IX- REFLEXÃO DOMINICAL II
A força vital
da fé: dom de Deus para o mundo!
I. INTRODUÇÃO GERAL
O movimento da fé é um dos
temas fundamentais da liturgia da Palavra deste 27º domingo do Tempo Comum. O
profeta Habacuc ensina a transformar a pergunta das pessoas sofridas em oração
confiante a Deus. Essa fidelidade à vida é acolhida com a promessa de um tempo
certo para que tudo aconteça: “a resposta virá com certeza e não tardará”. A
fé, aqui, é a arte de confiar e de esperar o tempo de Deus se realizar. Mais de
seis séculos depois, os apóstolos pediram a Jesus: “Aumenta a nossa fé”. Jesus
ensina ser a fé uma força vital transformadora que precisa aumentar os espaços
na vida, por meio do serviço generoso do amor. Paulo, a Timóteo, testemunha que
a fé é o compromisso de toda liderança, de todo servidor do Evangelho. A fé é
dom gratuito e para a gratuidade, não uma honraria, não um mérito, não um
merecimento.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. I leitura (Hab 1,2-3; 2,2-4)
“Até quando, Senhor, chamarei e
não me ouvis?” (1,2). O livro de Habacuc se inicia com a pergunta sobre o
silêncio de Deus. Por que Deus não resolve tudo de uma vez? Qual o porquê do
sofrimento? Por que a morte? Não é difícil sermos tomados pelo desconcerto,
pela falta de sentido e até mesmo pela descrença.
Esse era o sentimento do povo
que se dirigiu ao profeta Habacuc, por volta de 600 a.C., oprimido pelo poder
do rei Joaquim, que estava preocupado com os próprios luxos e tinha deixado de
lado todo e qualquer resquício de justiça e de misericórdia com as pessoas. O
povo estava desesperado, e o profeta carrega esse “até quando?” como profunda
oração a Deus. O profeta tem esta dupla vocação: ser a voz dos mais fracos e
comunicar-lhes a voz de Deus.
O profeta, depois de partilhar
o desespero do povo e reivindicar a ajuda divina, fica em silêncio e aguarda os
sinais de Deus. É importante o movimento de esperar. Essa paciência ativa é
iluminada pela imagem do Evangelho de hoje – a força escondida da semente de
mostarda, a menor das sementes, que guarda a potência de uma grande árvore.
No tempo oportuno, Deus
respondeu a Habacuc, pedindo que registrasse tudo “para que possa ser lido com
facilidade” (2,2). A resposta de Deus convida a não desanimar; não será uma
resposta imediata ao perverso Joaquim e seus amigos, mas “a resposta virá com
certeza e não tardará” (2,3). A forma ideal para manter-se com esperança, com
disposição, sem se entregar, é pelo caminho da fé: “o justo viverá por sua fé”
(2,4). Deus prometeu e cumpriu: no tempo certo, a justiça vai vencer. Foi a
grande mística contemporânea Simone Weil quem escreveu que “as coisas mais importantes
do mundo não são para procurar, mas para esperar”.
2. II leitura (2Tm 1,6-8.13-14)
A segunda carta de Paulo a
Timóteo recorda que todo ministério – de quem preside a comunidade, de quem
assume alguma forma de apostolado – é revestido por uma graça que é maior do
que um desejo ou uma disposição pessoal: “Exorto-te a reavivar a chama do dom
de Deus” (v. 6). O serviço é sempre uma resposta ao dom e, sendo resposta,
entende-se que o servidor é um instrumento da gratuidade de Deus.
A imposição das mãos, a transmissão
da fé, é sinal visível de Deus, que transforma as pessoas em testemunhas
verdadeiras do Evangelho, testemunho que assume até os limites da doação total
da vida. Paulo recorda que ele mesmo, prisioneiro, sofrendo pelo Evangelho, é
“fortificado pelo poder de Deus” (v. 8).
A norma por excelência de toda
pessoa que assume um ministério é acreditar, é deixar que a semente da fé possa
ter espaço na vida cotidiana: “guarda o precioso depósito” (v. 14), lembra
Paulo. A fé, de fato, exige fidelidade. Fidelidade que se traduz na espera
paciente e ativa, no serviço amoroso aos irmãos e irmãs, na denúncia das
injustiças e do poder do antirreino, no testemunho generoso de bom convívio
fraterno.
3. Evangelho (Lc 17,5-10)
Estamos no coração do
ensinamento de Jesus sobre a misericórdia do Pai. Nos primeiros versículos do
capítulo 17, Jesus chamou a atenção dos discípulos sobre o risco dos escândalos
(v. 1-2) e sobre a correção fraterna (v. 3-4). O Evangelho deste domingo se
inicia com o pedido dos apóstolos: “Aumenta a nossa fé” (v. 5). O discípulo é o
seguidor de Jesus chamado a “aprender”, a acolher o ensinamento do Mestre. O
apóstolo recebe a missão de levar ao mundo essa mensagem; é um discípulo
enviado para anunciar a Boa Notícia de Jesus.
O pedido para “aumentar a fé”
indica que a fé não é um conjunto de conteúdos e fórmulas bem organizadas. Ela
é um movimento vital, uma força impetuosa, uma experiência verdadeira de Jesus
Cristo. “Aumentar a fé” é acolher a profundidade do Evangelho e ter a ousadia
de traduzi-lo no espaço e no tempo. Para isso, o apóstolo precisa compreender
que não é ele o dono da fé e das verdades, não é ele a fonte de tudo. O
apóstolo é um instrumento de Deus e vai compreendendo, passo por passo, que,
antes de tudo, há um amor primeiro e que o apostolado não é um ato de heroísmo,
senão que uma resposta, uma pequena resposta ao Amor.
Essa força vital da fé é
ilustrada por Jesus com a imagem da semente de mostarda: “Se tivésseis fé do
tamanho de um grão de mostarda [...]” (v. 6). A pequena semente parece
insignificante, sem sentido, mas, no seu interior, há uma potência invisível,
uma força, um movimento transformador. O apóstolo é aquele que descobriu a
graça interior de ser chamado e enviado, não porque é a pessoa mais sábia e
preparada, mas porque compreendeu (e está sempre compreendendo) que habita nele
uma força maior.
A conclusão do Evangelho indica
que toda missão apostólica deve carregar uma atitude de humildade, de pequenez,
no espírito da semente de mostarda. Não é o apóstolo que deve aparecer, nem
mesmo buscar honras e aplausos. O apóstolo é um servidor generoso: “Somos
servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer” (v. 10). Os biblistas afirmam
que a palavra “inútil” não é bem traduzida. Ninguém é inútil na obra de Deus.
Melhor seria se fosse “somos simples servos”, “somos humildes servidores”. Todo
trabalho, todo tempo missionário não é uma “utilidade”, mas sim uma gratuidade
do amor: amados primeiro, enviados livremente a amar!
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A fé não pode ser medida por
quantidade, porque é um dinamismo que exige fidelidade e sinceridade com a
verdade do coração. Para Jesus, o caminho de quem acolhe a fé é o serviço
fraterno. É como se o servidor – que deve tomar consciência de que é portador
do dom, não um contratado para trabalhar – possibilitasse aflorar do seu
interior a força de vida que o habita. A liturgia da Palavra deste domingo,
além de ser oportunidade de celebrar com os irmãos e irmãs em comunidade,
propõe a importante reflexão sobre a saúde da nossa fé, sobre a forma como a
acolhemos e a traduzimos para o mundo. A Palavra é um mapa que orienta,
dinamiza e converte aquilo que precisamos transformar.
Maicon Malacarne*
*é presbítero da diocese de Erexim, pároco da paróquia São
Cristóvão, em Erechim, e professor de Teologia Moral na Itepa Faculdades.
Mestre e doutorando em Teologia Moral pela Pontifícia Academia Alfonsiana –
Roma.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/5-de-outubro-27o-domingo-do-tempo-comum/
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