IX-
REFLEXÃO DOMINICAL II:JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO
Por Izabel Patuzzo
O Reino
da compaixão
I.
Introdução geral
No último domingo do ano litúrgico,
celebramos a solenidade de Cristo Rei. O texto do Evangelho apresenta-nos dois
diálogos, situados no contexto do julgamento e condenação de Jesus. Pilatos,
enquanto autoridade política, interroga Jesus acerca da acusação, tramada pelas
autoridades judaicas, de que Ele havia se declarado rei de Israel.
No Evangelho segundo João, o relato da paixão
de Jesus destaca a figura política de Pôncio Pilatos de forma particular. O
processo de julgamento e condenação de Jesus na corte romana foi de ordem
política. Enquanto procurador romano, Pilatos exerce o poder de dialogar com as
autoridades locais, isto é, com os chefes dos sacerdotes e membros do sinédrio,
e de emitir a sentença de morte. Como representante de César, era de sua
competência emitir um juízo sobre a acusação e declarar a sentença condenatória
de flagelar e crucificar Jesus, conforme a lei do império.
Em sua resposta a Pilatos, Jesus faz clara
distinção entre a natureza de seu Reino e do reino político que Pilatos
representa. Jesus se refere a um Reino que não pertence a este mundo, pois o
Reinado de Deus é universal, fundamentado no amor, na justiça, na misericórdia.
Enquanto os reinos deste mundo são pautados por lutas de poder, dominação,
corrupção, jogos de interesses, o Reino de Deus tem como fim a salvação, o
cuidado com a vida, a paz para os povos e a construção da fraternidade
universal.
II.
Comentário dos textos bíblicos
1.
I leitura (Dn 7,13-14)
O livro de Daniel foi escrito em um contexto
de grande instabilidade política, econômica, cultural e religiosa para o povo
eleito. Os dois últimos séculos do pós-exílio foram marcados por profundos
conflitos, surgidos de disputas políticas e econômicas que puseram as
comunidades judaicas em risco de perder sua identidade.
O texto apresentado na liturgia deste dia faz
uma releitura profética da história do povo de Deus, com o objetivo de suscitar
esperança nas comunidades dos fiéis que resistem às propostas de idolatria dos
poderes greco-romanos.
O autor transmite sua mensagem em forma de
visões, e interpretar corretamente as visões com base nos valores de sua
tradição religiosa é sinal de sabedoria. Somente os sábios que se apoiam na
justiça divina podem compreender o que está acontecendo e apontar caminhos de
superação. A vinda do Filho do Homem evoca a chegada de tempos messiânicos, em
que Deus mudará o curso da história.
Segundo a tradição da fé judaica, esse Filho
do Homem será um enviado de Deus que vai instaurar novo reino sobre a terra.
Será o Messias enviado a este mundo para pôr fim à perseguição dos justos fiéis
e possibilitar a vitória dos santos sobre as forças de opressão e de morte.
Essa é a esperança que anima as comunidades dos fiéis imediatamente antes da
chegada de Jesus. Os discípulos interpretaram as Escrituras à luz da
ressurreição de Jesus, compreendendo que nele se cumpriram as promessas
messiânicas. Ele veio dar pleno cumprimento a tudo o que os profetas
anunciaram.
2.
II leitura (Ap 1,5-8)
O livro do Apocalipse foi escrito no final do
século I d.C. e enviado às comunidades cristãs que se situavam na província
romana na Ásia Menor e viviam em um contexto social e cultural de dominação.
João deseja que os discípulos de Jesus resistam não somente às perseguições,
mas também às propostas de Roma para cooperar com sua política de dominação. Na
província da Ásia, diferentemente do que ocorria na Palestina, a cultura romana
era hegemônica e amplamente compartilhada e aceita na sociedade. As forças
imperialistas atuavam mais por meio de mecanismos de persuasão do que por meio
de armas militares. Isso representava grande perigo para a fé cristã.
O universo simbólico do mundo mediterrâneo no
final do século I da era cristã estava repleto de rituais e festividades que
mantinham a idolatria e a injustiça. Nessa atmosfera, as vozes das comunidades
cristãs eram de minorias dissidentes. Somente as pequenas comunidades judaicas
e cristãs eram monoteístas e se opunham ao culto de outras divindades. Nesse
sentido, a mensagem dirigida às sete Igrejas da Ásia serve de orientação e
consolo para superar as profundas tensões e desânimo em que estavam
mergulhadas. Dessa forma, o autor procura ajudar os cristãos a vencer o medo e
o sentimento de fracasso em fazer florescer o anúncio de Jesus Cristo.
O texto da segunda leitura nos apresenta os
primeiros versículos do livro do Apocalipse, para nos introduzir no primeiro
diálogo do leitor com o autor. Esse diálogo é marcado por um ambiente
litúrgico, como se todo o livro fosse uma grande liturgia em honra do Cordeiro
imolado e ressuscitado, centro da fé cristã. Nesse diálogo, a comunidade é
convidada a aceitar Cristo como centro da história humana. Ele é o princípio e
o fim de todas as coisas. É nele que a comunidade deposita toda a confiança.
3.
Evangelho (Jo 18,33b-37)
O Quarto Evangelho apresenta Jesus como o
Messias-rei que tem todas as qualidades descritas nas Escrituras. Todo poder e
autoridade lhe foram concedidos para levar à plenitude a missão de verdadeiro
rei que cuida do povo. É um rei que se apresenta como o bom pastor que protege
e dá a vida pelo rebanho; que interpreta e observa as Escrituras; que julga o
mundo com justiça e misericórdia, assegurando a presença de Deus; que,
simbolicamente, é o Templo onde habita o Senhor.
A presença e o efeito do poder régio de Jesus
são claramente ilustrados no diálogo com Pilatos. Dois reinos opostos – um
deste mundo e outro não pertencente a este mundo – encontram-se. A imagem
descrita pelo evangelista na perspectiva terrena difere radicalmente da
perspectiva transcendental. Aparentemente, a figura mais poderosa do relato é
Pilatos, cujo poder não é mérito seu, mas também é de ordem transcendente, pois
lhe foi concedido por Deus para que Jesus seja glorificado. O foco em João é a
presença de Jesus encarnado como rei de todo o cosmo, e isso é revelado por sua
morte na cruz e ressurreição. Ele é o rei de Israel e governa um Reino cuja
dimensão é universal.
Como rei, Jesus oferece tudo o que um rei
político devia oferecer – por exemplo, proteção, julgamento justo, vida digna,
leis que orientam a prática da justiça e da retidão, e assim por diante. A
compreensão de Jesus como rei sugere, portanto, um tipo de presença régia que
deveria transformar também os reinados deste mundo.
O relato joanino apresenta as duas concepções
de reinado: o Reinado de Deus, anunciado por Jesus, e o reinado do Império
Romano, representado por Pilatos. O Reino da verdade estabelecido por Jesus tem
raízes nas Escrituras, de longa tradição em Israel. Para a comunidade joanina,
a verdade tem poder em si mesma, porque vem de Deus. Em João, Jesus incorpora
em sua missão de Rei-messias todas as esperanças de Israel, não por meio do
poder político, mas como o bom pastor que dá a vida pelas ovelhas, como a luz
do mundo, como a ressurreição e a vida, como o caminho, a verdade e a vida.
III.
Pistas para reflexão
As leituras desta liturgia não deixam dúvidas
de que, para nós, cristãos, Jesus é o único rei no qual podemos depositar nossa
confiança. Ao celebrarmos a solenidade de Cristo Rei do Universo, somos
convidados, antes de mais nada, a acolher e interiorizar esta realidade: Jesus
é nosso rei, princípio e fim da história humana, e se faz presente a cada passo
de nossa caminhada; é ele que nos conduz à vida plena.
Vivemos tempos de profunda crise de
liderança, não somente em âmbito nacional, mas também mundial. Como se
apresentam os líderes políticos e econômicos em tempos atuais? Frequentemente
são pessoas de visão limitada, dispostas a governar apenas para seus grupos de
interesses, com pouca atenção ao bem comum. Essas constatações não devem nos
deixar desanimados, pois nossa fé nos ajuda a olhar para além dessa realidade.
A proposta de discipulado de Jesus ultrapassa tudo isso. Ele é nosso rei, e
depositamos na sua proposta evangélica nossa esperança; é no caminho que ele
nos aponta que pautamos nossas ações.
A
realeza de Jesus não se assemelha à lógica dos poderes deste mundo. O papa
Francisco, em sua encíclica Fratelli
Tutti, recorda-nos que, em Jesus, todos somos irmãos e irmãs
e, juntos, somos chamados a construir um mundo mais justo e fraterno. Somos
chamados a buscar a fraternidade universal, pois ninguém se salva sozinho. Como
discípulos de Jesus, temos a missão de cuidar do mundo como a casa comum de
todos.
Izabel Patuzzo
pertence à Congregação Missionárias da
Imaculada – PIME. É assessora nacional da Comissão Episcopal Pastoral para a
Animação Bíblico-Catequética da CNBB. Mestre em Aconselhamento Social pela
South Australian University e em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, é licenciada em Filosofia e Teologia pela Faculdade
Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo.
E-mail: isabellapatuzzo@hotmail.com
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/jesus-cristo-rei-do-universo-21-de-novembro/
Nenhum comentário:
Postar um comentário