Por que existe tanto sofrimento neste mundo?
O sofrimento faz muitas pessoas brigarem com Deus. Como a
Igreja Católica explica isso? Uma visão geral de passagens importantes da
Bíblia e do Catecismo.
Definição
Sofrimento/Teodiceia
Não é apenas desde o Holocausto, no qual milhões da
população judia foram aniquilados, mas sim desde tempos imemoriais que as
pessoas se perguntam: “Por que Deus permite o sofrimento?” Esta questão é
chamada a questão da teodiceia. Essa palavra é derivada do grego antigo theós =
Deus e díkē = justiça, e significa o ponto onde a onipotência de Deus parece
entrar em conflito com a graça de Deus. O filósofo Epicuro (341-270 antes de
Cristo) supostamente disse: “Ou Deus quer acabar com o sofrimento e não pode
fazê-lo: então Deus é fraco, o que não pode ser. Ou Ele pode, mas não quer:
então Deus está cheio de rancor, o que também não pode ser. Ou Ele não pode nem
quer fazer isso: então Ele é fraco e cheio de rancor, então Ele não pode ser
Deus.”
O que
a Bíblia diz?
A Sagrada Escritura conecta a questão da teodiceia principalmente com a figura de Jó. Somente com o Livro de Jó surge a convicção de que a doença e o sofrimento são um castigo por se afastar de Deus, enquanto os justos receberão bênçãos, felicidade e riqueza. É verdade que uma vida de acordo com os mandamentos de Deus pode resultar em uma vida boa, muitas vezes feliz, mas é errado interpretar automaticamente o início do infortúnio como punição de Deus. O bíblico Jó (“Havia, na terra de Hus, um homem chamado Jó. Era homem íntegro e reto, que temia a Deus e mantinha-se afastado do mal.” Jó 1, 1) tem que suportar todos os diferentes tipos de sofrimento que uma pessoa pode experimentar. Sua esposa até o exorta a amaldiçoar esse Deus que permite que tais coisas aconteçam. Mas Jó não permite que sua esposa, nem os falsos consolos e as tentativas de seus amigos de explicar tudo o dissuadam de sua fé: “’Falas – respondeu-lhe ele – como uma insensata. Se aceitamos de Deus a felicidade, não deveríamos também aceitar a infelicidade?’” (Jó 2, 10a). A questão do sofrimento não se resolve teoricamente no livro de Jó, mas biográfica e historicamente, pelo aparecimento de um Deus que está ali no meio do drama da existência humana como um Deus compassivo: “O Senhor disse: ‘Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos” (Ex 3, 7). Esta fé é também proclamada na Epístola de Tiago: “Vós sabeis que felicitamos os que suportam os sofrimentos de Jó. Vós conheceis o fim em que o Senhor o colocou, porque o Senhor é misericordioso e compassivo” (Tg 5, 11). Através de Jesus podemos saber com certeza: “ Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no nome do Filho único de Deus” (Jo 3, 17-18). Deus na cruz é a única imagem que pode suportar a imagem do sofrimento inocente do mundo. “A cruz é de fato o lugar onde a perfeita compaixão de Deus por nosso mundo se torna visível” (Papa Bento XVI).
Uma
pequena catequese do YOUCAT:
Por que existe tanto sofrimento neste mundo?
Existem pessoas que afirmam saber uma resposta para a
pergunta do por que existe tanto sofrimento neste planeta. Nunca acreditei
nelas. Em nenhum livro do mundo (nem na Bíblia) posso encontrar uma resposta
para isso. “O mal do mundo”, diz o YOUCAT 51, “é um mistério sombrio e
doloroso”. Um dia nossos olhos se abrirão e talvez nossas bocas também.
Poderemos, então, perguntar ao próprio Deus: “Por que permitistes que tudo isso
acontecesse? Todas as lágrimas derramadas, tantos sofrimentos de crianças
inocentes? Poderias ter impedido, não?”. Até mesmo Jesus, diante do sofrimento,
ficou momentaneamente perturbado. Antes de entrar nas garras da morte, suou
sangue; dirigindo perguntas ao céu, com temor aterrador, ficou aparentemente
sem resposta. Seu Pai não lhe evitou o caminho da cruz, e Jesus, tampouco,
escapou de seu terrível sofrimento, para o qual não tinha um “por que”, mas um
“para que”.
Não existe resposta, mas uma solução
O Pai Eterno não nos enviou uma resposta, mas uma
solução. Ou melhor dizendo, um salvador. No YOUCAT 101 diz: “Cristo, o nosso
Redentor, escolheu a cruz para carregar a culpa do mundo e suportar o
sofrimento do mundo. Assim, pelo Seu perfeito amor, Ele reconduziu o mundo à
casa de Deus”. Que se supõe que isso significa? Morrer por amor? E de que serve
que morra mais alguém mais, quando os outros também morrem?
A fé cristã se baseia em dois pressupostos. Encontramos o
primeiro no YOUCAT 51, que diz: “Mas de algo temos a certeza: Deus é cem por
cento bom. Ele nunca pôde ter sido o autor de algo mau”. Deus não seria Deus se
– como creem alguns exotéricos – fosse bom e mal ao mesmo tempo. Seria
desprezível um Deus assim. Mas se Deus não é a casa de nossa miséria, então
quem é?
Buscando um culpado
“Deus não que o ser humano sofra nem morra”, diz o YOUCAT
66. Essa é o segundo grande pressuposto: o sangue e as lágrimas da humanidade
normalmente têm causas humanas e naturais. Não são somente os tiranos
monstruosos que enviam um povoado todo para a fornalha em campos de
concentração, ou matam 30 milhões de ucranianos de fome. Não, nós, os pequenos,
também somos a causa do sofrimento e contribuímos para a miséria do mundo
diariamente. Às vezes, de maneira notável, por exemplo, quando um pequeno
empresário já não serve aos outros e se torna ganancioso. Ou quando se torna
quase “normal” deixarmos que alguém, que conhecemos do trabalho, morra de fome,
com a mão estendida.
Por sermos livres, temos a triste possibilidade de
destruirmos a nós, aos demais e ao meio ambiente. De maneira invisível, a
mancha negra de pecado cobriu e envenenou tudo o que existe. Até mesmo os
desastres naturais (tsunamis, terremotos, pandemias) são, em forma de
monstruosidades, uma profunda resposta ao mal que as pessoas fazem umas as
outras, como se não fosse nada. As pessoas se perguntam: O que fizemos para que
o bom, o verdadeiro e o belo da criação apareça manchado e destruído? Podemos,
também, imaginar que o Criador de todas as coisas já não reconhece mais a sua
criação.
O
Paraíso atualizado
A
“ideia original de Deus para o ser humano”, diz o YOUCAT 66, “era o Paraíso: a
vida eterna e a paz entre Deus, o ser humano e seu ambiente, entre o homem e a
mulher”. Por que perdemos o paraíso? Bom, Deus não nos criou como fantoches;
fez-nos parecidos com ele, deu-nos o que só Deus e o homem podem dar: uma
liberdade quase ilimitada. “Que risco! Com a liberdade qualquer um pode se
transformar em um assassino”, pode-se pensar. Mas existe também outra
possibilidade: na “liberdade devemos escolher a Deus, amá-lo acima de tudo,
fazer o bem e evitar o mal na medida de nossas possibilidades”. O mundo é um
experimento fracassado de Deus? Não seria lógico que Deus enviasse outro grande
dilúvio no qual a humanidade corrompida fosse afundada para sempre, junto com a
terra martirizada?
Deus
não é assim. “Deus é amor” (1Jo 4,8). No YOUCAT 33 diz: “a fé é se assenta
nesta expressão, embora a experiência da dor e da maldade no mundo faça muitos
duvidar de que Deus seja realmente amoroso”. Deus faz algo incompreensível: não
nos destrói. Muito menos observar sem se envolver, mantendo-se bem afastado das
desordens. Ele permite que tragédia da humanidade chegue ao seu coração, um
coração cheio de misericórdia. Envia-nos o que tem de mais valioso, seu Filho,
para morrer. É para dizer-nos: onde os homens sofrem, Deus sofre. Às vezes,
dizemos: Alguém sofre como um animal. Não, esse alguém sofre como Deus. Mais
ainda, “Deus não sofre como o ser humano”; Ele se fez um ser humano, para que
saibamos como é o eterno no mais íntimo do seu ser. Sofre para demonstrar um
amor perfeito, um amor sem limites, um amor capaz de dar a vida pelo outro. E
sofre para que ninguém possa dizer: “conheço um lugar onde tu, Deus, não
estavas: em minha dor!”.
Deus
não se deixa evidenciar: “Olha, eu, o inocente, sofro também com a sua
miséria”. Em sua compaixão universal, o Criador do mundo constrói para nós,
seres humanos, um caminho de retorno ao paraíso, uma ponte sobre os abismos da
morte. Os cristãos creem, firmemente, que Jesus Cristo é o único caminho, a
única ponte para a vida. “Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do
céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos.” (At
4,12).
Jesus,
a ponte para a vida
Jesus
carrega tudo em seus ombros. Teríamos que pagar e pagar por nossas estupidezes.
Mas foram reparadas de outra maneira. Teríamos que pagar, pagar também pelos
nossos fracassos. Ele, porém, paga todas as nossas contas atrasadas. Teríamos
que sofrer, sofrer com as consequências do que provocamos. Mas Ele crucifica os
pecados do mundo inteiro. Deveríamos morrer como castigo. Mas ele morre por nós
– morre para que possamos voltar ao paraíso, sofre a morte mais terrível que o
mundo antigo elaborou para os criminosos: a morte por tortura na cruz.
Acontece,
então, o milagre: Ele, que assumiu e suportou toda a miséria do pecado, todo o
sofrimento por nós, não fica na morte. O Deus Pai o retira do reino da morte.
Cristo vive e se mostra às testemunhas de sua ressurreição como uma pessoa viva
e tangível. A ressurreição de Jesus não foi um ato solitário nem de uma vez por
todas. A ressurreição de Jesus é o seu e o meu seguro de vida. É a ponte que
nos tira da provisoriedade e da inutilidade de nossos dias. Como? Existe muito
mais a dizer sobre isso, porém não consigo discorrer aqui. Basta isso: “Agora,
que a morte já não é mais o fim de tudo, veio ao mundo a alegria e a esperança”
(YOUCAT 108). De qualquer maneira, em meio ao sofrimento, os cristãos têm a
estranha certeza de que, por trás de toda a dor, levanta-se o sol da manhã da
Páscoa.
Com
o sol em tuas costas
Com o sol da Páscoa em tuas costas, você pode entender que existem pessoas que falam: “Graças a Deus, que colocou algumas pedras em meu caminho, reconduziu-me ao sentido e ao caminho da vida!”. Em todo caso, o que São Francisco de Sales intuiu é correto: “É um jugo que o Senhor ajuda você a carregar, ele carrega você e a sua carga”.
https://www.youcat.org/pt/credopedia/por-que-existe-tanto-sofrimento-neste-mundo/
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