“Saber
Pedir”
Comecemos observando o evangelho.
Notemos como os dois irmãos, Tiago e João, se dirigem a Jesus: “Queremos que
faças o que vamos pedir”. Isto não é modo de pedir nada ao Senhor, isto não é
modo de rezar! Aqui não há humildade, não há abertura para procurar a vontade
do Senhor a nosso respeito, mas somente o interesse cego de realizar nossa
vontade! Quanta loucura e presunção! Muitas vezes, é assim também que rezamos,
com esse tom, com essa atitude! Recordemos a palavra do Apóstolo: “Não sabemos
o que pedir como convém” (Rm 8,26). Somos tão frágeis, tão incapazes de
compreender os desígnios de Deus, que nossos pedidos muitas e muitas vezes não
são segundo o coração do Senhor e, portanto, não são para o nosso bem!
Como, então, pedir de acordo com a
vontade do Senhor? Escutemos ainda São Paulo: “O Espírito socorre a nossa
fraqueza. O próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm
8,26). Eis! É somente quando nos deixamos guiar pelo Santo Espírito do Cristo,
que compreendemos as coisas de Deus e pediremos segundo Deus! Nunca
compreenderá o desígnio de Deus, quem não pede segundo Deus… e nunca pedirá
segundo Deus, quem não se deixa guiar pelo Espírito de Deus! Aqueles dois não
pediam segundo Deus, não suplicavam segundo o Reino, mas segundo seus
interesses: queriam glória, queriam honra, queriam os primeiros lugares,
queriam seus interesses, de acordo com sua lógica e modo de pensar!
A resposta de Jesus demonstra o seu desgosto: “Vós não sabeis o que pedis!” E o Senhor completa com um desafio – que é para os dois irmãos e para todos nós, caros irmãos e irmãs: “Podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” De que cálice, de que batismo Jesus está falando? Do seu sofrimento, do seu caminho de dor e humilhação, pelo qual ele entrará no Reino e o Reino virá a nós: “O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor. Por esta vida de sofrimento, alcançará a luz e uma ciência perfeita. Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas”. Este é o caminho de Jesus: fazer-se servo humilde e causa de nossa salvação. Isso os discípulos não compreendiam… nem nós compreendemos! Também a nós o Senhor convida a participar do seu batismo e do seu cálice.
Escutemos mais uma vez, são Paulo: “Não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova. Porque se nos tornamos uma só coisa com ele por uma morte semelhante à sua, seremos uma coisa só com ele também por uma ressurreição semelhante à sua” (Rm 6,3-5). Podeis ser batizados no meu batismo? Estais dispostos a mergulhar vossa vida no meu caminho de morte e ressurreição, morrendo para vós mesmos e buscando a vontade do Pai de todo o coração? Eis o que é ser batizado em Cristo!
E nós o fomos! O desafio agora é
viver o batismo no qual fomos batizados, tornando-nos, em Cristo, criaturas
novas, abertas para a vontade do Pai, como Jesus. E, não somente ser batizado
no batismo de Jesus, mas também beber o cálice de Jesus: “Todas as vezes que
comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele
venha” (1Cor 11,26); “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o
sangue de Cristo?” (1Cor 10,16). Vejam só: comungar na eucaristia é aprofundar
aquilo que já começamos a viver no batismo: fazer da vida uma vida em comunhão
com o Senhor na sua morte e ressurreição! Não se pode nem sonhar em ser cristão
pensando num caminho diferente, num modo diverso de viver! Tiago e João não
tinham compreendido isso; os Doze também não compreenderam; nós, tampouco,
compreendemos!
Observem ainda como os dois irmãos são
presunçosos: quando Jesus pergunta: “Podeis beber o cálice? Podeis ser
batizados?” Eles respondem: “Podemos!” Na ânsia pelos primeiros lugares, no
desejo de obterem o que pedem, prometem aquilo que somente com a graça de Deus
seriam capazes de prometer! A mesma lógica nossa, nosso mesmo procedimento, tantas
vezes! Como Pedro, que, mais tarde dirá: “Darei a minha vida por ti” (Jo
13,37); e de modo tão presunçoso quanto o dos dois irmãos, exclamará: “Ainda
que todos se escandalizem, eu não o farei!” (Mc 14,29). Pobre Pedro, pobres
Tiago e João, pobres de nós! Sem a graça de Deus em Cristo, que poderemos?
Vamos nos escandalizar, vamos fugir da cruz, vamos descrer no Senhor, vamos
abandonar o caminho! Como não compreendemos a estrada de Jesus! Tudo é graça.
Por isso Jesus diz que, ainda que eles bebam o seu cálice e sejam mergulhados
no seu batismo, ainda assim, será graça de Deus conceder os primeiros lugares…
Não podemos cobrar nada de Deus: “É para aqueles a quem foi reservado!”
Finalmente, a atitude dos outros Doze,
que também buscavam o primeiro lugar e se revoltam contra os dois irmãos! E
Jesus chama os Doze e nos chama também a nós, e fala-nos do mundo, com seus
jogos de poder, sua ganância, sua hipocrisia e sua mentira… e nos diz: “Entre
vós, não deverá ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; quem
quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para
muitos”. Aqui está o modelo do caminho cristão: o Cristo, totalmente abandonado
à vontade do Pai, totalmente disponível, totalmente pobre… Ele é o modelo de
como devemos viver entre nós e em relação ao Pai: no serviço mútuo, na
disponibilidade, na confiança no Pai, no abandono ao seu desígnio a nosso
respeito. Somente Jesus poderia rezar com toda a liberdade: “Pai, não o que eu
quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36).
Olhando nossa fraqueza, nossa pouca
disponibilidade, olhando quanto na vida buscamos nossos interesses e nossas
vantagens, não desanimemos! Sigamos o conselho do Autor da Carta aos Hebreus: “Temos
um Sumo-sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por
isso, permaneçamos firmes na fé que professamos! Temos um Sumo-sacerdote capaz
de se compadecer de nossas fraquezas, pis ele mesmo foi provado em tudo como
nós!” Confiemos no Senhor e supliquemos que ele converta o nosso coração,
dando-nos seus sentimentos, suas atitudes de doação, serviço e humildade, sua
confiança no Pai e, finalmente, a graça de participar daquela glória que no céu
ele tem com o Pai e o Espírito Santo. Amém.
D. Henrique Soares da Costa
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