sexta-feira, 11 de outubro de 2024

4.2- REFLEXÃOII: INTERCESSORA JUNTO A JESUS E PADROEIRA DO BRASIL Por Pe. Johan Konings, sj

 

4.2- REFLEXÃOII: INTERCESSORA JUNTO A JESUS E PADROEIRA DO BRASIL

Por Pe. Johan Konings, sj

 

I.              INTRODUÇÃO GERAL

 

A liturgia de hoje é marcada pela ideia da intercessão de Maria, padroeira principal do Brasil. Ao mesmo tempo, a lembrança de sua imaculada conceição sugere a dedicação “sem reticência” que ela desenvolve junto a seu filho Jesus, que é o Filho de Deus. É nesse sentido que a liturgia de hoje orienta nosso pensamento.

II.            COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

 

1.    I leitura (Est 5,1b-2; 7,2b-3)

 

A 1ª leitura lembra a intercessão da rainha Ester junto ao rei Assuero em favor do povo judeu, ao qual ela mesma pertencia. Ao mesmo tempo, menciona-se a graciosa beleza desta “flor de seu povo”.

Se é verdade que Deus encarna seu amor, deve encarná-lo também na realidade que é uma nação. No Antigo Testamento, a consciência da encarnação do amor de Deus praticamente não ultrapassava as fronteiras de Israel. Um dos momentos em que se notificou esse amor encarnado na proteção da nação foi a atuação da rainha Ester, judia que, graças às suas reais qualidades e à presença de Deus em sua vida, conseguiu proteção para o povo dominado. Esse tema pode ser interpretado como um símbolo do amor que Deus dedica a qualquer povo que expressa sua confiança nele e toma sua vontade e justiça como rumo de seu caminho.

Para a liturgia de hoje, a “rainha” por excelência é Maria, mediadora junto a Jesus e a Deus, e solidária com o povo. Como Ester, ela reza: “Salva meu povo”.

2.    II leitura (Ap 12,1.5.13a.15.16a)

 

A 2ª leitura é a mesma da festa da Assunção. O texto litúrgico se compõe de recortes do capítulo 12 do Apocalipse, que põe em cena a Mulher-Povo de Deus. Ela dá à luz o Messias e é perseguida pelo Dragão, que representa o anti-Reino. Da alegoria da Mulher-Povo de Deus (Ap 12) utilizam-se, na interpretação litúrgica, aqueles versículos que sublinham a grandeza e a realeza da Mulher-Maria (Mãe do Messias), como também a solidariedade da “terra” com sua luta (12,16a).

Destaca-se o papel protetor que a Mulher exerce com relação ao Filho messiânico. Se, no sentido primeiro, a Mulher é a Igreja-povo de Deus, a intuição da fé, aplicando essa leitura a Maria, percebe-se a analogia entre o papel da Igreja e o de Maria. Gerar e levar o Salvador ao mundo, e presenciar sua vitória, eis o que Maria e a Igreja têm em comum. Destacando a figura de Maria, a Igreja assume, até certo grau, o que foi a obra de Maria. Isso vale também com relação à proteção do povo, que não é algo mágico, mas algo que se realiza mediante as nossas mãos: nosso empenho por uma sociedade melhor, mas justa, mais conforme à vontade de Deus.

3.    Evangelho (Jo 2,1-11)

 

O evangelho de hoje é escolhido em função da ideia da intercessão de Maria, como aparece no “milagre do vinho”, nas bodas de Caná.

Maria é apresentada aí como a “senhora mãe” (é o que significa, na linguagem bíblica, o termo de tratamento “mulher”). Ela se sente responsável pelo que diz respeito à sua família: a presença de seu filho Jesus e de seus amigos faz com que se preocupe com a falta de vinho na festa. Conhecendo seu filho, intercede junto a ele para apontar essa situação. Quando Jesus, então, pergunta pelo sentido dessa situação (“Que significa para ti e para mim, mulher?”) e observa que “ainda não chegou sua hora” (para sua grande obra) (Jo 2,4), Maria confia os serventes à providência dele (“Fazei tudo o que ele vos disser”, cf. Gn 41,55, a respeito de José do Egito). Talvez às cegas, mas confiante no projeto de Deus e no filho que Deus lhe deu, Maria assume sua missão de confiar o mundo a ele.

A partir daí, Jesus vai realizar não um simples “milagre”, mas um “sinal”, como João gosta de dizer – um sinal de sua missão, sinal de que Deus está com ele, sinal-símbolo do dom que ele mesmo é. Pois a história que João conta, como todo seu evangelho, não é propriamente mariológico, mas cristológico. Mostra Jesus dando início (2,11) aos sinais da sua grande obra, antes que se realize a sua “hora” (2,4), que á a hora da cruz (cf. 12,23.27; 13,1; 17,1). Nessa hora aparecerá na cena, pela segunda e última vez no evangelho de João, a “mãe de Jesus”, sendo chamada com o mesmo título de 2,4: “Mulher” (19,26). A “mulher, mãe de Jesus” emoldura, assim, toda a “obra” dele, desde o “início dos sinais”

(2,11) até a obra “consumada” (19,30). Alguns Santos Padres interpretaram isso no sentido de que, em Maria, o povo do Antigo Testamento, representado pela imagem da mulher, passa para a comunidade do Novo Testamento, quando a “Mulher-Mãe” é amparada pelo Discípulo por excelência, que “a acolheu no que era seu” (Jo 19,27).

A abundância de vinho é um sinal de que Jesus vem cumprir a missão messiânica (cf. a abundância de vinho no tempo messiânico, Am 9,13-14 etc.), mas esta missão só é levada a termo na “hora” da morte e glorificação (cf. Jo 13,1ss; 17,5 etc.).

III.           PISTAS PARA REFLEXÃO

 

Essa festa nos oferece um ensejo para explicar o sentido do pedir graças a Deus mediante a intercessão de N. Senhora. Geralmente as graças que se pedem são benefícios materiais. Mas Deus e Maria não têm como tarefa específica resolver nossos problemas materiais. As graças materiais são apenas sinais de que Deus nos quer bem. Ora, ele nos quer bem sempre, também no sofrimento e na ausência de benefícios materiais! Por outro lado, nem todo benefício material pode ser interpretado como sinal do bem-querer de Deus, pois há muita gente materialmente bem provida e cujo coração está longe de Deus!

Reflitamos, pois, a partir do presente evangelho, sobre o sentido desse pedir graças mediante a intercessão de N. Senhora. Em Caná, Maria pede uma intervenção material, e esta se realiza, porém, não como um fim em si, mas como sinal da grande obra do Cristo, sua morte, na “hora” que naquele momento ainda não havia chegado (2,4; cf. 13,1). Assim também o que nós pedimos pela intervenção de N. Senhora, quer sejamos atendidos de acordo com o pedido ou de outro modo, torna-se sinal do amor até morrer que seu Filho nos dedica. É assim que devem ser interpretadas as preces de súplica: “Dai-nos, Senhor, um sinal de vosso amor”.

A ideia da intercessão, na presente liturgia, concerne sobretudo à pátria brasileira, portanto uma realidade histórico-material. Pode-se, então, pedir a Maria que a ninguém faltem as condições necessárias para viver dignamente. Mas esse pedido deve traduzir também nossa disponibilidade para colaborar e participar na grande obra de amor que Cristo iniciou e assinalou em seu primeiro “sinal”, em Caná. Ou seja, os pedidos devem exprimir a vontade de colaborar no reino de paz e amor, pois esse reino é o meio mais seguro para fazer acontecer a realização daquilo que pedimos. Se pedimos bênçãos pela pátria, devemos estar dispostos a nos tornarmos instrumentos daquilo que pedimos (integração de todos numa sociedade justa e fraterna etc.).

A titular da festa é “Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil”. O povo a chama simplesmente de Nossa Senhora Aparecida. Para a “Imaculada Conceição” temos outra festa, em 8 de dezembro. Todavia, vale a pena, apoiados na liturgia, estabelecer um nexo entre a “imaculada conceição” (=a eleição de Maria desde a sua concepção) e seu papel de intercessora e padroeira do nosso povo. Tal nexo se encontra na ideia da “eleição”. Maria não é intercessora e padroeira por mérito próprio, mas porque Deus assim quis que fosse e a elegeu para colaborar na obra a ser levada a termo pelo filho. Toda a vida de Maria foi dedicada a Deus: este é o sentido de sua concepção sem o pecado original, conforme a Tradição da Igreja. E nesta total dedicação a Deus se baseia a sua “liberdade régia” (cf. Ester) para intervir junto a seu filho – o filho de Deus –, para apontar a necessidade de seu povo, como narra o evangelho de hoje.

Pe. Johan Konings, sj

Nascido na Bélgica, reside há muitos anos no Brasil, onde leciona desde 1972. É doutor em Teologia e licenciado em Filosofia e em Filologia Bíblica pela Universidade Católica de Leuven (Lovaina). Atualmente, é professor de Exegese Bíblica na Faje, em Belo Horizonte. Entre outras obras, publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro; Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A - B - C; Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas origens e hoje. E-mail: konings@faculdadejesuita.edu.br.

https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/12-de-outubro-nossa-senhora-aparecida/

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