IX --REFLEXÃO
DOMINICAL III:
A REGRA DE OURO É “O QUE VÓS DESEJAIS QUE OS OUTRS VOS
FAÇAM, FAZEI-O TAMBÉM VÓS A ELES”(v. 31)
O evangelho deste sétimo domingo do tempo comum – Lucas 6,27-38 – é a
continuidade do discurso da planície, conforme Lucas, cuja leitura foi iniciada
no domingo passado com a passagem Lc 6,17.20-26. Naquela ocasião, Jesus identificou
um mundo escandalosamente dividido entre pobres e ricos, pessoas que vivem
chorando e outras que vivem sorrindo, saciados e famintos, perseguidos e
exaltados. Movido por uma íntima relação com o Pai (tinha acabado de descer da
montanha, onde tinha orado ao Pai e escolhido os Doze), Jesus tinha certeza que
aquele mundo dividido e desigual não correspondia aos propósitos de Deus; tomou
partido pelo lado mais fraco (os pobres e famintos, os que choram e são
perseguidos), proclamando-os felizes e incentivando-os à luta, para superar
aquele abismo, conforme o duplo significado da palavra grega “makarios”: ser
feliz e pôr-se em marcha, em caminho. Por outro lado, aos ricos, risonhos,
saciados e exaltados, Jesus proferiu sérias denúncias, com a proclamação das
chamadas “maldições”, introduzidas pela fórmula profética de condenação “ai de
vós”.
É necessário recuperar essa imagem de um mundo dividido e desigual, para
compreender a mensagem do evangelho de hoje. Jesus não se limitou a
diagnosticar a situação; não teve medo de escolher um lado, o dos mais pobres e
pequenos e propôs um caminho de superação, correspondente aos propósitos do
Pai: “A vós, que me escutais, eu digo: amais os vossos inimigos e fazei
o bem aos que vos odeiam” (27). Diante de um mundo ferido pela
ganância, desigual e dividido, o caminho de superação não pode ser outro senão
o amor. “Inimigos” aqui, são as pessoas que praticam o mal, aquelas que são
prejudiciais e responsáveis pelo sofrimento do outro. Jesus propõe uma verdadeira
revolução pelo amor, e esse é o grande diferencial da sua mensagem. Para isso,
não ilustra seu ensinamento com exemplos abstratos, mas com situações bem
concretas: “Bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos
caluniam. Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a outra. Se
alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. Dá a quem te pedir e,
se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva” (vv. 28-30).
Essas são situações do dia-a-dia, acessíveis a todos e todas e bastante
desafiadoras.
Jesus não ensina uma doutrina, mas apresenta uma proposta de vida, cuja
regra de ouro é: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o
também vós a eles” (v. 31). Essa regra é a resposta a todo movimento ou
sistema que prega a violência ou a reciprocidade nas relações. Do outro, nada
se exige; o cristão deve é se colocar no lugar do outro e refletir sobre as
consequências de suas ações, como será explicitado nos versículos
seguintes: “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa
tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente
aos vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. E se
emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até
os pecadores emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia” (v.
32-34). Existe um nível de comportamento e de relações acessível a todos, e que
é praticado em praticamente todas as sociedade: a reciprocidade. Por exemplo,
amar alguém sabendo que é amado por esse alguém, é uma atitude que não exige o
conhecimento do Evangelho nem intimidade com Jesus. “Os pecadores” aqui
significa todas as categorias de quem não pauta a vida segundo o Evangelho. O
princípio do amor se aplica também a outros tipos de relações, como o fazer o
bem de um modo geral, e a prática dos empréstimos.
Novamente no imperativo, o convite a amar os inimigos é reforçado, junto
com o fazer o bem: “Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem
e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será
grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os
ingratos e maus” (v. 35). É necessário que o discípulo e discípula de
Jesus façam além do óbvio, que pratiquem o amor e a justiça de modo gratuito e
desinteressado. Porém, inevitavelmente a recompensa virá, não como salário em
forma material, mas em dignidade: ser filhos ou filhas do Altíssimo. Ser filho,
nessa perspectiva, significa ser parecido com o pai. É essa a dinâmica do amor
proposto por Jesus: tornar o ser humano parecido com Deus, sendo bondoso como
Ele é. Para reforçar ainda mais a necessidade de tornar-se parecido com Deus,
Jesus parte da principal característica desse Deus: “Sede
misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (v. 36).
Aqui, Jesus ousa reformular o solene mandamento de Levítico 19,2: “Sede
santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. Esse mandamento
fora decisivo para a construção do orgulho de Israel; compreendia-se a
santidade como a separação dos outros povos. Jesus inova e faz uma
reinterpretação decisiva para a sua comunidade: ser misericordioso significa
ser bondoso, é cultivar somente bondade dentro de si e nas relações com o
próximo. Amor e bondade são traços inseparáveis, e são os sinais mais
distintivos na vida dos seguidores e seguidoras de Jesus.
Ainda de acordo com a “regra de ouro” das relações (“O que vós
desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”, v. 31), Jesus
acrescenta:Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis
condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma boa medida,
calcada, sacudida, transbordante será colocada no vosso colo; porque, com a
mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (vv.
37-38). É claro que ele não está afirmando que o agir humano é critério para o
agir de Deus. Pelo contrário, é Deus o critério, sobretudo na bondade e no
amor. Porém, mais uma vez, ele reivindica a coerência de vida. Julgar e
condenar não são prerrogativas de nenhum ser humano. É no campo das relações
com o próximo que os cristãos e cristãs revelam como se relacionam com Deus e
como absorveram o Evangelho de Jesus.
Essa foi, portanto, a resposta e o caminho para um mundo ferido,
injustiçado, dividido e desigual reencontrar o seu equilíbrio: acolhendo o
ensinamento de Jesus sobre o amor e vivendo intensamente esse amor. Para isso,
não é suficiente esperar passivamente a mudança de estruturas, mas cada um e
cada uma deve, no dia-a-dia, experimentar esse amor e pautar a vida a partir
dele, começando pelas relações com o próximo e as experiências concretas do
cotidiano.
Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN
http://www.diocesedemossoro.com/2019/02/reflexao-para-o-setimo-domingo-do-tempo.html
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