XIII-
REFLEXÃO DE UM PAI, AVÔ E PSICÓLOGO
Lindolivo Soares
Moura(“)(**)
Oi
minha neta-filha querida, como você está, tudo bem? Espero que tenha
aproveitado bastante esses dias livres e convidativos das férias para um pouco
mais de relax e descanso. Digo um pouco mais porque mesmo no período das aulas
é muito importante para a saúde saber equilibrar os estudos e outras atividades
que exijem foco e atenção com lazer e descanso. O equilíbrio continua sendo a
meta principal, não se pode esquecer disso. Na sua faixa de idade,
relacionar-se com outra pessoa, criando com ela um relacionamento afetivo e um
vínculo especial e diferenciado daqueles que criamos com os demais, também pode
ser bem interessante. Claro que em princípio não é necessário que seja um
vínculo profundo e de compromisso sério e duradouro, o que poderá até ocorrer mais
tarde, mas não necessariamente com a mesma pessoa. Por outro lado, esse vínculo
também não deve ser encarado como um simples "passa tempo" igual a
outro qualquer; tudo que envolve nossos sentimentos, afetos e emoções, deve ser
tratado com respeito, cuidado e delicadeza, a fim de nos preservar, uns e
outros, de decepções profundas e dores emocionais. Por isso também aqui o
equilíbrio entre compromisso e responsabilidade continua sendo a chave de ouro.
E já que estamos falando sobre o assunto, a "dica" de hoje aproveita
o embalo para refletir um pouco sobre um tipo de vínculo ou relacionamento bem
característico da sua geração e desses novos tempos. Os jovens, e sobretudo os
adolescentes, dão a ele o nome de "ficar". Mas será que um menino e
uma menina, duas meninas ou dois meninos, conforme cada caso, estão falando a
mesma coisa quando decidem "ficar"? A resposta pode parecer simples e
fácil, não é verdade? Mas talvez não seja tão simples assim. Na dúvida,
conversar e se esclarecer sobre o assunto pode ajudar. Vamos lá então?
"FICAR" OU NÃO "FICAR"? EIS A QUESTÃO! SÓ RESPONDA SIM OU
NÃO DEPOIS DE CONHECER MELHOR AS REGRAS DESSE "JOGO".
Pois
é, minha linda, até aproximadamente o início da década de oitenta do século
passado esse tipo ou modalidade de vínculo - o "ficar" - simplesmente
não existia. Namoro, noivado - e se tudo corresse bem, o casamento - eram as
três etapas pelas quais o relacionamento começava, evoluía, chegava, permanecia
por um bom tempo ou então terminava. A liquidez e a velocidade com que tudo vem
acontecendo ultimamente têm trazido mudanças e transformações profundas, muitas
delas relacionadas ao amor e aos vínculos que em seu nome são criados. O
surgimento do "ficar" foi e continua sendo uma dessas mudanças, algo
equivalente ao "flertar" de ontem ainda que com peculiaridades bem
diferentes. Os dicionários precisaram aguardar até que as características dessa
nova modalidade de relacionamento fossem se configurando, para que assim
pudessem conceituá-la melhor e finalmente catalogá-la. Ainda assim nem todos
estão de pleno e comum acordo sobre esse novo conceito - o "ficar" -
notadamente no que diz respeito à sua extensão e abrangência, mas certas
características parecem encontrar consenso suficiente para que se possa
identificá-las e refletir sobre elas com boa margem de segurança. Comecemos
então pela pergunta básica: o que é "ficar"? De forma resumida e
simplificada pode-se afirmar que o "ficar" se constitui num tipo de
encontro ou relacionamento de natureza casual e informal, estabelecido consensualmente
entre dois(duas) companheiros(as) - na maioria das vezes adolescentes -
encontro este que pode ir desde um simples toque, abraço ou beijo, até atingir
um nível maior de profundidade mas sem via de regra envolver relação sexual.
Ainda que a legislação brasileira considere válido o "consentimento"
dado já a partir dos catorze anos de idade - presentes os demais requisitos
para a plena validade do mesmo - do ponto de vista psico-afetivo-emocional,
entretanto, considera-se que o "ficar", sobretudo na adolescência,
não oferece a segurança necessária e adequada para a prática de relações
sexuais entre os parceiros, em razão sobretudo do fato de que os envolvidos
muito raramente possuem autonomia, maturidade, responsabilidade e capacidade
suficientes para responder plenamente pelos seus atos e por todas as suas
eventuais consequências. A título de exemplo, segundo dados do IBGE - Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística - cerca de vinte por cento dos partos
realizados no Brasil - um quinto do total, portanto - são de adolescentes entre
quinze e dezenove anos de idade, fator que reconhecidamente tende a agravar os
riscos da gravidez tanto para a mãe como para o bebê, que nesse caso pode
nascer prematuro e/ou abaixo do peso ideal. Além disso as estatísticas apontam
que muitas mães adolescentes - em alguns casos também o pai da criança - acabam
abandonando os estudos para poder exercer a
"maternagem"/"paternagem", complicando e muito suas chances
em termos de formação profissionalizante e acesso profissional posterior. Tudo
isso acrescido do fato de que a maioria dos adolescentes não se encontram
preparados afetiva e emocionalmente - nem o menino nem a menina - para o
exercício dessa função, que acaba muitas vezes sendo repassada aos pais ou aos
avós, tampouco estes preparados para mudanças bruscas e inesperadas, tal como é
o caso da gravidez dos filhos ou netos nessa faixa de idade. A lógica parece
simples sem ser simplista: quanto mais liberdade, maior o grau de
responsabilidade. Em relação ao sexo e à gravidez na adolescência, entretanto,
na maioria das vezes essa equação simplesmente não casa; pelo contrário, parece
resultar exatamente no contrário, admitidas sempre as meritosas exceções. Um
detalhe a ser particularmente observado é o seguinte: meninos e meninas nem
sempre compartilham a mesma percepção no que diz respeito a manter relações
sexuais durante o "ficar". Enquanto boa parte dos meninos contam com
isso - e tentam convencer suas companheiras de que não há em relação a isso
nenhum perigo ou risco - grande parte das meninas, talvez a maioria delas, não
pensam da mesma forma e tampouco compartilham desse pressuposto. Procure
portanto ficar particularmente atenta em relação a esse aspecto, minha linda, e
jamais aceite pressão de nenhum tipo; essa é uma das regras básicas do
"ficar" consciente e saudável.
Não
é somente sobre manter ou não manter relações sexuais durante o
"ficar" que as partes envolvidas podem pensar de maneira diferente.
Como o limite ou a fronteira do que pode e deve ser permitido não é definido de
antemão - "a priori" como se diz - cada uma das partes tem
individualmente o direito e o dever correspondente de definir o que será e o
que não será permitido, devendo deixar isso bem claro e explícito através do
"consentimento" dado. "Sim é sim, não é não", quer se
esteja falando do corpo como um "todo", quer se esteja falando de
"cada uma das suas partes". Antes de começar "o jogo",
portanto, é fundamental, para o conforto e a segurança do próprio relacionamento,
estabelecer e explicitar claramente com quais regras, alcance e limites o jogo
será jogado. Caso qualquer uma delas comece a ser ultrapassada ou desrespeitada
- seja por pressão, coação ou até mesmo malícia ou má intenção - melhor cair
fora o quanto antes, antes que seja tarde e o relacionamento acabe se
"intoxicando". E já que tocamos no assunto, esteja particularmente
atenta para outro detalhe importante: "consentimento" dado sob efeito
de bebida, tóxico, ou até mesmo de certos remédios que induzem alteração
acentuada de consciência, não tem validade alguma; nenhuma das partes tem o
direito de se aproveitar de uma situação desse tipo e depois sair apresentando
desculpas esfarrapadas. O pressuposto de que o consentimento dado pode ser
retirado sem aviso prévio por qualquer uma das partes, sem necessidade de
explicações ou justificativas de qualquer tipo, é outra regra tão importante
quanto qualquer uma das demais . Essa regra - ou esse princípio, como parecer
melhor - deve ser tida como "inegociável", pois é condição imprescindível
para que se possa preservar e garantir a liberdade e a autonomia dos envolvidos
tanto "antes" como "durante" e "depois" do
"ficar". Sendo a adolescência um período privilegiado de descoberta e
de discernimento, a experiência do "ficar" nessa fase permite e
favorece a exploração e a melhor compreensão da própria sexualidade, bem como a
descoberta e ratificação da "identidade sexual". Até algum tempo
atrás, minha linda, sequer se falava sobre isso: identidade de gênero; era como
falar sobre um "bicho de sete cabeças". Sexo, sexualidade e
identidade de gênero - como de resto qualquer outro tipo de tabu - só é bicho
de sete cabeças para quem vive alheio, desinformado e incapacitado de orientar
e debater sobre o assunto. O certo, porém, é que quando realizada com
consciência, comunicação clara, e respeito mútuo, a experiência do
"ficar" pode contribuir e muito para o desenvolvimento emocional,
relacional e social do adolescente. Para concluir, não se esqueça de que é
fundamental aprofundar o conhecimento sobre educação e saúde sexual, uma
condição imprescindível para que se possa estabelecer relacionamentos saudáveis
e seguros. Com as emoções e os sentimentos não se brinca; nem com os próprios e
nem com os dos demais. O ensinamento de um grande mestre chamado Buda, do qual
certamente você já ouviu falar, também aqui pode e deve ser aplicado. Eis o que
ele diz: "faça eu o bem ou o mal, o certo ou o errado, serei sempre
herdeiro daquilo que eu fizer". Essa é uma herança absolutamente certa que
nós, e ninguém mais, deixamos para nós mesmos, e de resto como exemplo para
aqueles que nos sucederão mais tarde. AMO
MUITO VOCÊ, BIA, O BEN, O FRAN E O ALÊ. Um beijo em cada um desses corações
de ouro.
(*) Reflexão enviada por whatsapp, de
Vitória(ES)
(**)(**)Psicólogo e
Professor Universitário no Consultório de Psicologia- Universidade Federal do
Espírito Santo- Vila Velha, Espírito Santo, Brasil.
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