REFLEXÃO DOMINICAL II:
SANTÍSSIMA
TRINDADE – 26 de maio
Por Izabel Patuzzo
Deus
comunhão
I. INTRODUÇÃO GERAL
Na tradição apostólica, os discípulos
de Jesus são batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Essa
comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo chamamos também de Trindade
Santa. E o batismo em nome da Trindade comporta exigências precisas para os
discípulos. A primeira delas consiste na comunhão fraterna eclesial, inspirada
no modelo trinitário. Com a Trindade, os discípulos aprendem a construir uma
comunidade a serviço uns dos outros, sem espírito de competição. Ninguém se
sente superior aos demais, pois todos servem em diferentes ministérios. A
exemplo da Trindade, buscam a comunhão e a corresponsabilidade.
A solenidade que celebramos é um convite
para contemplar a comunhão entre as três pessoas da Santíssima Trindade,
comunhão essa que resulta do amor. A gratuidade deve ser a marca característica
do amor cristão. Esse ideal trinitário leva os discípulos a superar todas as
formas de inimizade, contendas, rivalidades, competições, críticas destrutivas
e tantas outras atitudes que não contribuem para a unidade entre irmãos. Viver
desunido é uma das muitas negações da fé. Em direção contrária, a fé trinitária
busca a comunhão verdadeira e profunda, a exemplo do próprio Deus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1.
I
leitura (Dt 4,32-34.39-40)
Na primeira leitura, o Senhor
revela-se como o Deus que constrói laços profundos de amor, sempre tomando a
iniciativa de estabelecer comunhão com seu povo escolhido. Ele vai ao encontro
das pessoas, fala-lhes ao coração, indica caminhos seguros de vida, solidariedade,
justiça e retidão. O livro do Deuteronômio destaca que a Aliança entre Deus e
seu povo exige de Israel a prática dos mandamentos recebidos no Sinai. As
diretivas que Deus propõe são caminhos de vida e de bênção na Terra Prometida,
para que nunca mais Israel experimente a escravidão. Por isso, por meio de
discursos colocados na boca de Moisés, o autor deuteronomista convida a
comunidade de fé a contemplar sua história.
A relação entre o Senhor e Israel é
extraordinária história de amor. A escolha por esse povo constitui iniciativa
gratuita de um Deus que não elege um povo forte e numeroso, mas fraco,
necessitado e oprimido. Por isso, o livro do Deuteronômio convida Israel a
reconhecer que o Senhor é o único Deus e que o caminho que ele aponta, por meio
de seus mandamentos, é de felicidade. A prática das normas por parte do povo
escolhido garante a permanência na terra; são orientações justas, fraternas,
solidárias, que marcam a identidade de Israel.
2. II leitura (Rm 8,14-17)
A segunda leitura continua a mensagem
da primeira. Deus não é um ser distante, inacessível ou indiferente aos
sofrimentos humanos. Paulo parte da realidade batismal, isto é, da filiação
divina que nos torna livres, pois todos recebemos o Espírito de liberdade, e
não de escravidão. Nada nos é imposto, apenas nos é oferecido, e nossa adesão é
também uma resposta de amor. Dessa forma, o apóstolo procura mostrar aos
cristãos que, libertos do peso da lei humana, do pecado e da morte, em Jesus
Cristo, deixaram a vida da carne – isto é, a vida de orgulho, egoísmo,
autossuficiência e fechamento – para viver uma vida segundo o Espírito.
O batismo nos torna filhos de Deus e
herdeiros de sua graça. A herança reservada a todos os batizados é a vida plena
e definitiva. Segundo o ensinamento de Paulo, nosso Deus é relação; ele sempre
vai ao encontro do ser humano para integrá-lo na sua família, oferecendo-lhe a
salvação. Esse texto resume a essência do cristianismo: a paternidade divina é
fonte de amor e misericórdia. E o privilégio de seus filhos é chamá-lo de
“Abba” – Pai –, assim como na oração que Jesus nos ensinou. Para exprimir essa
filiação, Paulo usa o termo “adoção”, no sentido de que tanto judeus como
gentios são integrados na grande família de Deus. O novo povo escolhido já não
é Israel, mas todos os batizados.
3. Evangelho (Mt 28,16-20)
O texto do Evangelho narra o envio dos
onze apóstolos para a missão de evangelizar em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Em primeiro lugar, a missão consiste em fazer que todas as
pessoas se tornem discípulas de Cristo, possibilitando-lhes entrar em comunhão
com ele; em segundo lugar, acolhê-las no seio da comunidade, batizando-as em
nome da Trindade. Os onze encontram Jesus na montanha, isto é, no mesmo lugar
onde iniciaram seu discipulado durante a atividade pública de Jesus. É nesse
lugar que Cristo confia aos discípulos a missão de ir a todos os povos, batizar
e ensiná-los a observar tudo quanto ele lhes ordenou. Todos aqueles que recebem
o batismo entram numa relação específica com cada uma das pessoas da Trindade.
A presença de cada uma delas na vida do batizado realiza ações diversificadas:
Deus Pai se exprime como o criador que sustenta a obra da criação e tem um
plano de salvação; o Filho assume a condição humana para dar visibilidade ao
amor do Pai, entregando-se na cruz; o Espírito anima a comunidade de discípulos
que Jesus instituiu.
Mateus situa o início da missão dos
apóstolos na Galileia, onde Jesus também desenvolveu grande parte de sua
missão. Essa região era muito povoada e favorecia o encontro de vários povos.
Marcada pelo convívio dos judeus com outros povos diferentes, é considerada
pelo evangelista o lugar apropriado para iniciar a missão universal da Igreja.
O envio em missão sinaliza o último encontro dos onze com Jesus ressuscitado. A
Igreja de Jesus é essencialmente missionária, e sua missão é testemunhar, no
mundo, a proposta de salvação e libertação que Jesus veio trazer à humanidade,
e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A primeira nota desse envio
missionário é a da universalidade da missão: os discípulos são enviados ao
mundo inteiro. A segunda é a catequese de iniciação à vida cristã que a
comunidade de Mateus já conhece.
O relato descreve, com precisão, a
imagem da Igreja segundo Mateus. Ela não é somente comunidade de santificados
pelo sacramento, mas também de praticantes de nova obediência. O discípulo se
qualifica como tal pela tradução, na prática, do ensinamento do mestre. Jesus é
apresentado como o Filho obediente ao Pai; sua palavra é um mandato e, como
tal, dirige-se à nossa vontade, para que respondamos com nova obediência.
Dirige-se aos discípulos como seres performativos, colocando-os perante novas
tarefas missionárias. A práxis proposta é fazer aos outros o que o próprio
Jesus fez com eles, amando-os até o fim.
A obediência ao mandato missionário é
acompanhada de uma promessa. O Senhor assegura à Igreja sua presença contínua e
perene. O judaísmo conhecia a presença de Deus entre os fiéis observantes da
Lei. Aqui é Jesus quem garante, quem está presente no meio dos seus discípulos,
isto é, daqueles que põem em prática sua palavra. A Igreja não foi deixada
sozinha no seu longo e cansativo caminho histórico. Jesus Cristo a acompanha,
sustenta, encoraja, purifica. Se Jesus de Nazaré indicou o caminho a ser
percorrido, o Ressuscitado dá força para o trilharmos. O empenho encontra no
dom da graça sua possibilidade radical. A comunidade dos discípulos experimenta
a forte presença transformadora do seu Senhor. Cristo não veio somente para
revelar as exigências definitivas do Pai, mas também para estar com os seus no
caminho da obediência e do amor operante.
III.
PISTAS PARA REFLEXÃO
As leituras escolhidas para esta
solenidade nos convidam a contemplar o Deus que é amor, comunhão, família,
comunidade missionária de batizados. Como cristão batizado, tenho sido coerente
com a graça que recebi no dia do meu batismo?
Quem acolhe o convite divino
apresentado por Jesus para integrar-se à comunidade trinitária torna-se
testemunha dessa vida nova que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar
a missão universal, que supera todas as barreiras geográficas, étnicas,
culturais e sociais. Todo batizado, sem exceção, tem lugar na família de Deus.
Tenho consciência de que sou enviado pelo Senhor a anunciar esse convite –
dirigido a todas as pessoas de todos os tempos – para integrar a família de
Deus?
Num mundo marcado por polarizações,
divisões e intolerância às diferenças, como testemunhar essa espiritualidade de
comunhão própria da Trindade Santa? Que atitudes, inspirados na Trindade,
devemos cultivar para superar preconceitos e divisões?
Izabel Patuzzo
Pertence
à Congregação Missionárias da Imaculada – PIME. É assessora nacional da
Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre
em Aconselhamento Social pela South Australian University e em Teologia Bíblica
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e
Teologia pela Faculdade Nossa Senhora da Assunção,
em São Paulo. E-mail: Isabellapatuzzo@hotmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/santissima-trindade-30-de-maio/
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