MAGISTÉRIO DO PAPA FRANCISCO DÁ SINAIS CONCRETOS DE ABERTURA À PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA IGREJA
Na
última semana de fevereiro, o Papa Francisco nomeou a presidente da Conferência
dos Religiosos do Brasil (CRB), como consultora da Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica da Santa Sé,
por cinco anos. Junto com ela foi nomeada a irmã Márian Ambrósio, presidente da
CRB entre os anos de 2007 e 2013. Segundo a irmã Maria Inês, o gesto do
Papa representa um avanço ao colocar cada vez mais mulheres ao serviço da
Igreja.
As
recentes nomeações não se tratam de algo isolado no magistério do Papa
Francisco. Uma série de gestos, desde que assumiu como 266º papa da Igreja
Católica, vem apontando maior abertura para contribuição das mulheres em busca
de uma Igreja mais sinodal, tanto no campo dos ministérios como em postos
estratégicos da Igreja.
Pela
primeira vez, o Papa Francisco nomeou, dia 6 de fevereiro, uma mulher, a irmã
Nathalie Becquart (à direita na foto abaixo), ex-diretora do Serviço Nacional
para a Evangelização da Juventude e das Vocações da Conferência dos Bispos
da França, como subsecretária do Sínodo dos Bispos. Junto à ela, o Santo Padre
também nomeou o padre Luis Marín de San Martín, até agora Assistente Geral da
Ordem de Santo Agostinho, elevado ao mesmo tempo à Sé titular de Suliana.
O Observador Permanente
da Santa Sé junto à Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE),
mons. Janusz Urbańczyk, na conclusão da primeira reunião preparatória ao 29º Fórum Econômico e
Ambiental da organização, exortou aos Estados-membros para
garantir acesso justo e equitativo ao mercado de trabalho para todos os
cidadãos: “toda pessoa, mulher ou homem, tem direito à iniciativa econômica”.
“Hoje, ainda existem
mulheres que sofrem violência. Violência psicológica, violência verbal,
violência física, violência sexual. O número de mulheres espancadas, ofendidas
e violadas é impressionante. As diversas formas de maus-tratos que muitas
mulheres sofrem são uma covardia e uma degradação para toda a humanidade. Para
os homens e para toda humanidade. Os testemunhos das vítimas que se atrevem a
quebrar o silêncio são um grito de socorro que não podemos ignorar. Não podemos
olhar para o outro lado. Rezemos pelas mulheres que são vítimas de violência,
para que sejam protegidas pela sociedade e o seu sofrimento seja considerado e
escutado por todos.”
Esse é o forte apelo
feito por Francisco no “O Vídeo do Papa”, de fevereiro, divulgado na
segunda-feira, 1º de fevereiro, com a intenção de oração que Francisco confia a
toda Igreja Católica através da Rede Mundial de Oração do Papa. É uma mensagem forte
contra a violência que milhões de mulheres sofrem diariamente numa realidade
que Francisco descreve como de “covardia e degradação para toda a humanidade”.
De
fato, as estatísticas coletadas pela ONU Mulheres, atualizadas em novembro de
2020, são chocantes: todos os dias, 137 mulheres no mundo são mortas por
membros de suas próprias famílias; as mulheres adultas representam quase metade
das vítimas de tráfico de pessoas; globalmente, 1 em cada 3 mulheres já sofreu
violência física ou sexual (e 15 milhões de meninas adolescentes, de 15 a 19
anos, sofreram estupro em todo o mundo). No ano passado, além disso, com o
agravamento da pandemia, provocando restrição de movimento, isolamento social e
insegurança econômica, também aumentou a vulnerabilidade das mulheres à
violência na esfera privada.
Mulheres no leitorado e no acolitado
Coincidindo com a festa
do Batismo do Senhor, celebrado em 10 de janeiro, algo que não pode ser visto
como mera coincidência, o Papa Francisco assinou um novo motu proprio, intitulado “Spiritus
Domini“. Esta é uma modificação do cânon
230, parágrafo 1 do Código de Direito Canônico, e se refere ao acesso das
mulheres ao ministério instituído do leitorado e acolitado.
Segundo
o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Edmar Peron, todos os gestos,
pequenos ou grandes, que procurem eliminar expressões e, consequentemente ações
excludentes dentro da Igreja são sempre muito bem vindos. Para ele, o Papa tem
consciência que suas ações conduzem a mudanças, pequenas no presente, mas
grandes para o futuro.
Com
o gesto, o Santo Padre estabeleceu que os ministérios do Leitorado e do
Acolitado sejam também abertos às mulheres, de forma estável e
institucionalizada, com um mandato especial. As mulheres que leem a Palavra de
Deus durante as celebrações litúrgicas ou que servem no altar, como
ministrantes ou como dispensadoras da Eucaristia, certamente não são uma
novidade: em muitas comunidades ao redor do mundo são atualmente uma prática autorizada
pelos bispos.
Até
janeiro, porém, tudo isso ocorria sem um verdadeiro e próprio mandato
institucional, em derrogação ao que foi estabelecido por São Paulo VI, que em
1972, ao abolir as chamadas “ordens menores”, decidira manter o acesso a esses
ministérios reservado apenas ao sexo masculino porque os considerava
preparatórios para o eventual acesso à ordem sagrada. Agora o Papa Francisco,
seguindo a rota do discernimento que emergiu nos últimos Sínodos dos Bispos,
quis oficializar e institucionalizar esta presença feminina no altar.
Em suas palavras, o Papa
coloca como base para sua decisão que esses ministérios são “uma forma
particular de exercício do sacerdócio batismal”, dando mais um passo no motu
proprio Ministeria quaedam,
com o qual São Paulo VI, em 1972, definiu os “ministérios leigos”, que eram
reservados aos que se preparavam para “a recepção do Sacramento da Ordem
Sagrada”, e “a outros fiéis idóneos do sexo masculino”.
Como
afirma o texto pontifício, pretende-se responder às discussões realizadas em
“algumas assembleias do Sínodo dos Bispos”, nas quais, segundo Spiritus Domini,
“a necessidade de aprofundar doutrinariamente o tema tornou-se evidente, para
que possa responder à natureza destes carismas e às necessidades dos tempos, e
oferecer um apoio oportuno ao papel de evangelização que diz respeito à
comunidade eclesial”.
Podemos
dizer que esta é uma mudança que tem o Sínodo para a Amazônia como sua
principal força motriz, que não devemos esquecer que entre seus objetivos
estava a busca de novos caminhos para a Igreja, destacando a força da periferia
e do discernimento sinodal. De fato, este foi um pedido expresso que a
assembleia sinodal fez ao Santo Padre, como consta no Documento Final do
Sínodo: ” o Motu Propio de São Paulo VI, Ministeria quaedam, para
que também mulheres adequadamente formadas e preparadas possam receber os
ministérios do Leitorado e do Acolitado”, insistindo em “se promovam e se
confiram ministérios para homens e mulheres de maneira equitativa”. Não
esqueçamos que este documento foi assumido pelo Papa Francisco, autorizando
imediatamente sua difusão e oficialmente na Querida Amazônia.
O
Documento Final também propôs a instituição de outro ministério, o de “mulher
dirigente da comunidade”, algo que não é compreendido em outros contextos
eclesiais, mas que, na Amazônia, onde a presença sacerdotal é reduzida a
visitas esporádicas, não mais do que duas por ano em muitos casos, é mais do
que necessário, já que ” a maioria das comunidades católicas é liderada por
mulheres”. Da mesma forma, este documento insiste em fortalecer a participação
das mulheres no discernimento e na tomada de decisões. Tudo isso em resposta ao
que é dito no documento acima mencionado, que deixa claro que: “É a Igreja de
homens e mulheres batizados que devemos consolidar, promovendo a
ministerialidade”.
O bispo auxiliar de
Manaus (AM), dom José Albuquerque, afirmou que com o motu próprio, o
Papa está dando uma confirmação daquilo que as comunidades estão vivenciando
nesta dimensão da ministerialidade. “Todos nós somos um povo sacerdotal. Isso
inclui também as mulheres, a gente não pode cometer esse equívoco, que o
masculino é aquele que tem mais espaço, que tem mais importância, nada disso”,
disse.
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