segunda-feira, 20 de maio de 2024

REFLEXÃO DOMINICAL II EM PENTECOSTES CELEBRAMOS O GRANDE MISTÉRIO DE NOSSA FÉ

 

 

REFLEXÃO DOMINICAL II

EM PENTECOSTES CELEBRAMOS O GRANDE MISTÉRIO DE NOSSA FÉ

Meus amados Irmãos,

Nesta solenidade de Pentecostes, celebramos o grande mistério de nossa fé em que a Paz anunciada pelo Ressuscitado, ascendeu ao céu, retorna ao Cenáculo para impor os dons do Espírito Santo sobre os seus Apóstolos, na presença da Bem-aventurada Virgem Maria, como havia prometido: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. É o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos. Voltarei a vós” (Jo 14,15-18).

A Solenidade de Pentecostes é, pois, a plenificação do mistério pascal. A comunhão com o Ressuscitado só é completa pelo dom do Espírito Santo, o “outro Paráclito”, que continua em nós a obra do Cristo e a sua presença gloriosa.

A liturgia desta festa acentua menos, no entanto, este lado teológico, insistindo mais na manifestação histórica do Espírito Santo, no milagre de Pentecostes, conforme nos ensina a Primeira Leitura(cf. At 2,1-11), e nos carismas da Igreja, de acordo com o relato da Segunda Leitura (1 Cor 12,3b-7.12-13), sinais de unidade e de paz que o Cristo veio trazer.

A Igreja, sacramento da unidade, nos relembra que a pregação dos apóstolos, anunciando o Cristo Ressuscitado, supera a divisão de raças e línguas e a diversidade de dons na Igreja serve para a edificação do povo unido, o Corpo do qual Cristo é a cabeça.

Meus amigos,

Disse o Apóstolo dos Gentios que “o amor de Deus se derramou em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom 4,5). Por isso, a celebração maior de Pentecostes, a manifestação de Cristo Glorificado, é considerada a maior festa da Igreja, em comum união com a festa da Páscoa.

Pentecostes é a festa da plenitude dos tempos, predita pelos profetas. É a festa do início dos tempos da Santa Igreja Católica, da nova e definitiva aliança, a que todos somos convidados, a que todos somos vocacionados. É a festa da comunidade cristã, da comunidade eclesial, da comunidade de fiéis, porque estas comunidades não existem sem o Espírito Santo, que é a alma, que é a fonte de vida para a Igreja.  Pentecostes é a festa da unidade que dá o impulso apostólico da pregação a todos os povos, para todas as línguas, para todas as nações. A fé transcende os umbrais do povo hebreu, devendo ser anunciada a todos sem distinção.

Com Pentecostes, em que o Senhor desce na presença redentora do Cenáculo, os discípulos, inundados com os sete dons do Espírito Santo, tornam-se APÓSTOLOS, ou seja, passam a ser enviados em nome de Cristo, como Cristo, um dia, fora enviado em nome do Pai.

A presença da Bem-aventurada Virgem Maria tem um significado muito especial: presente na Cruz, dada a João, o discípulo amado, a sua presença no meio dos apóstolos a coloca como Mãe e Mestra da Igreja de Cristo.

Ali em Pentecostes estava a Igreja nascente, o Corpo Místico de Cristo. Por isso, os novos Apóstolos, hoje batizados no Espírito Santo, correrão mundo afora, reunindo crentes e não crentes, para criar comunidades, animá-las e santificar aqueles que aceitarem o nome glorioso do Senhor Jesus.

Irmãos e irmãs,

A festa de Pentecostes nos pede uma reflexão sobre a presença do Espírito Santo na história da salvação. Não conhecido no Antigo Testamento, ou mesmo chamado de Deus desconhecido por Paulo em Atenas, coube a Jesus revelar a existência de um Deus único e verdadeiro em três pessoas distintas. É pelo Espírito Santo que se abrem os horizontes pelos quais se movimentam e se compreendem todas as verdades da fé cristã.

O Espírito Santo é visível como o próprio Cristo. Representado por símbolos como o vento, a pomba e as línguas de fogo elas não são uma espécie de encarnação do Espírito Santo, mas figuras que nos ajudam a compreendê-lo em linguagem humana, o quanto é possível entendê-lo e guardá-lo em nossos corações.

O Espírito Santo Paráclito. O que é o Paráclito? Vem do grego que significa “aquele que vem para nos ajudar”. O Espírito Santo pode ser considerado o nosso ADVOGADO, o nosso CONSOLADOR ou, ainda, O ESPÍRITO DE VERDADE.

Orígenes disse que o Espírito Santo é o beijo: o Pai beija, o Filho é beijado, o Espírito Santo é o beijo. Uma figura bonita, assimilável ao homem moderno. Outros dizem que o Espírito Santo é o abraço. O Pai abraça o Filho com todo amor. Esse amor é o Espírito Santo. Ora, poderíamos dizer, a mãe abraça e beija o filho com todo o amor de mãe, querendo dar-se inteiramente nesse beijo e abraço. Nem por isso consegue dar-se totalmente.

O rosto do Espírito Santo tem muitas maneiras de se mostrar. A mais significativa figura do rosto do Santo Espírito é o AMOR, que se consubstancializa pela proteção que Ele dá aos batizados e pelo auxílio de seus sete dons a todos os homens e mulheres para sua santificação.

Irmãos caríssimos,

O Evangelho(cf. Jo 20,19-23) mostra que a comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É n’Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do Homem Novo. Identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado. As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde. É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e fracassos, derrotar o ceticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.

Prezados irmãos,

A primeira Leitura(cf. At 2,1-11) São Lucas coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no séc. I, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus – a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf. Ez 36,26-28). Vem, depois, a narrativa da manifestação do Espírito (At 2,2-4). O Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.

O Divino Espírito Santo (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.

É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito (cf. At 2,5-13): todos “os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus”. O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaã, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.

O Pentecostes dos “Atos” é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a humanidade nova nascida da ação do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

Meus queridos irmãos,

A segunda Leitura(cf. 1Cor 12,3b-7.12-13) mostra-nos a operação “intra-eclesial” do Espírito: a multiformidade dos dons, dentro do mesmo Espírito, como as múltiplas funções em um mesmo corpo. Paulo chama a multiformidade de dons de CARISMAS, dons da graça de Deus. Sabemos muito bem que essa unidade na diversidade não é algo que conseguimos na base de nosso empenho pessoal, é, entretanto, o Espírito de amor de Deus que une tudo isso.

Assim, no Evangelho encontramos a visão de São João de “exaltação” de Jesus: é a realidade única de sua morte, ressurreição e dom do Espírito, pois sua morte é a obra em que Deus é glorificado, seu lado aberto é a fonte do Espírito para os fiéis.

Portanto, este Espírito do Senhor exaltado é o laço de amor divino que nos une, que transforma o mundo em uma nova criação, sem mancha, nem pecado, na qual todos entendem a voz de Deus. É esta a mensagem da liturgia de hoje. O mundo é renovado conforme a obra de Cristo, que nós, no seu Espírito, levamos adiante. Assim é a festa da Igreja que nasceu do lado aberto do Salvador e manifestou sua missão no dia de Pentecostes.

Como eu sou jurista gostaria de lembrar que num processo, o advogado existe para emprestar a sua voz àquele que não tem voz, procura encontrar as palavras daquele que as procura. Jesus conhece os seus apóstolos, conhece os seus limites, os seus medos, a sua timidez. Jesus sabe, também, que eles encontrarão os detratores, como Ele próprio os encontrou. É então que Ele promete o Defensor, o “Espírito de Verdade”, precisa Ele. Este Espírito não estará ao lado deles, mas neles, Ele amá-los-á, fortificá-los-á, santificá-los-á, soprar-lhes-á as palavras que é preciso dizer e que farão eco às palavras pronunciadas pelo seu Mestre. “Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em Mim”. Sim, o Espírito Santo, Espírito do Ressuscitado, anima hoje ainda a sua Igreja. Porque ter medo, então? A palavra está no Defensor, é preciso não contradizer esta palavra.

Temos todos consciência de que somos membros de um único “corpo” – o corpo de Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas. No entanto, encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades” humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Às vezes, vêem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; às vezes, a Igreja continua a dar a impressão – mesmo após o Concílio Ecumênico Vaticano II – de ser uma pirâmide no topo da qual há uma elite que preside e toma as decisões e em cuja base está o rebanho silencioso, cuja função é obedecer.

Os “dons” que recebemos não podem gerar conflitos e divisões, mas devem servir para o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. É preciso ter consciência da presença do Divino Espírito Santo: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história. Ele foi distribuído a todos os batizados e reside na totalidade da comunidade.

Meus irmãos,

Com a missão da Igreja colocada em relevo no dia de hoje, devemos aprender a ver os sinais da presença do Espírito Santo e a valorização dos diferentes dons que ele confere a diferentes pessoas. Na Igreja, de muitas faces e facetas, de grandes diversidades na eclesiologia, reside a única missão: anunciar a PÁSCOA e vivenciar em nós a maior comunidade de amor a partir da visão Trinitária.

Pentecostes é festa da paz. Mas, para ter essa paz é preciso estar em estado de graça. Pelo perdão de nossos pecados e de nossas atitudes, o Espírito age. Na diferença de pessoas, de carismas, de modos eclesiais, todos somos convidados a vivenciar o perdão como remédio que não deve faltar ao cristão, convocado a carregá-lo para aliviar as doenças deste mundo confuso e necessitado de paz.

Paz é a palavra de hoje. Paz, primeiro, em nossas comunidades eclesiais, paz na Igreja, paz no mundo. Paz de consciência para a construção do amor e da concórdia.

Por isso, cantemos a seqüência “Veni Sancte Spiritus”, pedindo paz ao mundo:

“Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!

Vinde, Pai dos pobres, daí aos corações vossos sete dons.

Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde!

No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem.

Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós!

Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele.

Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente.

Dobrai o que é duro, guiai o escuro, o frio aquecei.

Daí à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons.

Daí em prêmio ao forte, uma santa morte, alegria eterna. Amém!”.

 

Homilia por : Padre Wagner Augusto Portugal

 

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