe é dirigido. Aplicado à situação
homilética, isso significa: o ouvinte se sente interpelado à medida que a
exortação lhe é proposta em modo compreensível.
Uma
consideração que podemos fazer sobre a função conotativa diz respeito à
distância ou à proximidade do pregador em relação à sua assembleia. Por que
dizer “vocês devem” e não “nós devemos”? Linguisticamente, o imperativo exprime
a necessidade daquele que fala de distinguir-se daqueles que escutam. Pode-se
objetar que usar “vocês” em vez de “nós” e recorrer com frequência ao
imperativo são somente modos de falar e, portanto, é exagerado querer ver nisso
o desejo do pregador de se isolar da assembleia. Nós estamos propondo, como
base de trabalho, a ideia de que essas “inércias” linguísticas são, com efeito,
a expressão de escolhas conscientes ou inconscientes que deixam transparecer a
personalidade do pregador.
Uma
última consideração sobre a função conotativa expressa nos vocativos e
imperativos nos permite formar uma visão a respeito do tipo de argumentação
escolhido na impostação da homilia. Revendo nossa homilia, perguntemo-nos: a
força de persuasão alavanca a coerência do discurso (problema — argumentação —
solução), a demonstração da verdade (aquilo que não é verdade põe em evidência
a verdade), a emoção (sentimento de alegria, de dor), a lógica das perdas e
ganhos, a relação pessoal com Deus, caracterizada pelo amor e pela Aliança?
Descobrindo
a justificação que está na base de nossos vocativos/interpelações e
imperativos, podemos nos dar conta se a nossa homilia é predominantemente
discurso teológico, atualização, iniciação, moral.
2.4.
Função referencial
A
função referencial põe em evidência todas as informações que, na mensagem,
dizem respeito a um contexto preciso: na homilia, procuramos os argumentos que
se referem a um saber determinado. Podemos considerar a função referencial sob
dois aspectos. Em primeiro lugar, ela nos faz refletir sobre a “situação” da
comunicação homilética. Entendemos por situação o conjunto de circunstâncias em
que ocorre a comunicação: o espaço material (igreja — acústica — disposição dos
bancos — ruídos), o ambiente circunstante (tempo — horário), a identidade dos
que estão presentes (assembleia apenas de crianças, ou de adultos, ou mista),
os acontecimentos históricos gerais, paroquiais e familiares recentes dos quais
se está ainda vivendo as consequências.
Observemos,
em nossa homilia, as informações que nos revelam nosso interesse pelos fatores
espaciais, temporais e históricos de nossa assembleia no momento em que esta se
torna auditório de nosso discurso. Se não há frases ou acenos particulares à
situação concreta, é preciso pelo menos interrogar-se se alguns desses
critérios foram levados em consideração na preparação global da homilia: breve
para uma circunstância alegre; mais longa porque a comunidade deve viver um
momento particular; alusão direta ou indireta à situação histórica geral ou
particular.
A
função referencial, em seu aspecto de “situação”, informa-nos se a nossa
homilia não é genérica, mas preparada levando em conta as coordenadas
históricas e espaço-temporais da assembleia.
O
segundo aspecto da função referencial nos dá a maneira de avaliar aquilo que
escolhemos e queremos que a assembleia saiba por meio da pregação. Frases como:
“Celebramos hoje a jornada de oração pelas vocações”, “para o dia das missões
recolhemos…”, “essa palavra que usamos deriva do grego e significa…”, “o dogma
da encarnação significa…” são de caráter referencial/informativo.
Estendendo
a toda a homilia a reflexão de caráter informativo, devemos incluir a
explicação catequética, dogmática e teológica, tendo sempre em conta que o
critério de verificabilidade das nossas afirmações é dado pela fé, que é a
garantia do nosso falar.
2.5.
Função metalingüística
A
função metalinguística serve ao emissor e ao receptor para verificar se usam
ambos o mesmo código: o pregador se preocupa com que a sua palavra seja
entendida pelo receptor no mesmo sentido dado por ele ao pregar. Frases como:
“Quando dizemos…, queremos nos referir a…”, “usamos a palavra bem-aventurança
no sentido evangélico, não como…”, “devemos nos pôr de acordo quando falamos
‘participação ativa’”, “quando digo…, entendo esse termo com um sentido
diferente do uso ordinário” são de caráter metalinguístico porque contêm a
preocupação de fazer-se entender e também de explicar o termo ou a frase utilizada.
Preocupar-se
em fazer definições claras e simples em nossa homilia significa desejar uma
comunicação de qualidade e querer que a assembleia entenda nosso discurso.
Devemos
perseguir uma mútua compreensão entre pregador e fiéis em relação ao sentido no
qual entender, sejam os termos religiosos, sejam os termos do falar corrente. É
melhor uma definição a mais que esclareça o significado de nossa palavra do que
uma série de afirmações ligadas a um termo, que se pressupõe entendido por
todos, enquanto cada um compreende como achar melhor, com o risco de
incomunicabilidade. A falta absoluta da função metalinguística na homilia pode
ser indício de uma avaliação incorreta do nível de compreensão da assembleia:
aquilo que é claro para o pregador não é automaticamente claro para ela.
2.6.
Função fática
A
função fática serve para estabelecer e pedir a atenção dos receptores: o
pregador deseja captar e ter a atenção da assembleia. Frases como: “Vocês estão
me acompanhando ou não?”, “o que vocês pensam disso?”, “estejam bem atentos”,
“gostaria que vocês prestassem bem atenção nisso”; “me expliquei ou devo dizer
em outros termos?”; “façamos o esforço de compreender juntos” estão na função
fática, porque servem para chamar a atenção da assembleia.
Observemos,
em nossa homilia, as expressões que revelam nossa preocupação em ter a atenção
do auditório. O pregador atento ao efeito de suas palavras sabe que pode
escolher entre um pedido de atenção explícito ou um mais indireto.
O
pedido de atenção indireto consiste em levar em conta as leis da percepção e,
portanto, recordar-se que, depois de cinco minutos de homilia, a atenção
diminui progressivamente; no uso de frases breves sem muitos incisos e sem
frases subordinadas; em um estilo que sabe variar entre reflexão, informação,
exortação e apelo moral.
A
presença ou a ausência da função fática em nossa homilia indicam em que medida
consideramos as reações do público ao nosso discurso.
3.
Conclusão
Observando
as várias funções do texto linguístico, detivemo-nos um pouco nos diversos
elementos que entram em jogo na comunicação homilética. Ao final de nossa
análise, retomemos o texto da homilia, nos pontos em que destacamos as diversas
funções. Demos atenção a elas porque não é fácil realizar uma homilia em uma só
função: seria um discurso mutilado. Geralmente todas as funções estão
presentes, mesmo que em grau quantitativo diferente: pode-se constatar até
mesmo uma “hierarquia” das funções. Uma homilia será diferente da outra em
razão da dosagem particular que põe em evidência essa ou aquela função.
A
utilidade prática da análise que propomos se pode resumir em duas vantagens:
a)
avaliando frequentemente as diversas funções, damo-nos conta de alguns
mecanismos que não são o conteúdo, mas podem incidir sobre ele;
b)
prestando atenção na variação das funções ao elaborar a homilia, talvez nos
preocupemos mais com todos os aspectos da comunicação.
A perspectiva limitada e talvez um pouco técnica de nossa
intervenção não pretende ser uma receita maravilhosa nem enfocar somente
considerações sobre a habilidade no uso da palavra. Guia-nos a preocupação do
papa Paulo VI expressa na encíclica Ecclesiam
Suam:
Devemos
voltar ao estudo não já da eloquência humana ou da retórica vã, mas da arte
genuína da palavra sagrada. Devemos procurar as leis da sua simplicidade e da
sua limpidez, da sua força e da autoridade para vencer a natural imperícia no
emprego de tão alto e misterioso instrumento espiritual, o qual é a palavra, e
para competir nobremente com tantos que hoje têm larguíssimo influxo com a
palavra mediante o acesso às tribunas da opinião pública (51-52).
Pe. Silvio
Sassi, ssp
https://www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-pastorais/a-homilia-implicita/
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