Da Pastoral bíblica à animação bíblica da
pastoral.
50 anos do mês da Bíblia no Brasil (I)
Por Maria Aparecida
Barboza, icm
Introdução
“O que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos, para que estejais também
em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus
Cristo. E isto vos escrevemos para que nossa alegria seja completa.” (1Jo 1,3-4)
Celebramos, em setembro de 2021, os 50 anos do Mês da Bíblia.
Motivo para olhar a caminhada feita, inserida no amplo contexto de passagem da
pastoral bíblica para a animação bíblica da pastoral. Falar da pastoral bíblica
e animação bíblica da pastoral neste espaço fecundo da revista Vida Pastoral é reconhecer,
com gratidão, o esforço dos Paulinos na promoção e difusão da Bíblia, tanto por
meio das traduções como das publicações. O ano de 2021 é consagrado pela
Família Paulina como o Ano da Palavra de Deus, com o seguinte intuito: “em
caminhos com a Igreja, renovar-nos por meio da familiarização, estudo e leitura
orante das Escrituras, para viver da Palavra a fim de que ela alcance a todos,
especialmente as periferias existenciais e do pensamento” (anúncio do Ano
Bíblico da Família Paulina, Roma, 26 de janeiro de 2020).
Ao retomar o processo da pastoral bíblica que desencadeou a
animação bíblica da vida e da pastoral da Igreja no Brasil, muito nos alegra
perceber que a redescoberta da Bíblia – Palavra de Deus e da vida –, bem como
seu uso constante por todas as Igrejas cristãs no Brasil, tem sido um marco
significativo no crescimento da experiência da fé das comunidades espalhadas
pelas diversas regiões do país. A centralidade da Palavra de Deus impulsiona a
vida e o dinamismo da ação evangelizadora das “comunidades eclesiais
missionárias”, assim intituladas pelos bispos em sua 57ª Assembleia Geral, em
maio de 2019.
Graças ao Concílio Vaticano II, que conclamou todos os pastores
a um efetivo compromisso com a difusão da Bíblia, afirmando a necessidade do
amplo acesso do povo de Deus ao texto bíblico (“o acesso às Sagradas Escrituras
seja aberto amplamente aos fiéis” – DV 22), aos poucos a Bíblia foi entrando na
vida do povo pela porta da experiência pessoal e comunitária.
Num esforço permanente na missão de formar pessoas biblicamente
animadas, “a Igreja no Brasil, ciente dessa compreensão, assumiu a animação
bíblica da vida e da pastoral como urgência de sua ação evangelizadora, por ver
nela o caminho indispensável para encontrar a pessoa e a mensagem de Jesus
Cristo” (CNBB, Doc. 97, n. 35).
1. Cenário da origem do
Movimento Bíblico, da pastoral bíblica e da animação bíblica da pastoral
“Vós sois testemunhas disso.” (Lc 24,48)
Anterior à pastoral bíblica e à animação bíblica da pastoral no Brasil é o chamado Movimento Bíblico. No início do século XX, os papas dirigem a atenção para as novas abordagens e perspectivas lançadas sobre a Bíblia. O papa Leão XIII cria, em 1902, a Pontifícia Comissão Bíblica, e o papa Pio X, em 1909, o Instituto Bíblico. Para a Igreja no Brasil, foi de grande importância a encíclica Divino Afflante Spiritu (1943) do papa Pio XII, encorajando e estimulando novas leituras e abordagens das Escrituras.
Um marco histórico para a Igreja no Brasil foi a realização do
1º Congresso Católico Brasileiro, em 1900, o qual decretou a promoção de nova
versão da Bíblia, que tivesse larga difusão entre os fiéis. Essa tarefa foi
confiada aos frades franciscanos, que, em fevereiro de 1902, publicaram o
“Santo Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, traduzido em português segundo
a tradução Vulgata Latina” (RICHTMANN, 1996, p. 85).
Contudo, “a origem de um apostolado bíblico organizado se deu em
1947, quando foi oficializada a fundação da Liga de Estudos Bíblicos, por
iniciativa dos professores de Sagrada Escritura, ex-alunos do Pontifício
Instituto Bíblico” (TERRA, 1987, p. 43-44).
Outro fator significativo, na Igreja no Brasil, para o
florescimento bíblico foi a implantação do Plano de Emergência (1960-64) e o
Plano de Pastoral de Conjunto (1966-1970). Ambos marcaram a ação
evangelizadora. No Plano de Emergência, a dimensão bíblica estava expressa nos
textos referentes à renovação paroquial e à renovação do ministério sacerdotal,
a saber: valorizar a pregação, tornando-a viva, simples, procurando encarnar a
Palavra de Deus na vida concreta da comunidade, de modo a levá-la a uma
conversão, aprofundamento de vida, e promover e incentivar o Movimento Bíblico.
É necessário que os paroquianos entrem em contato com a Palavra de Deus, que a
conheçam, amem e vivam (CNBB, Doc. 76, 2009, n. 4).
O incentivo para o uso da Bíblia encontra sua plena confirmação
no Concílio Vaticano II. Este declarou que o objeto primário do trabalho
pastoral da Igreja é a integração das Sagradas Escrituras na vida diária dos
cristãos e confiou ao episcopado a responsabilidade de realizar esta tarefa
(TERRA, 1998, p. 85).
2. Dei
Verbum e o fruto da pastoral bíblica rumo à
animação bíblica da vida e da pastoral da Igreja no Brasil
“E a Palavra de Deus crescia. O número dos discípulos
multiplicava.” (At 6,7)
É inegável a grande riqueza e abertura de horizontes que a
Constituição Dogmática Dei
Verbum trouxe para o avanço da caminhada bíblica, tanto no
âmbito da exegese como no uso pastoral, catequético e litúrgico das Sagradas
Escrituras. A Igreja, povo de Deus, foi convidada a devolver a Bíblia aos
fiéis, favorecendo e facilitando o estudo, as traduções e o diálogo ecumênico.
A Bíblia é o livro que une todos os povos, etnias e crenças numa única
linguagem: a linguagem da Palavra que é amor, fraternidade e solidariedade.
Na continuidade do Concílio, encontramos as conferências da América Latina e do Caribe, que também muito contribuíram para o processo da pastoral bíblica e da animação bíblica da pastoral. A 1ª Conferência, realizada em 1955, no Rio de Janeiro, destaca a Bíblia na formação e recomenda que se intensifique o Movimento Bíblico; que haja edições populares dos Livros Sagrados, cursos bíblicos por rádio e correspondência, Semanas Bíblicas e o Dia Nacional da Bíblia (CELAM, 1955, n. 72).
A 2ª Conferência, em Medellín (1968), destaca a Bíblia como força renovadora da ação evangelizadora. Entre
as recomendações pastorais, consta que “as comunidades devem basear-se na Palavra
de Deus”. Elas são os agentes de apropriação da Bíblia (Med 8; 10; 15).
Na 3ª Conferência, em Puebla (1979), a Bíblia aparece na ótica dos pobres: a
temática principal é a evangelização no presente e no futuro da América Latina.
Nas opções pastorais, destaca a Bíblia como fonte principal da catequese, a
difusão da Bíblia, o apostolado bíblico e a leitura bíblica contextualizada (PB
981-1001).
Já a 4ª Conferência, realizada em Santo Domingo (1992), acentua
a Bíblia como sementes do
Verbo espalhadas nas culturas. As Sagradas Escrituras nutrem a
vida dos fiéis, sendo “imprescindível que os agentes de pastoral se aprofundem
incansavelmente na Palavra de Deus, vivendo-a e transmitindo-a aos demais com
fidelidade” (“Discurso inaugural do Santo Padre”). Adverte para uma pastoral
bíblica adequada, com critérios (SD 38).
A grande novidade para a pastoral bíblica foi a 5ª Conferência,
em Aparecida (2007). Destaca a Bíblia
no processo formativo do discípulo missionário. O documento
recorda a prioridade das traduções na língua indígena: “é prioritário fazer
traduções católicas da Bíblia e dos textos litúrgicos nos idiomas desses povos
nativos” (DAp 94). Salienta o aspecto positivo da animação bíblica da pastoral
na formação do povo (DAp 99a) e propõe que a pastoral bíblica seja entendida
como animação bíblica da pastoral (DAp 248). Aqui está um passo decisivo para a
ação evangelizadora da Igreja: conceber a Bíblia já não como uma pastoral, mas como dimensão
que sustenta as demais pastorais. Há também a compreensão de que “a leitura
orante favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo” (DAp 249).
Outro evento merece nossa atenção: o Sínodo dos Bispos,
realizado em outubro de 2008, com o tema: “A Palavra de Deus na vida e na
missão da Igreja”. O Sínodo procurou acentuar a importância da Bíblia na
formação do povo. Contribuiu para o avanço da caminhada bíblica na Igreja e
destacou a dimensão da pastoral bíblica, a ser compreendida como animação
bíblica da pastoral. A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini nos ajuda a
compreender a animação bíblica da pastoral como um particular esforço pastoral
em acentuar a Bíblia, Palavra de Deus, na vida e missão da Igreja. O Sínodo
convida toda a Igreja a um empenho pastoral para ressaltar o ponto central da
Palavra de Deus na vida eclesial, recomendando incrementar a pastoral bíblica
não como justaposição com outras pastorais, mas sim como animação bíblica da
pastoral (VD 73-74).
A Igreja no Brasil, além de sua ampla participação em preparação
ao Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, por meio do
estudo e síntese do texto Lineamenta, dedicou
uma assembleia geral com o tema central: “Discípulos e servidores da Palavra de
Deus e a missão da Igreja no mundo”, com enfoque na animação bíblica de toda a pastoral (CNBB,
Doc. 97, 2012). Desde então, em cada quadriênio, os bispos, em suas diretrizes
para a ação evangelizadora, conferem destaque particular à animação bíblica da
vida e da pastoral.
Maria Aparecida Barboza, icm
Conselheira geral da Animação Missionária na
Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, mestra em Bíblia,
especialista em Pedagogia Catequética, membro do Grupo de Reflexão
Bíblico-Catequética (Grebicat) da CNBB. E-mail: barboza.icm@gmail.com
(Continua no próximo Domingo).
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