O
Ateísmo é uma escolha racional? Três famosos ateus respondem
Por
Pe. Anderson Alves
A pergunta que colocamos
aqui deve ser bem entendida: não perguntamos se os ateus são racionais, coisa
que seria absurda; nem mesmo perguntamos se os ateus são inferiores aos
teístas, ou se a crença em Deus “não necessariamente torna uma pessoa melhor”,
como apareceu numa recente pesquisa no Brasil. O que questionamos agora é se o ateísmo, enquanto sistema
de pensamento seja coerente. Mais precisamente, nos perguntamos se é sensato
afirmar a não existência de Deus e contemporaneamente o relativismo. Poderia
ser verdade que não há nenhuma verdade e, ao mesmo tempo, ser verdade que Deus
não existe?
Talvez haja quem pense
que a questão aqui proposta seja absurda. E pode vir à mente do leitor a
recordação do jovem Ivan, personagem de Irmãos
Karamázov, que defendia que se Deus e as religiões não existissem,
tudo passaria a estar permitido. Aquele personagem manifestava assim o desejo
de uma liberação: ao livrar-se da crença em Deus, o homem ficaria livre de todo
dogmatismo, tanto teórico, quanto moral. A negação de Deus traria o fim da “lei
natural” e do dever de amar o mundo e ao próximo. A mesma liberação quis
experimentar F. Nietzsche ao declarar a morte de Deus, ou melhor, ao dizer que
os homens o haviam assassinado. De modo que para eles a negação ou “morte” de
Deus não estaria fundamentada no relativismo, mas seria a origem mesma do
relativismo. A afirmação da não existência de Deus seria uma escolha, algo indiscutível
e impossível de ser demonstrado a partir de verdades anteriores. E aceitá-lo
seria assumir a crença num novo dogma que faria desmoronar todos os demais
dogmas. O ateísmo fundaria assim o relativismo na moral e no conhecimento
humano.
Embora isso seja claro,
é comum pensar que o relativismo funde o ateísmo; que as pessoas que não
aceitam Deus, fazem-no porque não querem aceitar a existência da verdade, à
qual deveriam se submeter. Isso é um absurdo. O ateísmo parte de uma afirmação
que tem valor de verdade absoluto: Deus não existe. Se essa afirmação não fosse
tomada pelos ateus como verdade, eles simplesmente deixariam de ser ateus. O
relativismo para eles se dá somente nas “verdades” inferiores e todos deveriam
se submeter ao imperativo único da nova moral: é proibido estabelecer regras
morais.
O interessante é que F.
Nietzsche e outros conhecidos filósofos ateus reconheceram que afirmar o
relativismo cognoscitivo e o ateísmo é em si mesmo contraditório. O motivo
seria que o relativismo implica a afirmação da não existência de verdades
absolutas; mas isso se funda, por sua vez, numa verdade absoluta: a não
existência de Deus.
Sendo assim, a afirmação
da não existência de Deus implica a afirmação da sua existência. Outros
pensadores ateus que perceberam bem as contradições do ateísmo contemporâneo
foram M. Horkheimer e Th. Adorno. De fato, eles diziam numa obra
conjunta, A Dialética do Iluminismo, citando a
Nietzsche: «Percebemos “que também os não conhecedores de hoje, nós, ateus e
antimetafísicos, alimentamos ainda o nosso fogo no incêndio de uma fé antiga
dois milênios, aquela fé cristã que era já a fé de Platão: ser Deus a verdade e
a verdade divina”. Sendo assim, a ciência cai na crítica feita à metafísica. A
negação de Deus implica em si uma contradição insuperável, enquanto nega o
saber mesmo».
Esses autores, ateus e
relativistas, que se reconhecem como “não conhecedores e antimetafísicos”
alimentam a verdade de sua fé ateia naquela cristã, já presente em Platão: a fé
na existência da verdade divina. De modo que só pode afirmar a não existência
de Deus, quem aceita que há uma verdade absoluta, divina. Em outras, palavras,
só pode negar a Deus que previamente o afirma. Por isso, o ateísmo, ao negar
Deus e a verdade das coisas (que é sempre relativa ao sujeito que a conhece e é
progressiva), reinvindica para si mesmo o caráter absoluto, próprio do mesmo
Deus, estabelecendo assim um novo dogmatismo. Portanto, o
ateísmo não existe; nada mais é do que uma espécie de idolatria que consiste no
colocar-se a si mesmo e as próprias convicções pessoais, por mais
contraditórias que possam ser, no lugar de Deus, o único que garante toda a
verdade.
Pe. Anderson Alves,
sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em
Roma.
Publicação
original em: http://beta.zenit.org/pt/articles/o-ateismo-e-uma-escolha-racional
[2] Cfr. F.
NIETZSCHE, La gaia scienza,
Mondadori, Milano 1971, p. 197; M. HORKHEIMER e Th. ADORNO, Dialettica dell’illuminismo,
Einaudi, Torino 1966, p. 125.
[3] Para a elaboração do presente texto me foram úteis as reflexões presentes em: U. GALEAZZI, Il coraggio della ragione. Tommaso d’Aquino e l’odierno dibatitto filosofico, Armando, Roma 2012, pp. 22-38.
https://www.presbiteros.org.br/o-ateismo-e-uma-escolha-racional-tres-famosos-ateus-respondem/
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