SETE PREVISÕES DE COMO SERÁ O NOVO MUNDO NO PÓS-PANDEMIA
Cézar
Tarion (*)
Nunca se parou o planeta como dessa vez. Um grande desafio é
saber como será esse novo cenário. Podemos considerar as lições do passado e de
crises anteriores. E, com base nisso, pensar sobre o futuro.
O
Covid-19 está provocando muitas mudanças na sociedade. Nunca se parou o planeta
como dessa vez. Reativá-lo no pós-pandemia será uma experiência única, pelo
qual nunca passamos.
Um grande
desafio é: como será este novo cenário? É impossível saber o que vai acontecer.
Mas podemos considerar as lições do passado, de crises anteriores. Com base
nisso, pensar sobre o futuro. Bem, vou arriscar uns pitacos.
Vamos lá:
1) Talvez vejamos um repensar sobre as cadeias
globais de suprimento e a excessiva dependência da China, provocando uma maior
demanda para regionalização e produção local. A maneira como as cadeias de
suprimentos globais operam criou esta vulnerabilidade insólita.
As
empresas ficaram vulneráveis porque não conseguem os componentes que
precisam. As cadeias de suprimentos criadas com base no inventário just-in-time
e na produção distribuída de componentes (concentradas na China) foram
interrompidas pela crise.
Mas, para
produzir localmente as fábricas vão precisar ser competitivas, para competir
com a eficiente cadeia de produção chinesa e isso deve levar a um aumento do
uso da automação, IoT, IA e robótica. Veremos a tal indústria 4.0 se
transformando de experiências isoladas em prática corriqueira.
2) As empresas aprenderam que precisam ser mais
resilientes (aguentar trancos), ágeis, adaptáveis e elásticas. Falava-se muito em transformação
digital, mas, na prática, pouco se fazia de concreto. O atual cenário mostrou
que está claro e premente a necessidade das empresas começarem a transformação
dos seus negócios.
Muitos
executivos com os quais converso demonstram claramente que sabiam que, ao longo
dos anos, suas empresas acabaram se acomodando, fazendo o que sempre fizeram,
com apenas algumas melhorias incrementais. Agora eles têm certeza que se ainda
se mantiverem aferrados a esse ritmo de mudanças graduais, suas organizações se
tornarão irrelevantes em pouco tempo.
Na
prática não foram os CEOs que começaram a transformação digital, mas o próprio
vírus
Entendem
que é a própria sobrevivência do negócio que está em jogo e que a revolução
digital vai implicar em mudanças significativas e não apenas evolucionárias. Na
prática não foram os CEOs que começaram a transformação digital, mas o próprio
vírus.
3) O crescimento do online para todas as nossas
atividades vai incentivar o que podemos chamar de “contactless economy”. A epidemia SARS-COV-1 de 2003
alavancou o comércio eletrônico na China, transformando o país e criando
potências comerciais como Alibaba e outras empresas.
O artigo “The SARS epidemic threatened Alibaba’s survival in 2003—here’s how it made it through to become a$470 billion company”
mostra como isso aconteceu. Nada impede, que com a atual pandemia, mudanças
como essas também ocorram em muitos outros lugares, como aqui no Brasil.
Com a
quarentena vimos que muitos hábitos que adotávamos eram desnecessários e
poderíamos fazer tudo online. Nos acostumamos com o delivery de alimentação,
com as compras online, com as transações financeiras via apps, com
telemedicina, aulas online, fazemos videoconferências e trabalhamos em casa.
Hoje,
está se tornando possível imaginar um mundo de negócios – do chão de fábrica ao
consumidor individual – no qual o contato humano é minimizado. Já existiam
empresas que trabalham 100% remoto, mas eram vistas como curiosidades
excêntricas. Um exemplo está aqui neste artigo: “The firm with 900staff and no office”.
Mas isso
significa que o contato humano será eliminado? Absolutamente não acredito
nisso. Para muitas pessoas, voltar ao normal incluirá entrar novamente
nas lojas e supermercados. Os encontros presenciais continuarão a existir.
Somos
seres sociáveis por natureza. Pacientes com necessidades complexas ainda irão
pessoalmente consultar seus médicos e muitos tipos de trabalhos não são
automatizáveis. Mas as tendências provavelmente são irreversíveis.
Podemos
agora ter mais opções. Não será obrigatório estar no escritório, mas poderemos
exercer atividades em casa e nos escritórios. Tarefas operacionais de execução
podem ser perfeitamente serem executadas remotamente.
Mas
provavelmente as que demandam criatividade, inovação e colaboração continuarão
a ser presenciais. O artigo “The impact of the‘open’ workspace on human collaboration” demonstra que colaboração e
criatividade são incentivadas quanto as pessoas interagem diretamente.
4) As regulações provavelmente serão revistas. A crise provocou a necessidade de
mudanças em muitos aspectos regulatórios, como aqui no Brasil com o uso da
telemedicina. O PL 696/2020 é um exemplo.
Pelo
texto, “telemedicina é o exercício da medicina mediado por tecnologias para
assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde.
Ao
sugerir esse recurso, o médico deve esclarecer ao paciente as limitações disso,
como a impossibilidade de realizar exames que exijam coleta de material, por
exemplo. Também deve informar, se for o caso, as formas de pagamento.
O projeto
prevê ainda a ampliação do serviço de telemedicina após o fim da pandemia, com
a regulamentação dessa modalidade de atendimento pelo Conselho Federal de
Medicina”. Com a evolução rápida das tecnologias wearables e dispositivos que
facilitem exames, veremos uma abrangência maior no seu uso.
A
educação também deverá ser revista. Um recente relatório do World Economic
Forum, “Schools of theFuture”, mostrou
que o Brasil está muito atrasado e despreparado para competir no novo mundo que
se desenha.
O “novo
normal” será diferente do que estamos habituados e as habilidades e
capacitações para este novo mundo, cada vez mais digital, ágil, incerto e
resiliente, demanda uma mudança radical na educação. A regulação terá que
permitir essas transformações e agilidade no sistema educacional.
5) O novo mundo pós-Covid vai nos obrigar a
repensar muitos dos atuais paradigmas e valores que adotamos na vida
empresarial, profissional e pessoal. O objetivo de empresas, como startups, de crescerem
rápido, apenas suportado por dinheiro de investidores, e se tornar um unicórnio
muito provavelmente ficará como um símbolo de uma época que passou.
No
novo mundo, veremos os ícones do mundo de startups saírem da fantasia dos
unicórnios para o mundo real dos camelos
As startups
precisam ser resilientes, reais e, claro, muitas precisam de investimentos. Mas
não podem viver exclusivamente do dinheiro dos investidores. No novo mundo,
veremos os ícones do mundo de startups saírem da fantasia dos unicórnios para o
mundo real dos camelos. Os livros de sucesso serão tipo “como construir um
camelo: resiliência, elasticidade e agilidade serão as regras do jogo”.
O artigo
“Esqueçam os unicórnios. As startups, agora, precisam sercamelos”
é uma amostra desse novo pensar. As corporações também serão analisadas mais de
perto com relação aos seus propósitos e ações durante a crise. Muitas que
falavam em parcerias e ecossistemas abandonaram por completo o ecossistema e
seus parceiros, e olharam apenas para si mesmas. Podem sobreviver, mas as
cicatrizes das feridas ficarão.
6) Setores por completo serão transformados. Em 1996, faz mais de 20 anos, li
um livro fantástico, chamado “Only the Paranoid Survive”, do então CEO da
Intel, Andrew Grove.
No livro,
que considero um clássico em gestão e skills gerenciais e de liderança, ele
mostra que as empresas devem estar constantemente alertas para mudanças
inesperadas, e tem que, muito rapidamente, se adaptar ou simplesmente irão
desaparecer.
Grove
fala em Ponto de Inflexão Estratégico, que pode ser desencadeado por qualquer
coisa, seja uma mudança na regulação ou uma inovação tecnológica, à primeira
vista, distante do seu atual “core business”.
Quando um
Ponto de Inflexão Estratégico é alcançado, as regras comuns dos negócios, o
“business as usual” perdem a validade. No entanto, se gerenciado corretamente,
um Ponto de Inflexão Estratégico pode ser uma oportunidade de vencer no mercado
e emergir mais forte do que nunca.
Essa
lição continua mais válida que nunca nos dias de hoje, com a disrupção digital
provocada pela Covid-19 batendo às portas. As regras do jogo de negócios estão
sendo reescritas e as atuais irão desaparecer em breve. As fronteiras ente
setores se desmancharão e alguns setores serão irreconhecíveis daqui a alguns
anos.
No novo
jogo da sociedade digital, os “core businesses” serão frequentemente redesenhados.
Os CEOs devem estar preparados para reconsiderar em que indústria a sua empresa
opera e em qual estará operando em poucos anos.
Com as
empresas se transformando em empresas de tecnologia, pela inclusão da
digitalização nos serviços produtos, as competências digitais se tornarão cada
vez mais importantes.
7) Algumas tendências tecnológicas que já estavam
sinalizadas antes da pandemia. Elas
foram e continuarão sendo aceleradas, contribuindo para construir uma sociedade
mais resiliente com significativos efeitos sobre como fazemos negócios, como
trabalhamos, como produzimos bens, como aprendemos, como procuramos serviços
médicos e como nós nos divertimos.
O artigo
“10 technology trends to watch in theCOVID-19 pandemic”
nos dá uma visão panorâmica destas tecnologias, como IA e robótica, e como
impulsionarão mudanças na sociedade, como telemedicina, logística via veículos
autônomos, e educação à distância de forma mais inteligente que a maioria dos
atuais EADs.
Hoje
já está bem claro que a transformação digital não é mais uma questão de
oportunidade ou escolha, mas imperativo
Hoje já
está bem claro que a transformação digital não é mais uma questão de
oportunidade ou escolha, mas imperativo. Quanto mais tempo a empresa demorar
para fazer sua transformação, mais irrelevante e marginalizada ficará.
O futuro
pertence a empresas que se moverem rápido, inovarem continuamente. Uma frase de
Jeff Bezos é emblemática desse novo mundo: “No mundo antigo, você dedicava 30%
do seu tempo à construção de um ótimo serviço e 70% do seu tempo a gritar sobre
isso. No novo mundo, isso se inverte.”
A questão
não é se os executivos das empresas vão aceitar ou não as mudanças provocadas
pela transformação digital. Não são eles que impedirão elas de acontecerem. O
mundo já mudou. O vírus já fez isso.
(*)
Cezar Taurion é Partner e Head of Digital
Transformation da Kick Corporate Ventures e presidente do i2a2 (Instituto de
Inteligência Artificial Aplicada). É autor de nove livros que abordam assuntos
como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes.
Professor convidado da Fundação Dom Cabral. Antes, foi professor do MBA em
Gestão Estratégica da TI pela FGV-RJ e da cadeira de Empreendedorismo na
Internet pelo MBI da NCE/UFRJ.
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